– Na masmorra de um senhor, perto de Vila Gaivota – respondeu o ferreiro. – Um bandoleiro, um barbeiro, um pedinte, dois órfãos e um michê. É com esta gente que defendemos os domínios dos homens.
– Devem servir – Jon dirigiu a Sam um sorriso privado. – Nós servimos.
Noye o chamou para mais perto.
– Ouviu as notícias sobre o seu irmão?
– Na noite passada.
Conwy e os homens a seu cargo tinham trazido as notícias do norte, e quase não se falou em outra coisa na sala comum. Jon ainda não estava seguro dos seus sentimentos àquele respeito. Robb, um rei? O irmão com quem brincara, com quem lutara, com quem dividira a primeira taça de vinho? Mas não o leite da mãe, isso não. E, portanto, Robb agora beberica vinho do verão em cálices cravejados de joias, enquanto eu me ajoelho junto a um riacho qualquer, sugando água do degelo com as mãos em taça.
– Robb será um bom rei – Jon afirmou, com sinceridade.
– Será? – o ferreiro olhou-o com franqueza. – Espero que sim, rapaz, mas em outra época posso ter dito o mesmo de Robert.
– Dizem que forjou para ele o martelo de guerra – Jon recordou.
– Sim. Era seu homem, um homem dos Baratheon, ferreiro e armeiro em Ponta Tempestade, até perder o braço. Tenho idade suficiente para me lembrar de Lorde Steffon antes de o mar levá-lo, e conheço aqueles três filhos dele desde que receberam seus nomes. E lhe digo o seguinte: Robert nunca mais voltou a ser o mesmo depois de colocar aquela coroa na cabeça. Alguns homens são como espadas, feitos para lutar. Pendure-os, e enferrujam.
– E os irmãos? – Jon quis saber.
O armeiro refletiu por um momento.
– Robert era verdadeiro aço. Stannis é de ferro puro, negro, duro e forte, é verdade, mas quebradiço, como acontece com o ferro. Quebrará antes de dobrar. E Renly, esse é cobre, claro e brilhante, bonito de ver, mas, no fim das contas, sem grande valor.
E que metal é Robb? Jon não perguntou. Noye era um homem dos Baratheon; o mais certo era que considerasse Joffrey o rei de direito, e Robb, um traidor. Na irmandade da Patrulha da Noite, havia um pacto tácito de não sondar com muita profundidade esses assuntos. Os homens que chegavam à Muralha vinham de todos os Sete Reinos, e os antigos amores e lealdades não eram esquecidos com facilidade, não importava quantos juramentos um homem fizesse… Assim como o próprio Jon tinha bons motivos para saber. Até Sam… A Casa do pai estava juramentada a Jardim de Cima, e Lorde Tyrell apoiava o Rei Renly. Era melhor não falar dessas coisas. A Patrulha da Noite não tomava partido.
– Lorde Mormont nos espera – Jon disse.
– Que não seja por mim que se atrase a encontrar o Velho Urso – Noye deu uma batidinha no seu ombro e sorriu. – Que os deuses o acompanhem amanhã, Snow. Traz de volta esse seu tio, está me ouvindo?
– Traremos – Jon prometeu.
O Senhor Comandante Mormont tinha se instalado na Torre do Rei depois do incêndio que havia devastado a sua. Jon deixou Fantasma com os guardas na porta.
– Mais escadas – Sam reclamou em tom infeliz quando começaram a subir. – Detesto escadas.
– Bem, essa é uma coisa que não enfrentaremos na floresta.
Quando entraram no aposento privado, o corvo os viu de imediato. “Snow!”, guinchou a ave. Mormont interrompeu a conversa.
– Demorou bastante tempo com esses mapas – afastou os restos do café da manhã para arranjar espaço na mesa. – Ponha-os aqui. Darei uma olhada neles mais tarde.
Thoren Smallwood, um patrulheiro nervoso, com um queixo fraco e uma boca ainda mais fraca, escondida sob uma fina barba desordenada, dirigiu a Jon e a Sam um olhar frio. Tinha sido um dos homens de confiança de Alliser Thorne, e não nutria nenhuma amizade por nenhum deles.
– O lugar do Senhor Comandante é em Castelo Negro, senhoreando e comandando – disse a Mormont, ignorando os recém-chegados –, me parece.
O corvo bateu suas asas negras. “Me, me, me.”
– Se algum dia se tornar Senhor Comandante, poderá fazer o que desejar – Mormont respondeu ao patrulheiro. – Mas, parece-me que ainda não morri, e que os irmãos não puseram você no meu lugar.
– Com Ben Stark perdido e Sor Jaremy morto, sou agora Primeiro Patrulheiro – teimou Smallwood. – O comando devia ser meu.
Mormont não concordava.
– Enviei Ben Stark, e Sor Waymar antes dele. Não pretendo mandar você atrás deles e ficar aqui sentado, perguntando a mim mesmo quanto tempo deverei esperar até considerá-lo perdido também. E Stark continua a ser Primeiro Patrulheiro, até sabermos com certeza que está morto. Se esse dia chegar, serei eu, e não você, quem nomeará o seu sucessor. E agora, pare de me fazer perder tempo. Partimos à primeira luz da aurora, ou será que se esqueceu?
Smallwood pôs-se em pé.
– Às ordens do meu senhor.
Enquanto se encaminhava para a saída, franziu as sobrancelhas para Jon, como se aquilo de alguma maneira fosse culpa sua.
– Primeiro Patrulheiro! – os olhos do Velho Urso fixaram-se em Sam. – Antes nomearia você Primeiro Patrulheiro. Tem o topete de me dizer na cara que sou velho demais para ir com ele. Pareço velho para você, rapaz? – os pelos que tinham desaparecido do couro cabeludo manchado de Mormont tinham se reagrupado sob seu queixo, numa hirsuta barba cinza que cobria a maior parte do seu peito. Então, deu uma pancada forte no próprio peito. – Pareço frágil?
Sam abriu a boca e soltou um pequeno guincho. O Velho Urso aterrorizava-o.
– Não, senhor – Jon interveio rapidamente. – Parece forte como um… um…
– Não tente me enganar, Snow, sabe bem que não consegue. Deixe-me dar uma olhada nesses mapas – Mormont passou os olhos rapidamente, dando não mais do que um grunhido para cada um deles. – Isto foi tudo o que conseguiu encontrar?
– Eu… m-m-meu senhor – Sam gaguejou –, havia… havia mais, m-m-mas… a des-desordem…
– Estes são velhos – queixou-se Mormont, e o corvo serviu de eco com um grito penetrante de “Velhos, velhos”.
– As aldeias podem ir e vir, mas os montes e os rios estarão sempre nos mesmos lugares – Jon observou.
– É verdade. Já escolheu seus corvos, Tarly?
– O M-m-meistre Aemon p-pretende e-escolhê-los ao cair da noite, depois de a-a-alimentá-los.
– Quero os melhores que tiver. Aves inteligentes e fortes.
“Fortes”, disse a ave dele, alisando as penas. “Fortes, fortes.”
– Se acabarmos sendo todos massacrados lá fora, quero que meu sucessor saiba onde e como morremos.
A conversa sobre massacres deixou Samwell Tarly sem fala. Mormont inclinou-se para a frente.
– Tarly, quando eu era um rapaz com metade da sua idade, a senhora minha mãe disse-me que, se andasse por aí de boca aberta, era provável que uma doninha a confundisse com a sua toca e descesse pela minha garganta. Se tem alguma coisa a dizer, diga. Caso contrário, cuidado com as doninhas – o velho fez um brusco gesto de dispensa. – Fora daqui, estou ocupado demais para tolices. Sem dúvida o meistre terá algum trabalho para você.
Sam engoliu em seco, deu um passo para trás e saiu correndo, tão depressa que quase tropeçou nas esteiras.
– Aquele rapaz é tão pateta quanto parece? – o Senhor Comandante perguntou depois de ele sair. “Pateta”, lamentou-se o corvo. Mormont não esperou a resposta de Jon. – O senhor pai dele tem uma posição elevada nos conselhos do Rei Renly, e eu estava pensando em enviá-lo… Não, é melhor não. É pouco provável que Renly escute um rapaz gordo e trêmulo. Mandarei Sor Arnell. É um tanto mais firme, e a mãe dele era uma das Fossoway da maçã verde.
– Se for do seu desejo me responder, o que quer do Rei Renly?
– O mesmo que quero de todos eles, moço. Homens, cavalos, espadas, armaduras, cereais, queijo, vinho, lã, cotas de malha… a Patrulha da Noite não é orgulhosa, aceitamos aquilo que nos é oferecido – os dedos tamborilaram nas pranchas mal cortadas da mesa. – Se os ventos tiverem ajudado, Sor Alliser deverá chegar a Porto Real na virada da lua, mas não sei se o jovem Joffrey prestará atenção nele. A Casa Lannister nunca foi amiga da Patrulha.