Ao chegar a noite, pôs um manto e dirigiu-se ao bosque sagrado. Sor Osmund Kettleblack guardava a ponte levadiça em sua armadura branca. Sansa fez seu melhor para parecer infeliz quando lhe deu boa-noite. Pela maneira como ele a olhou, não ficou certa de ter sido totalmente convincente.
Dontos a esperava ao luar folhoso.
– Por que essa cara tão triste? – perguntou-lhe Sansa alegremente. – Você estava lá, ouviu. Joff pôs-me de lado, acabou comigo, ele…
Dontos pegou em sua mão.
– Oh, Jonquil, minha pobre Jonquil, não compreende. Acabou com você? Mal começou.
Sansa sentiu seu coração apertado.
– O que quer dizer?
– A rainha nunca a deixará partir, nunca. É uma refém demasiado valiosa. E Joffrey… Querida, ele ainda é o rei. Se a quiser em sua cama, vai tê-la, só que agora serão bastardos que plantará em seu ventre, e não filhos legítimos.
– Não – Sansa deu um arquejo, chocada. – Ele deixou-me ir, ele…
Sor Dontos deu-lhe um beijo baboso na orelha.
– Seja brava. Jurei levá-la para casa, e agora posso fazer isso. O dia foi escolhido.
– Quando? – Sansa quis saber. – Quando partimos?
– Na noite do casamento de Joffrey. Depois do banquete. Tudo o que é necessário já foi combinado. A Fortaleza Vermelha estará cheia de desconhecidos. Metade da corte estará bêbada e a outra metade estará ajudando Joffrey a se deitar com sua noiva. Durante um pequeno momento, você será esquecida, e a confusão será nossa amiga.
– O casamento não acontecerá antes de uma volta de lua. Margaery Tyrell está em Jardim de Cima, só agora mandaram buscá-la.
– Esperamos tanto tempo, tenha um pouco mais de paciência. Tenho aqui algo para você – Sor Dontos apalpou a bolsa e tirou de lá uma teia de aranha prateada, suspendendo-a com seus dedos grossos.
Era uma rede para os cabelos feita de prata fina, com cordões tão finos e delicados que a rede pareceu não pesar mais do que um sopro quando Sansa a pegou. Pequenas pedras preciosas estavam embutidas nos locais em que dois cordões se cruzavam, tão escuras que bebiam o luar.
– Que pedras são estas?
– Ametistas negras de Asshai. Do tipo mais raro, um profundo púrpura verdadeiro à luz do dia.
– É muito lindo – disse Sansa, e pensou: É de um navio que preciso, não de uma rede para o cabelo.
– Mais lindo do que julga, querida menina. É que essa rede é mágica. O que a segura é a justiça. Vingança pelo seu pai – Dontos inclinou-se e voltou a beijá-la. – É a sua casa que está aí.
Theon
Meistre Luwin veio até ele quando os primeiros batedores foram vistos perto das muralhas:
– Senhor príncipe, tem de se render.
Theon fitou a travessa de bolos de aveia, mel e morcela que tinham lhe trazido para o desjejum. Outra noite sem dormir havia deixado seus nervos à flor da pele, e bastava olhar a comida para se sentir nauseado.
– Não houve resposta de meu tio?
– Nenhuma – o meistre respondeu. – Nem de seu pai em Pyke.
– Envie mais aves.
– De nada servirá. Quando as aves chegarem…
– Envie-as! – Theon atirou a travessa de comida para longe com um movimento do braço, puxou as mantas e saiu da cama de Ned Stark, nu e zangado. – Ou será que quer me ver morto? É isso, Luwin? Quero a verdade.
O pequeno homem cinzento não mostrou medo:
– A minha ordem serve.
– Sim, mas quem?
– O reino, e Winterfell. Theon, um dia ensinei-lhe as somas e as letras, história e a arte da guerra. E poderia ter-lhe ensinado mais, se tivesse vontade de ouvir. Não direi que tenho um grande apreço por você, não, mas também não posso odiá-lo. Mesmo se odiasse, enquanto for senhor de Winterfell estou obrigado pelo juramento que prestei a lhe dar conselhos. Por isso, agora aconselho-o a se render.
Theon abaixou-se para apanhar um manto que estava amontoado no chão, sacudiu-lhe a palha e o colocou sobre os ombros. Um fogo, quero um fogo, e roupa limpa. Onde está Wex? Não irei para a tumba com a roupa suja.
– Não tem esperança de aguentar aqui – prosseguiu o meistre. – Se o senhor seu pai pretendesse enviar ajuda, a essa altura já o teria feito. É o Gargalo que lhe interessa. A batalha pelo Norte será travada entre as ruínas de Fosso Cailin.
– Talvez seja assim – Theon respondeu. – E enquanto eu controlar Winterfell, Sor Rodrik e os senhores dos Stark não podem marchar para o sul a fim de surpreender meu tio pela retaguarda – não sou tão inocente nas artes da guerra como você pensa, velho. – Tenho alimentos suficientes para aguentar um ano de cerco, se necessário.
– Não haverá cerco. Eles talvez passem um dia ou dois construindo escadas e atando ganchos na ponta de cordas. Mas em breve saltarão por cima de suas muralhas por cem lugares ao mesmo tempo. Poderá ser capaz de defender a fortaleza interna durante algum tempo, mas uma hora o castelo cairá. Faria melhor se abrisse os portões e pedisse…
– … misericórdia? Eu sei que tipo de misericórdia têm para mim.
– Há uma maneira.
– Eu sou um homem de ferro – lembrou-lhe Theon. – Tenho as minhas próprias maneiras. Que escolha me deixaram? Não, não responda, já ouvi o bastante de seus conselhos. Vá enviar essas aves como ordenei, e diga a Lorren que quero falar com ele. E chame também Wex. Quero minha cota de malha areada e a guarnição reunida no pátio.
Por um momento pensou que o meistre o desobedeceria, mas, por fim, Luwin fez uma reverência rígida:
– Às suas ordens.
Compunham um grupo pateticamente pequeno; os homens de ferro eram poucos, o pátio, grande.
– Os nortenhos estarão aqui antes do cair da noite – Theon lhes disse. – Sor Rodrik Cassel e todos os senhores que atenderam ao seu chamado. Não fugirei deles. Tomei este castelo e pretendo mantê-lo, viver ou morrer como Príncipe de Winterfell. Mas não ordenarei a nenhum homem que morra por mim. Se partirem agora, antes que a força principal de Sor Rodrik chegue, ainda têm uma chance de ganhar a liberdade – desembainhou a espada e desenhou uma linha na terra. – Aqueles que quiserem ficar e lutar, deem um passo à frente.
Ninguém falou. Os homens ficaram parados, dentro de suas cotas de malha, peles e couro fervido, imóveis como se fossem feitos de pedra. Alguns trocaram olhares. Urzen arrastou os pés. Dykk Harlaw puxou um escarro e cuspiu. Um dedo de vento passou pelos longos cabelos claros de Endehar.
Theon sentiu-se como se estivesse se afogando. Por que estou surpreso?, pensou tristemente. O pai abandonara-o, bem como os tios, a irmã, e até aquela maldita criatura do Fedor. Por que seus homens iriam se mostrar mais leais? Nada havia a dizer, nada a fazer. Só podia ficar ali sob as grandes muralhas cinzentas e o céu duro e branco, de espada na mão, à espera, à espera…
Wex foi o primeiro a atravessar a linha. Três passos rápidos e ficou ao lado de Theon, de ombros caídos. Envergonhado pelo rapaz, Lorren Negro o seguiu, todo carrancudo.
– Quem mais? – Theon perguntou.
Rolfe Vermelho avançou. Kromm. Werlag. Tymor e os irmãos. Ulf, o Doente. Harrag Ladrão de Ovelhas. Quatro Harlaw e dois Botley. Kenned, a Baleia, foi o último. Ao todo dezessete.
Urzen estava entre os que não se moveram, e também Stygg, e todos os dez homens que Asha trouxera de Bosque Profundo.
– Então partam – disse-lhes Theon. – Corram para junto de minha irmã. Não tenho dúvida de que ela dará boas-vindas a todos.
Stygg teve pelo menos a delicadeza de parecer envergonhado. Os outros foram embora sem uma palavra. Theon virou-se para os dezessete que ficaram.