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Tinha instalado Shae numa vasta mansão de pedra e madeira, com poço, estábulos e jardim próprios; dera-lhe criados para satisfazer as suas necessidades, um pássaro branco das Ilhas do Verão para lhe fazer companhia, sedas, prata e pedras preciosas para enfeitá-la e guardas para protegê-la. E, no entanto, parecia impaciente. Queria passar mais tempo com ele, tinha dito; queria servi-lo e ajudá-lo. “Ajuda-me mais aqui, entre os lençóis”, disse-lhe uma noite depois do amor, deitado a seu lado, com a cabeça apoiada no seu seio e uma doce dor nas virilhas. Ela não tinha respondido, exceto com os olhos. Foi aí que viu que aquilo não era o que ela queria ter ouvido.

Suspirando, Tyrion fez um movimento para o vinho, mas então lembrou-se de Lorde Janos e afastou o frasco.

– Parece que minha irmã falou a verdade a respeito da morte do Stark. Devemos agradecer ao meu sobrinho por essa loucura.

– Rei Joffrey deu a ordem. Janos Slynt e Sor Ilyn Payne cumpriram-na, rapidamente, sem hesitar…

– … Quase como se já a esperassem. Sim, já percorremos este caminho, e sem chegar a lugar nenhum. Uma tolice.

– Com a Patrulha da Cidade nas mãos, senhor, está bem colocado para se assegurar de que Sua Graça não cometerá mais… tolices? É verdade que ainda é preciso considerar a guarda doméstica da rainha…

– Os homens de manto vermelho? – Tyrion encolheu os ombros. – A lealdade de Vylarr é para com Rochedo Casterly. Ele sabe que estou aqui com a autoridade do meu pai. Cersei teria dificuldade em usar seus homens contra mim… E, além disso, não passam de uma centena. Tenho uma vez e meia esse número de homens meus. E seis mil mantos dourados, se Bywater for o homem que você afirma ser.

– Achará Sor Jacelyn corajoso, honroso, obediente… E muito grato.

– Gostaria de saber a quem – Tyrion não confiava em Varys, embora não fosse possível negar seu valor. Sabia coisas, sem a menor dúvida. – Por que você é tão prestativo, senhor Varys? – perguntou, estudando as mãos suaves do homem, a cara nua e empoada, o sorrisinho servil.

– És a Mão. Eu sirvo ao reino, ao rei e ao senhor.

– Tal como serviu a Jon Arryn e Eddard Stark?

– Servi a Lorde Arryn e a Lorde Stark o melhor que pude. Fiquei triste e horrorizado pelas suas mortes tão precoces.

– Imagine como eu me sinto. É provável que seja o próximo.

– Ah, penso que não – Varys respondeu, agitando o vinho na sua taça. – O poder é uma coisa curiosa, senhor. Terá, por acaso, pensado no enigma que lhe deixei naquele dia na estalagem?

– Passou pela minha cabeça uma ou duas vezes – Tyrion admitiu. – O rei, o sacerdote, o rico… Quem sobrevive e quem morre? A quem obedecerá o mercenário? É um enigma sem resposta, ou melhor, com muitas respostas. Tudo depende do homem que tem a espada.

– E, no entanto, ele não é ninguém – Varys concluiu. – Não tem uma coroa, nem ouro, nem o favor dos deuses, mas apenas um pedaço de aço afiado.

– Esse pedaço de aço é o poder da vida e da morte.

– Precisamente… E, no entanto, se são realmente os homens de armas que nos governam, por que fingimos que nossos reis têm o poder? Por que um homem forte com uma espada obedeceria a um rei criança como Joffrey, ou a um idiota encharcado em vinho como o pai?

– Porque esses reis crianças e idiotas bêbados podem chamar outros homens fortes, com outras espadas.

– Então são esses outros homens de armas que têm o verdadeiro poder. Ou será que não? De onde vieram as suas espadas? Por que é que eles obedecem? – Varys sorriu. – Há quem diga que o conhecimento é poder. Outros, que todo o poder provém dos deuses. Outros, ainda, afirmam que deriva da lei. Mas, naquele dia, nos degraus do Septo de Baelor, nosso devoto Alto Septão, a legítima Rainha Regente e este seu sempre tão sabedor criado viram-se tão impotentes como qualquer sapateiro ou tanoeiro da multidão. Quem você acha que realmente matou Eddard Stark? Joffrey, que foi quem deu a ordem? Sor Ilyn Payne, que foi quem brandiu a espada? Ou… outra pessoa?

Tyrion inclinou a cabeça para o lado.

– Pretende responder ao seu maldito enigma, ou quer apenas fazer com que a minha dor de cabeça piore?

Varys sorriu.

– Eis, então. O poder reside onde os homens acreditam que reside. Nem mais, nem menos.

– Então o poder é um truque de mímica?

– Uma sombra na parede – Varys murmurou. – Mas as sombras podem matar. E, muitas vezes, um homem muito pequeno pode lançar uma sombra muito grande.

Tyrion sorriu.

– Lorde Varys, estou ficando estranhamente seu amigo. Ainda posso acabar matando-o, mas creio que isso me entristeceria.

– Tomarei isso como um grande elogio.

– O que é você, Varys? – Tyrion descobriu que queria mesmo saber. – Uma aranha, segundo dizem?

– Os espiões e informantes raramente são amados, senhor. Não sou mais do que um servidor leal do reino.

– E um eunuco. Não nos esqueçamos disso.

– Raramente me esqueço.

– Também já me chamaram meio homem, mas acho que os deuses foram mais gentis comigo. Sou pequeno, tenho as pernas tortas e as mulheres não me olham com grande desejo… Mas ainda sou um homem. Shae não é a primeira a embelezar minha cama, e um dia poderei vir a ter uma esposa e gerar um filho. Se os deuses forem bons, será parecido com o tio e pensará como o pai. Você não tem uma esperança semelhante para se apoiar. Os anões são uma brincadeira dos deuses… Mas são os homens que fazem eunucos. Quem o cortou, Varys? Quando e por quê? Quem é você, na verdade?

O sorriso do eunuco nunca vacilou, mas seus olhos cintilaram com algo que não era riso.

– É gentil por perguntar, senhor, mas a história é longa e triste, e há traições que precisamos discutir – ele tirou um pergaminho da manga da sua túnica. – O mestre da Galé Real Veado Branco conspira para levantar âncora daqui a três dias, a fim de oferecer a espada e o navio a Lorde Stannis.

Tyrion suspirou.

– Suponho que temos de dar ao homem algum tipo de lição sangrenta.

– Sor Jacelyn poderia fazê-lo desaparecer, mas um julgamento perante o rei ajudaria a assegurar uma continuada lealdade por parte dos outros capitães.

E também manteria ocupado meu real sobrinho.

– Será como diz. Encomende para ele uma dose da justiça de Joffrey.

Varys rabiscou um tique no pergaminho.

– Sor Horas e Sor Hobber Redwyne subornaram um guarda para deixá-los sair por uma porta dos fundos daqui a duas noites. Foram feitos preparativos para que embarcassem na galé Corredor da Lua, de Pentos, disfarçados de remadores.

– Poderíamos mantê-los nesses remos durante alguns anos para ver se gostam? – Tyrion sorriu. – Não. Minha irmã ficaria perturbada por perder hóspedes tão preciosos. Informe Sor Jacelyn. Capture o homem que subornaram e explique a honra que é servir como um irmão da Patrulha da Noite. Coloque homens em torno do Corredor da Lua, para o caso de os Redwyne encontrarem um segundo guarda com falta de moedas.

– Será como deseja – outro tique no pergaminho. – Seu homem, Timett, matou o filho de um vendedor de vinho esta noite, num antro de jogo na Rua da Prata. Acusou-o de trapacear nas pedras.

– É verdade?

– Ah, sem a menor dúvida.

– Então os homens honestos da cidade têm uma dívida de gratidão para com Timett. Vou me assegurar de que receba os agradecimentos do rei.

O eunuco soltou uma pequena gargalhada nervosa e fez outro tique.

– Também temos uma súbita praga de homens santos. Aparentemente, o cometa gerou toda espécie de sacerdotes estranhos, pregadores e profetas. Mendigam nas tavernas e refeitórios e predizem o fim do mundo e a destruição a todos os que param para ouvir.

Tyrion encolheu os ombros:

– Estamos perto do tricentenário do Desembarque de Aegon, imagino que era de esperar. Deixe-os pregar.

– Estão espalhando o medo, senhor.

– Pensei que este fosse o seu trabalho.

Varys cobriu a boca com a mão.

– É muito cruel por dizer isso. Um último assunto. A Senhora Tanda organizou um pequeno jantar ontem à noite. Tenho o menu e a lista de convidados para sua inspeção. Quando o vinho foi servido, Lorde Gyles levantou-se para fazer um brinde ao rei, e Sor Balon Swann foi ouvido comentando: “Iremos precisar de três taças para isso”. Muitos riram…

Tyrion levantou uma mão:

– Basta. Sor Balon disse uma frase de efeito. Não estou interessado em conversas de mesa traiçoeiras, Lorde Varys.

– É tão sensato como gentil, senhor – o pergaminho desapareceu na manga do eunuco. – Ambos temos muito o que fazer. Vou deixá-lo a sós.

Depois de o eunuco sair, Tyrion ficou durante muito tempo sentado, observando a vela e se perguntando como sua irmã receberia a notícia da dispensa de Janos Slynt. Se bem a conhecia, não ficaria feliz, mas nem perto de enviar um protesto irado a Lorde Tywin em Harrenhal. Não via o que Cersei podia esperar fazer a respeito. Tyrion controlava agora a Patrulha da Cidade, mais uma centena e meia de ferozes homens dos clãs e uma crescente força de mercenários recrutados por Bronn. Aparentemente, estava bem protegido.

Sem dúvida Eddard Stark achava o mesmo.

A Fortaleza Vermelha estava escura e silenciosa quando Tyrion saiu do Pequeno Salão. Bronn esperava-o no aposento privado.

– Slynt? – perguntou.

– Lorde Janos zarpará para a Muralha na maré da manhã. Varys quis me fazer acreditar que substituí um dos homens de Joffrey por um meu. O mais provável é que tenha substituído um homem do Mindinho por um pertencente a Varys. Mas, que seja.

– É bom que saiba que Timett matou um homem…

– Varys me disse – o mercenário não mostrou surpresa. – O palerma achou que um homem com um olho só seria mais fácil de enganar. Timett cravou seu pulso na mesa com um punhal e rasgou sua garganta com as mãos nuas. Ele faz um truque em que enrijece os dedos…

– Poupe-me dos detalhes macabros, meu jantar mal parou quieto dentro da barriga – Tyrion protestou. – Como vai seu recrutamento?

– Bastante bem. Esta noite arranjei três novos homens.

– Como sabe quem recrutar?

– Examino-os. Interrogo-os para saber onde lutaram e como são mentindo – Bronn sorriu. – E então dou-lhes uma chance de me matar, enquanto faço o mesmo com eles.

– Matou algum?

– Ninguém que pudéssemos ter usado.

– E se um deles matá-lo?

– Será esse que vai querer contratar.

Tyrion estava um pouco bêbado, e muito cansado.

– Diga-me, Bronn, se lhe dissesse para matar um bebê… digamos, uma menina, ainda no peito da mãe… Mataria? Sem questionar?

– Sem questionar? Não – o mercenário esfregou o polegar no indicador. – Perguntava o preço.

E para que eu precisaria do seu Allar Deem, Lorde Slynt?, pensou Tyrion. Tenho cem meus. Desejou rir; desejou chorar; mas, acima de tudo, desejou Shae.