O homem do nariz quebrado ainda achava aquilo engraçado.
– Ponham de lado essas pedras e paus, meninas, antes que apanhem. Nenhum de vocês sabe por qual lado se pega numa espada.
– Eu sei! – Arya não os deixaria morrer por ela, como Syrio. Não deixaria! Abrindo caminho através da cerca viva com a Agulha na mão, adotou a pose da dançarina de água.
O de nariz quebrado soltou uma gargalhada roufenha. O oficial olhou-a de cima a baixo.
– Guarde a espada, menininha, ninguém quer machucar você.
– Não sou uma menina! – Arya gritou, furiosa. Qual era o problema deles? Tinham percorrido todo aquele caminho à sua procura, ali estava ela, e limitavam-se a sorrir para ela. – Sou eu quem procuram.
– É a ele que procuramos – o oficial indicou Touro com a espada, que tinha avançado para se colocar ao lado de Arya, com o aço barato de Praed na mão.
Mas foi um erro o oficial tirar os olhos de Yoren, mesmo que por um instante. Foi o tempo que a espada do irmão negro demorou para ser pressionada contra seu pomo de adão.
– Não vai ficar com nenhum deles, a não ser que queira que eu veja se o seu pomo já está maduro. Tenho mais dez ou quinze irmãos naquela estalagem, se ainda precisa ser convencido. Se fosse você, largava esse corta-tripas, botava as bochechas em cima daquele cavalinho gordo e galopava de volta à cidade – Yoren cuspiu, e fez mais pressão com a ponta da espada. – Já.
Os dedos do oficial abriram-se. A espada caiu na poeira.
– Nós ficamos com isso – disse Yoren. – Bom aço sempre faz falta na Muralha.
– Como quiser. Por enquanto. Homens – os homens de manto dourado embainharam as armas e montaram. – É melhor que galope em disparada até essa sua Muralha, velho. Da próxima vez que o apanhar, creio que sua cabeça terá o mesmo destino da do jovem bastardo.
– Homens melhores que você já tentaram.
Yoren bateu na garupa do cavalo do oficial com o lado da espada, fazendo-o desembestar pela estrada do rei afora, enquanto os outros o seguiram.
Quando os perderam de vista, Torta Quente começou a gritar, mas Yoren pareceu mais zangado que nunca.
– Idiota! Acha que estamos livres dele? Da próxima vez, ele não vai se pavonear nem me dar nenhuma faixa maldita. Tirem os outros do banho, temos de ir andando. Cavalgando a noite toda, talvez possamos ficar à frente deles por um tempo – Yoren apanhou a espada que o oficial deixara cair. – Quem quer isto?
– Eu! – Torta Quente berrou.
– Não use no Arry – Yoren entregou a espada ao rapaz, com o cabo para a frente, e dirigiu-se a Arya, mas foi com Touro que falou. – A rainha o quer muito, rapaz.
Arya não entendia nada.
– Por que ele?
Touro olhou bravo para ela.
– E por que iria querer você? Não passa de um ratinho de sarjeta!
– Bom, e você não passa de um garoto bastardo! – ou talvez apenas fingisse ser um rapaz bastardo. – Qual é o seu nome de verdade?
– Gendry – ele respondeu, como se não estivesse muito certo daquilo.
– Não vejo por que alguém haveria de querer algum de vocês – Yoren os interrompeu. – Mas não podem ficar com vocês de qualquer jeito. Montem aqueles dois corcéis. Ao primeiro sinal de um manto dourado, sigam para a Muralha como se um dragão os perseguisse. O resto de nós não têm importância para eles.
– Menos você – Arya o corrigiu. – Aquele homem disse que também queria sua cabeça.
– Bem, quanto a isso, se conseguir arrancá-la dos meus ombros, que faça bom proveito.
Jon
–Sam? – Jon chamou em voz baixa.
O ar tinha cheiro de papel, de pó e dos anos. À sua frente, altas estantes de madeira erguiam-se até desaparecer nas sombras, entulhadas de livros encadernados em couro e caixas de antigos rolos. Um tênue brilho amarelo era filtrado pelas pilhas de livros, vindo de uma lâmpada escondida. Jon apagou com um sopro a vela que trazia, preferindo não correr o risco de uma chama livre no meio de tanto papel velho e seco. E seguiu a luz, ziguezagueando pelas estreitas passagens sob a abóbada cilíndrica do teto. Todo vestido de preto, era uma sombra entre as sombras, com seu cabelo escuro, rosto longo e olhos cinzentos. Luvas negras de pele de toupeira cobriam suas mãos; a direita porque estava queimada, a esquerda porque um homem se sentia meio tolo usando apenas uma luva.
Samwell Tarly estava debruçado sobre uma mesa num nicho esculpido na pedra da parede, iluminado pelo brilho que vinha da lâmpada pendurada sobre sua cabeça. Ergueu o olhar ao ouvir os passos de Jon.
– Passou a noite toda aqui?
– Passei? – Sam pareceu surpreso.
– Não esteve conosco no desjejum, e ninguém dormiu na sua cama.
Rast sugeriu que Sam talvez tivesse desertado, mas Jon nunca acreditou na ideia. A deserção requeria um tipo diferente de coragem, e isso era algo que Sam possuía em quantidade insuficiente.
– Já é de manhã? Aqui embaixo não há como saber.
– Sam, você é um bobo, mas simpático. Vai sentir falta daquela cama quando estivermos dormindo no chão frio e duro, garanto.
Sam bocejou.
– Meistre Aemon mandou-me encontrar mapas para o Senhor Comandante. Nunca pensei… Jon, os livros, já viu alguma coisa assim? Há milhares!
Jon olhou em volta.
– A biblioteca em Winterfell tem mais de cem. Encontrou os mapas?
– Ah, sim – Sam passou a mão, com dedos grossos como salsichas, por sobre a mesa, indicando o amontoado de livros e rolos à sua frente. – Pelo menos uma dúzia – ele desenrolou um pergaminho quadrado. – A tinta desbotou, mas ainda se vê onde o cartógrafo assinalou os locais de aldeias selvagens, e há outro livro… Onde está? Eu o estava lendo agora mesmo – Sam afastou alguns rolos para o lado, revelando um volume poeirento, com uma encadernação em couro apodrecido. – Este – ele exclamou com reverência – é o relato de uma viagem desde a Torre Sombria até o Cabo Desolado, na Costa Gelada, escrito por um patrulheiro chamado Redwyn. Não está datado, mas menciona um Dorren Stark como Rei do Norte. Portanto, deve ter sido escrito antes da Conquista. Jon, eles lutaram com gigantes! Redwyn até comerciou com os filhos da floresta, está tudo aqui – com toda delicadeza, Sam virou as páginas com um dedo. – Também desenhou mapas, veja…
– Talvez escreva um relato da nossa patrulha, Sam.
Pretendia soar encorajador, mas aquilo tinha sido a coisa errada a dizer. Tudo o que Sam menos precisava era ser lembrado do que os esperava na manhã seguinte. Então, pensativo, Sam moveu os rolos de um lado para o outro, sem propósito.
– Há mais mapas. Se tivesse tempo de procurar… Está tudo uma confusão. Mas eu poderia pôr tudo em ordem; sei que poderia, mas levaria tempo… Bem, na verdade, levaria anos.
– Mormont gostaria de ter esses mapas um pouco mais depressa do que isso – Jon tirou um rolo de uma caixa e soprou o grosso da poeira. Um canto desprendeu-se entre os seus dedos quando o desenrolou. – Olha, este está se desfazendo – disse, franzindo a testa diante das letras desbotadas.
– Tome cuidado – Sam rodeou a mesa e tirou o rolo da sua mão, pegando-o como se fosse um animal ferido. – Os livros importantes costumavam ser copiados quando precisavam deles. Alguns dos mais velhos foram copiados meia centena de vezes, provavelmente.
– Bem, não perca tempo copiando esse. Vinte e três barricas de bacalhau em conserva, dezoito jarras de óleo de peixe, uma pipa de sal…
– Um inventário – Sam concluiu. – Ou talvez uma conta de venda.
– Quem se importa com quanto bacalhau em conserva comeram há seiscentos anos? – Jon perguntou.