Arya afastou-se da carroça.
– Não – eles não podem me fazer mal, disse a si mesma, estão todos acorrentados.
Ele virou a caneca ao contrário.
– Um homem tem de lamentar.
Rorge, o que não tinha nariz, atirou a caneca nela com uma praga. As algemas o atrapalhavam, mas mesmo assim a teria acertado em cheio na cabeça com a pesada caneca de estanho se Arya não tivesse saltado para o lado.
– Traga-nos cerveja, seu bolha. Já!
– Cala boca! – Arya tentou imaginar o que Syrio teria feito. Puxou a espada de treino, de madeira.
– Chegue perto – disse Rorge –, e eu enfio esse pau pelo seu rabo acima, até ver você sangrar.
O medo golpeia mais profundamente do que as espadas. Arya obrigou-se a se aproximar da carroça. Cada passo era mais difícil que o anterior. Feroz como um glutão, calma como águas paradas. As palavras cantavam na sua cabeça. Syrio não teria medo.
Estava quase perto o suficiente para tocar a roda, quando Dentadas se pôs em pé de um salto, e tentou agarrá-la, fazendo os ferros tinir e chocalhar. As algemas cortaram seu movimento a quinze centímetros da cara dela. O homem silvou.
Arya o atingiu. Com força, bem entre seus pequenos olhos.
Gritando, Dentadas cambaleou para trás e depois atirou todo seu peso contra as correntes. Os aros deslizaram, torceram-se e se retesaram, e Arya ouviu o ranger de madeira velha e seca quando os grandes anéis de ferro forçaram as pranchas do chão da carroça. Enormes mãos brancas tentaram agarrá-la, enquanto veias se projetavam ao longo dos braços de Dentadas, mas os grilhões aguentaram, e, por fim, o homem caiu para trás. Escorria sangue das feridas úmidas que tinha no rosto.
– Um rapaz tem mais coragem do que bom-senso – observou aquele que tinha se identificado como Jaqen H’ghar.
Arya afastou-se da carroça, andando de costas. Quando sentiu uma mão no ombro, rodopiou, voltando a erguer a espada de pau, mas era apenas Touro.
– O que você está fazendo?
Ele ergueu as mãos em defesa.
– Yoren disse que nenhum de nós devia se aproximar daqueles três.
– Eles não me assustam – ela respondeu.
– Então você é estúpido, porque eles me assustam – a mão de Touro caiu sobre o punho da espada, e Rorge desatou a rir. – Vamos sair de perto deles.
Arya o seguiu, arrastando os pés pelo chão, e deixou que Touro a conduzisse ao redor da estalagem até a parte da frente. O riso de Rorge e os silvos do Dentadas seguiram-nos.
– Quer lutar? – Arya perguntou a Touro. Queria bater em qualquer coisa.
Ele olhou para ela, piscando, surpreso. Madeixas de espesso cabelo negro, ainda úmido do banho, caíam sobre seus olhos profundamente azuis.
– Eu machucaria você.
– Não machucaria nada.
– Você não conhece a minha força.
– Você não conhece a minha rapidez.
– Está pedindo, Arry – ele puxou a espada de Praed. – Isto é aço barato, mas é uma espada verdadeira.
Arya desembainhou Agulha.
– Esta é de bom aço, e por isso é mais verdadeira do que a sua.
Touro balançou a cabeça:
– Promete que não chora se eu te ferir?
– Prometo, se você também prometer – Arya virou-se de lado, adotando a pose de dançarina de água, mas Touro não se mexeu. Estava olhando para qualquer coisa atrás dela. – Que foi?
– Homens de manto dourado – ele fechou a cara.
Não pode ser, Arya pensou, mas, quando olhou para trás, viu os homens cavalgando pela estrada do rei, seis, usando a cota de malha negra e os mantos dourados da Patrulha da Cidade. Um deles era um oficial, usava uma placa peitoral esmaltada preta, ornamentada com quatro discos dourados. Pararam os cavalos em frente à estalagem. Olha com os olhos, pareceu sussurrar-lhe a voz de Syrio. Seus olhos viram espuma branca debaixo das selas; os cavalos tinham corrido durante muito tempo, e duramente. Calma como águas paradas, pegou Touro pelo braço e o puxou para trás de uma cerca viva alta e florida.
– O que é isso? – ele perguntou. – O que está fazendo? Me larga.
– Silencioso como uma sombra – ela sussurrou, puxando-o para baixo.
Alguns dos outros a cargo de Yoren estavam sentados em frente à casa de banhos, esperando sua vez de entrar numa tina.
– Vocês, homens – gritou um dos de manto dourado. – São os que partiram para vestir o negro?
– Talvez sejamos – foi a resposta cautelosa.
– Preferíamos nos juntar a vocês, rapazes – disse o velho Reysen. – Ouvimos dizer que faz frio naquela Muralha.
O oficial de manto dourado desmontou.
– Tenho um mandado a respeito de um certo rapaz…
Yoren saiu da estalagem, afagando sua emaranhada barba negra.
– Quem é que quer esse rapaz?
Os outros homens de manto dourado estavam desmontando e colocando-se ao lado dos cavalos.
– Por que nós estamos escondidos? – Touro sussurrou.
– Sou eu que eles querem – Arya respondeu, também sussurrando. A orelha dele cheirava a sabão. – Fica quieto.
– É a rainha quem o quer, velho, não que isso te diga respeito – disse o oficial, tirando uma faixa do cinto. – Aqui está, o selo e mandado de Sua Graça.
Atrás da cerca viva, Touro balançou a cabeça, duvidando.
– Por que motivo a rainha haveria de te querer, Arry?
Ela esmurrou seu ombro.
– Fica quieto!
Yoren passou os dedos pela faixa do mandado com a gota de cera dourada.
– Bonito – cuspiu. – Acontece que o rapaz está agora na Patrulha da Noite. O que ele fez lá na cidade não importa mais.
– A rainha não está interessada nas suas opiniões, velho, e eu também não – disse o oficial. – Vou levar o rapaz.
Arya pensou em fugir, mas sabia que não iria longe no seu burro quando os homens de manto dourado tinham cavalos. E estava tão cansada de fugir. Tinha fugido quando Sor Meryn havia ido buscá-la e voltou a fugir quando tinham matado seu pai. Se fosse uma verdadeira dançarina de água, sairia dali com a Agulha na mão, mataria todos, e nunca mais fugiria de ninguém.
– Não vai levar ninguém – Yoren respondeu teimosamente. – Há leis sobre essas coisas.
O homem do manto dourado puxou uma espada curta.
– Aqui está a sua lei.
Yoren olhou para a lâmina:
– Isso não é lei nenhuma, é só uma espada. Acontece que eu também tenho uma.
O oficial sorriu.
– Velho tonto. Eu tenho cinco homens comigo.
Yoren cuspiu.
– Acontece que eu tenho trinta.
O homem de manto dourado soltou uma gargalhada.
– Esses aí? – disse um grandalhão desajeitado com o nariz quebrado. – Quem é o primeiro? – gritou, mostrando o aço.
Tarber puxou uma forquilha de uma pilha de feno.
– Sou eu.
– Não, sou eu – gritou Cutjack, o pedreiro rechonchudo, tirando o martelo do avental de couro que usava sempre.
– Eu – Kurz surgiu com sua faca de esfolar na mão.
– Eu e ele – Koss retesou a corda do seu arco.
– Todos nós – disse Reysen, agarrando o grande bastão de madeira dura em que se apoiava ao caminhar.
Dobber saiu nu da casa de banhos com as roupas numa trouxa, viu o que estava acontecendo e deixou tudo cair, menos a adaga.
– É uma luta? – ele quis saber.
– Parece que sim – disse Torta Quente, caindo de quatro à procura de uma pedra que pudesse atirar. Arya não acreditava no que estava vendo. Odiava Torta Quente! Por que motivo se arriscaria por ela?