– Fico agradecido que pense assim… Mas não sou um lorde, como você. Um simples Tyrion basta para mim, Lorde Janos.
– Como quiser – o homem bebeu outro gole, derramando vinho no peito do seu gibão de cetim negro. Envergava uma meia capa de pano dourado presa com uma lança em miniatura, com a ponta esmaltada vermelho-escura. E estava muito, verdadeiramente bêbado.
Tyrion cobriu a boca e soltou um arroto delicado. Ao contrário de Lorde Janos, tinha maneirado no vinho, mas já estava cheio. A primeira coisa que fizera depois de estabelecer residência na Torre da Mão foi saber quem era a melhor cozinheira da cidade e contratá-la para o seu serviço. Naquela noite tinham jantado rabada, verduras de verão com nozes, uvas, funcho e queijo ralado, empadão quente de caranguejo, abóbora com especiarias e codornas cozidas em manteiga. Cada prato tinha vindo acompanhado com o vinho mais adequado. Lorde Janos admitiu que nunca comera tão bem.
– Sem dúvida tudo isso mudará quando fizer de Harrenhal sua residência.
– Com certeza. Talvez deva pedir a esta sua cozinheira para entrar para o meu serviço. O que me diz?
– Guerras foram travadas por menos – Tyrion respondeu, e os dois partilharam uma boa e longa gargalhada. – É um homem de coragem por aceitar Harrenhal como morada. Um lugar tão sombrio. E enorme… Custoso de manter. E há quem diga também que está amaldiçoado.
– Deveria temer uma pilha de pedras? – Lorde Janos riu da ideia. – Um homem de coragem diz que é preciso ter coragem para subir, como eu fiz. Para Harrenhal, sim! E por que não? Você sabe. Sinto que também é um homem de coragem. Pequeno, talvez, mas corajoso.
– É gentil demais de sua parte. Mais vinho?
– Não. Não, de verdade, eu… Ah, danem-se os deuses, sim. Por que não? Um homem de coragem bebe à sua conta!
– Certamente – Tyrion encheu a taça de Lorde Slynt até a borda. – Tenho passado os olhos pelos nomes que sugeriu para tomar o seu lugar como Comandante da Patrulha da Cidade.
– Bons homens. Belos homens. Qualquer um dos seis servirá, mas eu escolheria Allar Deem. O meu braço direito. Homem bom, bom. Leal. Escolha-o, e não vai se arrepender. Se agradar ao rei.
– Com certeza – Tyrion bebeu um pequeno gole do seu vinho. – Tenho pensado em Sor Jacelyn Bywater. É capitão do Portão da Lama há três anos, e serviu com valor durante a Rebelião de Balon Greyjoy. Rei Robert armou-o cavaleiro em Pyke. E, no entanto, seu nome não aparece na sua lista.
Lorde Janos Slynt sorveu um gole de vinho e bochechou-o por um momento antes de engolir.
– Bywater. Bem. É um homem bravo, com certeza, mas… Esse é rígido. Um cão esquisito. Os homens não gostam dele. E também é aleijado, perdeu a mão em Pyke, foi isso que fez dele cavaleiro. Uma troca ruim, a meu ver, uma mão por um sor – ele gargalhou. – Sor Jacelyn dá valor demais a si mesmo e à sua honra, penso eu. Seria melhor se deixasse esse aí onde está, lor… Tyrion. Allar Deem é o homem que quer.
– Ouvi dizer que Deem é pouco querido nas ruas.
– É temido. É preferível.
– O que foi que ouvi falar dele? Um problema qualquer num bordel?
– Isso? A culpa não foi dele, lor… Tyrion. Não. Ele nunca quis matar a mulher, foi obra dela. Ele a preveniu para se afastar e deixar que cumprisse o seu dever.
– Mesmo assim… mães e filhos... Ele devia ter previsto que ela tentaria salvar o bebê – Tyrion sorriu. – Coma um pouco deste queijo, é ótimo com o vinho. Diga-me, por que escolheu Deem para essa tarefa infeliz?
– Um bom comandante conhece os seus homens, Tyrion. Alguns são bons para um trabalho, outros para outro. Tratar de um bebê, e ainda de colo, isso requer um tipo especial. Não era qualquer um que serviria. Mesmo que fosse só uma puta e a sua cria.
– Imagino que assim seja – Tyrion falou, ouvindo só uma puta, e pensando em Shae, e em Tysha, de muito tempo atrás, e em todas as mulheres que tinham recebido seu dinheiro e seu sêmen ao longo dos anos.
Slynt prosseguiu, absorto.
– Deem é um homem duro para um trabalho duro. Faz o que lhe pedem e, depois, nem uma palavra – o homem cortou uma fatia de queijo. – Isto é bom. Picante. Dê-me uma boa faca afiada e um bom queijo forte, e serei um homem feliz.
Tyrion encolheu os ombros.
– Aproveite enquanto pode. Com as terras fluviais em chamas e Renly rei em Jardim de Cima, bom queijo será em breve difícil de achar. Mas, então, quem o mandou atrás do bastardo da vadia?
Lorde Janos lançou a Tyrion um olhar cauteloso, depois riu e brandiu um triângulo de queijo na sua direção.
– É um astuto. Pensava que conseguiria me pegar, não é? É preciso mais do que vinho e queijo para fazer com que Janos Slynt diga mais do que deve. Orgulho-me disso. Nunca uma pergunta, e depois nunca uma palavra. Comigo é assim.
– Tal como Deem.
– Exatamente igual. Faça dele seu Comandante quando eu for para Harrenhal, e não se arrependerá.
Tyrion cortou um pequeno pedaço de queijo. Era realmente picante, e com veios de vinho; de primeiríssima linha.
– Vejo que, seja quem for que o rei nomeie, não terá vida fácil para se encaixar na sua armadura. Lorde Mormont enfrenta o mesmo problema.
Lorde Janos pareceu confuso.
– Pensava eu que era uma senhora. Mormont. A que vai para a cama com ursos, é essa?
– Era do irmão dela que eu falava. Jeor Mormont, o Senhor Comandante da Patrulha da Noite. Quando o visitei na Muralha, confidenciou-me como o preocupava encontrar um bom homem para tomar o seu lugar. A Patrulha recebe tão poucos homens bons hoje em dia – Tyrion deu um sorriso. – Imagino que ele dormiria melhor se tivesse um homem como você. Ou o valente Allar Deem.
Lorde Janos rugiu.
– Há pouca chance de isso acontecer!
– É o que parece – Tyrion devolveu. – Mas a vida realmente dá reviravoltas estranhas. Pense em Eddard Stark, senhor. Não acredito que ele alguma vez tenha imaginado que sua vida terminaria nos degraus do Septo de Baelor.
– Muito pouca gente imaginava tal coisa – Lorde Janos concordou, com um risinho.
Tyrion também soltou um risinho.
– Pena que eu não estivesse lá para ver. Dizem que até Varys foi surpreendido.
Lorde Janos riu tanto que sua barriga tremeu.
– A Aranha – ele disse. – Sabe tudo, dizem. Bem, aquilo não sabia.
– E como poderia? – Tyrion colocou o primeiro indício de frieza na voz. – Tinha ajudado a persuadir minha irmã de que Stark devia ser perdoado, na condição de vestir o negro.
– Hã? – Janos Slynt piscou com uma expressão vaga.
– Minha irmã, Cersei – Tyrion repetiu, com uma voz um tantinho mais forte, caso o idiota tivesse alguma dúvida sobre a quem se referia. – A Rainha Regente.
– Sim – Slynt bebeu um trago. – Quanto a isso, bem… O rei ordenou, senhor. O rei em pessoa.
– O rei tem treze anos – lembrou-lhe Tyrion.
– Mesmo assim. Ele é o rei – a papada de Slynt tremeu quando franziu a testa. – O Senhor dos Sete Reinos.
– Bem, pelo menos de um ou dois deles – Tyrion o corrigiu com um sorriso amargo. – Posso ver a sua lança?
– Minha lança? – Lorde Janos pestanejou, confuso.
Tyrion apontou.
– O broche que prende a sua capa.
Hesitante, Lorde Janos tirou o ornamento e o entregou a Tyrion.
– Temos ourives em Lanisporto que fazem trabalho melhor – ele opinou. – O esmalte vermelho do sangue é um pouco exagerado, se me permite. Diga-me, senhor, foi você mesmo quem espetou a lança nas costas do homem, ou se limitou a dar a ordem?