– Nenhum mal jamais foi feito a você.
– E nenhum mal será feito a Beth, desde que o sor…
Sor Rodrik não lhe deu oportunidade de terminar.
– Víbora – declarou o cavaleiro, com o rosto vermelho de raiva sob aquelas suíças brancas. – Dei-lhe a chance de salvar seus homens e morrer com um pequeno fiapo de honra, Vira-Casaca. Devia saber que era pedir demais a um assassino de crianças – a mão caiu sobre o punho da espada. – Devia abatê-lo aqui e agora, e pôr fim às suas mentiras e falsidades. Pelos deuses, devia fazê-lo.
Theon não temia um velho trêmulo, mas aqueles arqueiros que o observavam e aquela fileira de cavaleiros eram outra coisa. Se as espadas saíssem das bainhas, suas chances de voltar vivo ao castelo eram poucas, ou nenhuma.
– Se repudiar seu juramento e me matar, verá sua pequena Beth morrer estrangulada na ponta de uma corda.
Os nós dos dedos de Sor Rodrik estavam brancos, mas, após um momento tirou a mão do punho da espada.
– Vivi realmente tempo demais.
– Não irei discordar, sor. Aceitará meus termos?
– Tenho um dever a cumprir para com a Senhora Catelyn e a Casa Stark.
– E a sua Casa? Beth é a última de seu sangue.
O velho cavaleiro endireitou-se:
– Ofereço-me para o lugar de minha filha. Liberte-a e me tome como refém. Certamente o castelão de Winterfell vale mais do que uma criança.
– Para mim, não – um gesto valente, velho, mas não sou tão tolo assim. – E aposto que nem para Lorde Manderly ou Leobald Tallhart – sua velha pele não tem mais valor para eles do que a de qualquer outro homem. – Não, vou manter a garota… e a salvo, desde que faça o que lhe ordenei. A vida dela está em suas mãos.
– Pela bondade dos deuses, Theon, como pode fazer isto? Sabe que tenho de atacar, jurei…
– Se essa tropa ainda estiver em armas perante meu portão quando o sol se puser, Beth será enforcada – Theon afirmou. – Outro refém vai segui-la para o túmulo à primeira luz da aurora, e outro ao pôr do sol. Cada alvorada e cada ocaso significarão uma morte, até que vá embora. Não me faltam reféns – não esperou por uma resposta; em vez disso, deu a volta com Sorridente e voltou ao castelo. A princípio seguiu lentamente, mas a ideia de ter aqueles arqueiros nas costas rapidamente o levou a um meio galope. As pequenas cabeças viram-no chegar, do alto de seus espigões, com rostos alcatroados e esfolados que ficavam maiores a cada metro; entre elas estava Beth Cassel, com uma corda em volta do pescoço, chorando. Theon esporeou Sorridente e rompeu a um galope duro. Os cascos do cavalo tamborilaram na ponte levadiça como batidas de tambor.
Desmontou no pátio e entregou as rédeas a Wex:
– Talvez os detenha – disse a Lorren Negro. – Vamos saber ao pôr do sol. Leva a menina para dentro até então, e mantenha-a em algum lugar seguro – sob as camadas de couro, aço e lã, estava coberto de suor. – Preciso de uma taça de vinho. Uma tina de vinho seria ainda melhor.
Um fogo fora aceso no quarto de Ned Stark. Theon sentou-se a seu lado e encheu uma taça com um tinto encorpado das caves do castelo, um vinho tão amargo quanto seu estado de espírito. Eles vão atacar, pensou sombriamente, fitando as chamas. Sor Rodrik ama a filha, mas não é por isso que deixa de ser o castelão, e acima de tudo um cavaleiro. Se fosse Theon quem estivesse com um laço em volta do pescoço e Lorde Balon comandando o exército lá fora, os cornos de guerra já teriam soado para o ataque, não tinha dúvida. Devia agradecer aos deuses por Sor Rodrik não ser um homem de ferro. Os homens das terras verdes eram feitos de material mais mole, embora não estivesse certo de que se revelaria suficientemente mole.
Se não, se apesar de tudo o velho desse a ordem para assaltar o castelo, Winterfell cairia. Theon não tinha ilusões a esse respeito. Os seus dezessete podiam matar três, quatro, cinco vezes esse número de homens, mas no fim seriam derrotados.
Theon fitou as chamas por cima da borda de sua taça de vinho, matutando sobre a injustiça de tudo aquilo.
– Cavalguei ao lado de Robb Stark no Bosque dos Murmúrios – resmungou. Naquela noite estivera assustado, mas não como agora. Uma coisa era partir para a batalha rodeado de amigos, outra era perecer-se só e desprezado. Misericórdia, pensou, infeliz.
Quando o vinho não lhe trouxe alívio, Theon mandou que Wex fosse lhe buscar o arco e dirigiu-se até o velho pátio interior. Ficou ali, disparando flecha atrás de flecha contra os alvos até ficar com os ombros doendo e os dedos ensanguentados, fazendo apenas as pausas necessárias para arrancar as flechas dos alvos para outra série. Salvei a vida de Bran com este arco, lembrou a si mesmo. Bem que gostaria de poder salvar a minha. Mulheres vinham até o poço, mas não ficavam; fosse o que fosse que viam no rosto de Theon, aquilo mandava-as rapidamente embora.
Atrás dele erguia-se a torre quebrada, com o topo tão irregular como uma coroa, no local onde, havia muito tempo, o incêndio derrubara os andares superiores. À medida que o sol se movia, a sombra da torre movia-se também, alongando-se gradualmente, um braço negro que se estendia para Theon Greyjoy. Quando o sol tocou o poço, já tinha sido agarrado. Se enforcar a garota, os nortenhos atacarão de imediato, pensou no momento em que disparava uma flecha. Se não a enforcar, saberão que minhas ameaças são vazias. Colocou outra flecha no arco. Não há nenhuma saída, nenhuma.
– Se tivesse cem arqueiros tão bons como você, poderia ter uma chance de defender o castelo – disse uma voz suave atrás dele.
Quando se virou, Meistre Luwin estava ali.
– Vá embora – Theon o enxotou. – Já estou farto de seus conselhos.
– E da vida? Também está farto dela, senhor meu príncipe?
Theon ergueu o arco.
– Mais uma palavra e enfio esta flecha em seu coração.
– Não faria isso.
Theon retesou o arco, puxando as penas cinzentas de ganso até a face.
– Quer fazer uma aposta?
– Sou sua última esperança, Theon.
Não tenho esperança, pensou. Mas abaixou o arco um centímetro e disse:
– Não fugirei.
– Não falo em fugir. Vista o negro.
– A Patrulha da Noite? – Theon deixou o arco relaxar-se lentamente e apontou a flecha para o chão.
– Sor Rodrik serviu a Casa Stark a vida inteira, e a Casa Stark sempre foi amiga da Patrulha. Ele não lhe negará isso. Abra os portões, deponha as armas, aceite as condições dele, e ele terá de deixá-lo vestir o negro.
Um irmão da Patrulha da Noite. Significava um não a uma coroa, a filhos, a uma esposa… mas significava vida, e vida com honra. O irmão do próprio Ned Stark tinha escolhido a Patrulha, e Jon Snow também.
Não me faltam roupas pretas, uma vez arrancadas as lulas gigantes. Até meu cavalo é preto. Podia subir bastante na patrulha… chefe dos patrulheiros, provavelmente até Senhor Comandante. Que Asha fique com as malditas ilhas, são tão monótonas quanto ela. Se servisse em Atalaialeste, poderia comandar meu próprio navio, e há boa caça para lá da Muralha. Quanto a mulheres, que mulher selvagem não quereria um príncipe em sua cama? Um sorriso lento perpassou-lhe pelo rosto. Um manto negro não pode ser virado. Seria tão bom como qualquer homem…
– PRÍNCIPE THEON! – o súbito grito estilhaçou seu sonho acordado. Kromm atravessava o pátio a trote. – Os nortenhos…
Sentiu uma súbita e doentia sensação de terror.
– É o ataque?
Meistre Luwin pegou em seu braço.