– E quem nos trouxe todos eles? Você e a sua sopa de doninha.
Arya esmurrou-lhe o braço.
– Era só caldo quente de carne. Você também odiava Sor Amory.
– Odeio mais esses tipos. Sor Amory lutava por seu senhor, mas os Saltimbancos são mercenários e vira-casacas. Metade nem sequer sabe falar o Idioma Comum. O Septão Utt gosta de garotinhos, Qyburn faz magia negra, e seu amigo Dentadas come gente.
O pior era que nem podia dizer que ele não tinha razão. Os Bravos Companheiros cuidavam da maior parte do abastecimento de Harrenhal, e Roose Bolton atribuíra-lhes a tarefa de exterminar homens dos Lannister. Vargo Hoat dividira-os em quatro bandos, para visitar o máximo possível de aldeias. Ele próprio liderava o grupo maior, e tinha dado os outros aos seus capitães mais confiáveis. Arya ouvira Rorge rindo sobre a maneira que Lorde Vargo tinha de encontrar traidores. Tudo o que fazia era retornar aos locais que visitara antes sob o estandarte de Lorde Tywin e apanhar aqueles que o tinham ajudado. Muitos tinham sido comprados com prata dos Lannister, e era também frequente que os Saltimbancos regressassem com sacos de moedas além dos cestos de cabeças.
– Uma adivinha! – gritava jovialmente Shagwell. – Se a cabra de Lorde Bolton come os homens que alimentaram a cabra de Lorde Lannister, quantas cabras há?
– Uma – tinha dito Arya quando ele lhe perguntara.
– Ora, aí está uma doninha esperta que nem uma cabra! – falou o bobo com um risinho abafado.
Rorge e Dentadas eram tão maus quanto os outros. Sempre que Lorde Bolton fazia uma refeição com a guarnição, Arya via-os lá, entre os soldados. Dentadas exalava um fedor de queijo podre, e os Bravos Companheiros obrigavam-no a se sentar ao fundo da mesa, onde podia grunhir e silvar para si próprio e dilacerar a carne com os dedos e os dentes. Farejava Arya quando ela passava, mas era Rorge quem mais a assustava. Sentava-se junto ao Fiel Ursywck, mas ela sentia seus olhos percorrendo seu corpo enquanto estava cuidando de suas tarefas.
Às vezes desejava ter partido para lá do mar estreito com Jaqen H’ghar. Ainda tinha a estúpida moeda que ele lhe dera, um pedaço de ferro que não era maior do que um centavo, e estava enferrujado na borda. De um lado tinha coisas escritas, estranhas palavras que ela não conseguia ler. O outro mostrava uma cabeça de homem, mas tão desgastada que todos os seus traços tinham desaparecido. Ele disse que esta moeda era de grande valor, mas isso provavelmente também foi uma mentira, como seu nome e até sua aparência. Aquele pensamento deixou-a tão zangada que jogou a moeda fora, mas uma hora depois sentiu-se mal e foi à procura dela, mesmo que não valesse nada.
Pensava na moeda enquanto atravessava o Pátio das Lâminas, lutando com o peso da água no balde.
– Nan – chamou uma voz. – Ponha esse balde no chão e venha me ajudar.
Elmar Frey não era mais velho do que ela, e ainda por cima era baixo para a idade. Tinha rolado um barril de areia pela pedra irregular e seu rosto estava vermelho de exaustão. Arya foi ajudá-lo. Juntos, empurraram o barril até a muralha e de novo para trás, e depois puseram-no de pé. Arya ouviu a areia lá dentro movendo-se de um lado para o outro quando Elmar abriu o tampo e tirou para fora um camisão.
– Acha que está suficientemente limpo? – na qualidade de escudeiro de Roose Bolton, era sua responsabilidade manter a cota de malha do seu senhor tinindo de limpo.
– Tem de sacudir a areia. Ainda há pontos de ferrugem. Está vendo? – ela apontou. – É melhor fazer tudo mais uma vez.
– Faça você – Elmar podia ser amigável quando precisava de ajuda, mas depois lembrava-se sempre de que era um escudeiro e ela apenas uma criada. Gostava de se gabar de ser filho do Senhor da Travessia, não um sobrinho, bastardo ou neto, mas um filho legítimo, e de que, por causa disso, ia se casar com uma princesa.
Arya não se interessava por sua preciosa princesa, e não gostava que lhe desse ordens.
– Tenho de levar água ao senhor para a bacia. Ele está no quarto sendo sangrado. Não com as sanguessugas normais, pretas, mas com as grandes e claras.
Os olhos de Elmar ficaram do tamanho de ovos cozidos. As sanguessugas aterrorizavam-no, especialmente as grandes e claras que pareciam geleia até se encherem de sangue.
– Tinha me esquecido, você é magricela demais para empurrar um barril tão pesado.
– Tinha me esquecido, você é burro – Arya pegou o balde. – Talvez também devesse ser sangrado. No Gargalo há sanguessugas do tamanho de porcos – e deixou-o lá com seu barril.
O quarto do senhor estava cheio de gente quando entrou. Qyburn encontrava-se presente, bem como o severo Walton com seu camisão e grevas, além de uma dúzia de Frey, todos eles irmãos, meios-irmãos e primos. Roose Bolton estava na cama, nu. Sanguessugas aderiam à parte de dentro de seus braços e pernas e espalhavam-se por seu peito pálido, longas coisas translúcidas que se tornavam de um cor-de-rosa cintilante quando se alimentavam. Bolton não prestava mais atenção nelas do que em Arya.
– Não podemos permitir que Lorde Tywin nos encurrale aqui em Harrenhal – Sor Aenys Frey estava dizendo enquanto Arya enchia a bacia de banho. Um homem grisalho, gigantesco e curvado para a frente, com olhos aguados e avermelhados e enormes mãos nodosas, Sor Aenys trouxera mil e quinhentas espadas Frey para Harrenhal, mas parecia frequentemente incapaz de comandar até os próprios irmãos. – O castelo é tão grande que precisa de um exército para defendê-lo, e uma vez cercados não podemos alimentar um exército. Nem podemos ter esperança de armazenar suprimentos suficientes. O campo está transformado em cinzas, as aldeias foram entregues aos lobos, a colheita foi queimada ou roubada. O Outono está aí, mas não há comida em armazém e nada a ser plantado. Vivemos da pilhagem, e se os Lannister nos negarem isso, ficaremos reduzidos a ratazanas e couro de sapatos em uma volta de lua.
– Não pretendo ser cercado aqui – a voz de Roose Bolton era tão baixa que os homens tinham de se esforçar para ouvi-lo, por isso seus aposentos estavam sempre estranhamente silenciosos.
– Então, qual é o plano? – quis saber Sor Jared Frey, que era magro, estava perdendo cabelo e tinha o rosto marcado pelas espinhas. – Estará Edmure Tully tão ébrio com sua vitória que pensa em dar batalha a Lorde Tywin em campo aberto?
Se fizer isso, ganhará, pensou Arya. Ganhará como no Ramo Vermelho, vocês vão ver. Sem que reparassem nela, foi até junto a Qyburn.
– Lorde Tywin está a muitas léguas daqui – Bolton disse calmamente. – Ainda tem muitos assuntos a resolver em Porto Real. Não marchará sobre Harrenhal tão depressa.
Sor Aenys sacudiu teimosamente a cabeça:
– Não conhece os Lannister tão bem como nós, senhor. Rei Stannis também pensou que Lorde Tywin estivesse a mil léguas de distância, e isso acabou com ele.
O homem pálido na cama deu um tênue sorriso enquanto as sanguessugas se alimentavam de seu sangue.
– Eu não sou homem para ser acabado, sor.
– Mesmo se Correrrio reunir todas as suas forças e o Jovem Lobo regressar do oeste, como podemos esperar igualar os números que Lorde Tywin pode enviar contra nós? Quando vier, chegará com muito mais poder do que o que comandava no Ramo Verde. Recordo-lhe que Jardim de Cima se juntou à causa de Joffrey!
– Não me esqueci disso.
– Já fui prisioneiro de Lorde Tywin – disse Sor Hosteen, um homem rude com rosto quadrado, do qual se dizia que era o mais forte dos Frey. – Não tenho qualquer desejo de voltar a desfrutar da hospitalidade dos Lannister.
Sor Harys Haigh, que era Frey pelo lado da mãe, concordou vigorosamente com a cabeça.
– Se Lorde Tywin conseguiu derrotar um homem experiente como Stannis Baratheon, que chance tem nosso rei rapaz contra ele? – olhou para os irmãos e primos à sua volta, em busca de apoio, e vários dentre eles resmungaram em concordância.