Выбрать главу

Golpeou folhas de bétula até que a ponta lascada do pau de vassoura quebrado ficou verde e pegajosa.

– Sor Gregor – murmurava. – Dunsen, Polliver, Raff, o Querido – rodopiou, saltou e se equilibrou nas pontas dos pés, precipitando-se para cá e para lá, fazendo voar pinhas. – Cócegas – proferiu de uma vez –, Cão de Caça – disse da vez seguinte. – Sor Ilyn, Sor Meryn, Rainha Cersei – o tronco de um carvalho ergueu-se na sua frente, e ela atirou-lhe estocadas, atingindo-o com a ponta, rosnando: – Joffrey, Joffrey, Joffrey – tinha os braços e as pernas salpicados pela luz do sol e pelas sombras das folhas. Uma película de suor cobria sua pele quando finalmente fez uma pausa. O calcanhar do pé direito estava ensanguentado onde o esfolara, por isso apoiou-se num pé só em frente à árvore-coração e ergueu a espada numa saudação. – Valar morghulis – disse aos velhos deuses do norte. Gostava do som que as palavras tinham quando as dizia.

Enquanto Arya atravessava o pátio até a casa de banhos, viu um corvo que descia aos círculos para a colônia, e perguntou-se de onde ele tinha vindo e que mensagem transportava. De repente é de Robb, e chegou para dizer que não é verdade o que dizem de Bran e Rickon. Mordeu o lábio, esperando que assim fosse. Se eu tivesse asas, poderia voar para Winterfell e ver com meus olhos. E se fosse verdade, voaria para longe, voaria para lá da lua e das estrelas brilhantes, e veria todas as coisas das histórias da Velha Ama, dragões e monstros marinhos e o Titã de Bravos, e talvez nunca mais voltasse, a não ser que quisesse.

O grupo dos caçadores regressou perto do cair da noite com nove lobos mortos. Sete eram adultos, grandes animais cinza-acastanhados, selvagens e poderosos, com os beiços arreganhados sobre longos dentes amarelos, por causa dos rosnidos de morte. Mas os outros dois eram apenas filhotes. Lorde Bolton ordenou que as peles fossem costuradas para fazer uma manta para sua cama.

– As crias ainda têm aquela pele suave, senhor – destacou um de seus homens. – Podem dar um bom par de luvas para sua senhoria.

Bolton olhou de relance as bandeiras que flutuavam por cima das torres da guarita.

– Como os Stark costumam nos lembrar, o Inverno está chegando. Mande fazê-las – quando viu Arya olhando, disse: – Nan, quero um jarro de vinho quente condimentado, resfriei-me na floresta. Trate de que não esfrie. Desejo jantar sozinho. Pão de cevada, manteiga e javali.

– Imediatamente, senhor – aquilo era sempre a melhor coisa a dizer.

Torta Quente estava fazendo bolinhos de aveia quando ela entrou na cozinha. Três outros cozinheiros tiravam as espinhas de peixes, enquanto um assador virava um javali sobre as chamas.

– O senhor quer o jantar, e vinho quente condimentado para empurrá-lo para baixo – Arya anunciou –, e não o quer frio – um dos cozinheiros lavou as mãos, pegou uma chaleira e encheu-a com um tinto denso e doce. Torta Quente recebeu ordens de esmagar as especiarias lá dentro enquanto o vinho aquecia. Arya foi ajudar.

– Eu sei fazer isso – ele disse, carrancudo. – Não preciso que me mostre como condimentar vinho.

Também me odeia, ou então tem medo de mim. Afastou-se, mais triste do que zangada. Quando a comida ficou pronta, os cozinheiros cobriram-na com uma tampa de prata e envolveram o jarro numa toalha espessa para mantê-lo quente. Lá fora caía o crepúsculo. Nas muralhas, os corvos resmungavam em volta das cabeças como cortesãos em torno de um rei. Um dos guardas vigiava a porta para a Pira do Rei.

– Espero que isso não seja sopa de doninha – ele gracejou.

Roose Bolton estava sentado perto da lareira, lendo um grande livro encadernado em couro, quando ela entrou.

– Acenda umas velas – ordenou-lhe enquanto virava uma página. – Está ficando escuro aqui.

Arya apoiou a comida perto dele e fez o que lhe era pedido, enchendo a sala de luz tremeluzente e cheiro de cravos. Bolton virou mais algumas páginas com o dedo, fechou o livro e o colocou cuidadosamente no fogo. Ficou vendo as chamas consumindo-o, olhos claros brilhando com a luz refletida. O velho couro seco incendiou-se com um uuch, e as páginas amarelas agitaram-se enquanto ardiam, como se algum fantasma as estivesse lendo.

– Não terei mais necessidade de você esta noite – disse, sem nunca olhá-la.

Ela devia ter ido embora, silenciosa como um rato, mas algo a segurou.

– Senhor, leva-me junto quando abandonar Harrenhal?

Ele virou-se para encará-la, e a expressão que seu rosto tomou foi como se o jantar tivesse acabado de lhe dirigir a palavra.

– Dei-lhe licença para me interrogar, Nan?

– Não, senhor – Arya abaixou os olhos.

– Então não devia ter falado. Devia?

– Não, senhor.

Por um momento ele pareceu divertido.

– Vou responder, só dessa vez. Pretendo deixar Harrenhal para Lorde Vargo quando regressar ao norte. Você ficará aqui com ele.

– Mas eu não… – ela começou.

Bolton a interrompeu.

– Não estou habituado a ser interrogado por criados, Nan. Terei de mandar cortar sua língua?

Arya sabia que ele podia fazer aquilo com a mesma facilidade com que outro homem bateria num cão.

– Não, senhor.

– Então não ouvirei nem mais uma palavra vinda de você?

– Não, senhor.

– Então vá embora. Esquecerei essa insolência.

Arya foi, mas não para a cama. Quando saiu para a escuridão do pátio, o guarda à porta acenou para ela e disse:

– Vem aí uma tempestade. Sente o cheiro no ar? – o vento soprava em rajadas, as chamas saíam rodopiando dos archotes montados no topo das muralhas ao lado das fileiras de cabeças.

A caminho do bosque sagrado, passou pela Torre dos Lamentos, onde outrora tinha vivido aterrorizada por Weese. Os Frey tinham-na tomado para si desde a queda de Harrenhal. Conseguia ouvir as vozes iradas que saíam por uma janela, muitos homens falando e discutindo ao mesmo tempo. Elmar estava sentado nos degraus lá fora, sozinho.

– O que houve? – perguntou-lhe Arya quando viu as lágrimas brilhando em seu rosto.

– A minha princesa – ele soluçou. – Aenys diz que fomos desonrados. Chegou uma ave das Gêmeas. O senhor meu pai diz que terei de me casar com outra pessoa ou tornar-me septão.

Uma estúpida princesa, Arya pensou, isso não é nada por que valha a pena chorar.

– Meus irmãos podem estar mortos – ela confidenciou.

Elmar deu-lhe um olhar de desprezo.

– Ninguém se importa com os irmãos de uma criada.

Foi difícil não bater nele quando disse aquilo.

– Espero que sua princesa morra – ela devolveu, e fugiu antes que ele conseguisse agarrá-la.

No bosque sagrado, encontrou a espada de cabo de vassoura onde a deixara e levou-a para junto da árvore-coração. Então, ajoelhou-se. Folhas vermelhas restolharam. Olhos vermelhos espreitaram seu íntimo. Os olhos dos deuses.

– Digam-me o que fazer, deuses – rezou.

Por um longo momento não se ouviu nenhum som além do vento, da água e do ranger de folhas e galhos. E então, de muito, muito longe, para lá do bosque sagrado e das torres assombradas e das imensas muralhas de pedra de Harrenhal, de algum lugar no mundo, veio o longo uivo solitário de um lobo. A pele de Arya arrepiou-se, e por um instante sentiu-se tonta. Então, muito tenuamente, pareceu que ouvia a voz do pai.

– Quando as neves caem e os ventos brancos sopram, o lobo solitário morre, mas a matilha sobrevive – ele disse.

– Mas não há matilha – ela sussurrou ao represeiro. Bran e Rickon estavam mortos, os Lannister tinham Sansa, Jon tinha ido para a Muralha. – Já nem sequer sou eu, sou Nan.

– Você é Arya de Winterfell, filha do Norte. Disse-me que podia ser forte. Tem o sangue do lobo.