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Arya era hábil em subir em árvores e apanhava frutas com rapidez, e gostava de andar sozinha. Um dia, encontrou um coelho, por puro acaso. Era marrom e gordo, com longas orelhas e um nariz nervoso. Os coelhos corriam mais depressa do que os gatos, mas não eram nem de perto tão bons em subir nas árvores. Bateu nele com o pau e o agarrou pelas orelhas; e Yoren o cozinhou com cogumelos e cebolas silvestres. Arya recebeu uma perna inteira, já que o coelho era seu. Dividiu-a com Gendry. Os outros receberam uma colherada cada, até os três que seguiam algemados. Jaqen H’ghar agradeceu-lhe educadamente pelo acepipe, e o Dentadas lambeu a gordura dos dedos sujos com um ar feliz, mas Rorge, o que não tinha nariz, limitou-se a rir e a dizer:

– Ai está, um caçador agora. Cabeça de Caroço Cara de Caroço Mata Coelhos.

Perto de um castro chamado Sarçabranca, um grupo de camponeses os cercou num campo de milho, exigindo dinheiro pelas espigas que tinham cortado. Yoren deu uma espiada nas suas foices e atirou-lhes algumas moedas de cobre.

– Em outros tempos, um homem vestido de negro era banqueteado de Dorne a Winterfell, e até os grandes senhores achavam uma honra abrigá-lo sob seu teto – ele disse amargamente. – Agora, covardes como vocês querem dinheiro vivo por uma dentada numa maçã bichada – cuspiu.

– Isto é milho doce, mais do que um pássaro preto fedorento como você merece – um deles respondeu rudemente. – Some das nossas terras e leve junto esses gatunos e assassinos, senão a gente te espeta no milharal pra espantar os outros corvos.

Naquela noite, assaram o milho doce na casca, virando as espigas com longos paus bifurcados, e comeram-no quente, direto do sabugo. Arya achou delicioso, mas Yoren estava zangado demais para comer. Uma nuvem parecia pairar sobre ele, esfarrapada e negra como o seu manto. Andou pelo acampamento, inquieto, murmurando consigo mesmo.

No dia seguinte, Koss voltou correndo para avisar Yoren de um acampamento mais à frente.

– Vinte ou trinta homens, com cota de malha e capacetes – ele disse. – Alguns estão muito feridos, e um deles, moribundo. Com todo o barulho que ele estava fazendo, consegui chegar bem perto. Têm lanças e escudos, mas só um cavalo, e está coxo. Acho que estão ali há algum tempo, pelo fedor que vem do lugar.

– Viu um estandarte?

– Gato-das-árvores malhado, preto e amarelo, em fundo marrom lamacento.

Yoren dobrou uma folhamarga, enfiou-a na boca e começou a mascar.

– Não conheço – admitiu. – Podem ser de um lado ou do outro. Se estão assim tão feridos, o mais certo é que roubem nossas montarias, sejam quem forem. Pode ser que roubem mais do que isso. Acho que vamos rodeá-los de longe – isso lhes custaria milhas fora do caminho, e pelo menos dois dias, mas o velho disse que o preço era baixo. – Vocês vão ter tempo suficiente na Muralha. O resto das suas vidas, provavelmente. Parece-me que não há pressa em chegar lá.

Arya viu cada vez mais homens guardando os campos quando voltaram a seguir para o norte. Muitas vezes ficavam em silêncio junto à estrada, lançando olhares frios a quem passava. Em outros locais, faziam patrulhas a cavalo, percorrendo as cercas com machados presos nas selas. Em um lugar, viu um homem empoleirado numa árvore morta, com um arco na mão e uma aljava pendurada no galho a seu lado. No momento em que os viu, encaixou uma flecha no arco e não afastou os olhos até que a última carroça estivesse fora de vista. Durante todo o tempo, Yoren praguejou.

– Aquele na árvore, vamos ver se ele gosta daquilo ali em cima quando os Outros vierem levá-lo. Vai gritar pela Patrulha, ah, se vai.

Um dia depois, Dobber vislumbrou um clarão vermelho no céu do fim da tarde.

– Ou esta estrada mudou de direção, ou aquele sol está se pondo no Norte.

Yoren subiu em um morro para ver melhor.

– Fogo – anunciou. Lambeu um polegar e o levantou. – O vento deve soprá-lo pra longe da gente. Mesmo assim, é melhor vigiar.

E vigiaram. À medida que o mundo escurecia, o incêndio foi se tornando cada vez mais brilhante, até parecer que tudo ao norte estava em chamas. De tempos em tempos, conseguiam até sentir o cheiro da fumaça, embora o vento se mantivesse firme e as chamas nunca chegassem a se aproximar. Pela alvorada, o incêndio apagou-se, mas nenhum deles dormiu muito bem naquela noite.

Era meio-dia quando chegaram ao local onde antes existia a aldeia. Os campos eram uma desolação carbonizada ao longo de milhas em todas as direções, e as casas, conchas enegrecidas. As carcaças de animais queimados e abatidos coloriam o chão, sob mantas vivas de gralhas pretas necrófagas que levantavam voo, crocitando furiosamente, quando eram perturbadas. Ainda saía fumaça de dentro do castro. Sua paliçada de madeira parecia forte de longe, mas provara não ser o suficiente.

Avançando a cavalo em frente das carroças, Arya viu cadáveres queimados empalados em estacas afiadas no topo das muralhas, com as mãos na frente do rosto, como que tentando afastar as chamas que os consumiram. Yoren mandou que parassem quando ainda estavam a alguma distância e disse a Arya e aos outros rapazes para vigiar as carroças enquanto ele, Murch e Cutjack avançavam a pé. Um bando de corvos levantou voo de dentro das muralhas quando escalaram o portão quebrado, e os corvos engaiolados nas carroças chamaram-nos com quorcs e guinchos roucos.

– Não devíamos ir atrás deles? – Arya perguntou a Gendry depois de Yoren e os outros terem desaparecido há muito tempo.

– Yoren disse para esperar.

A voz de Gendry soou oca. Quando Arya se virou para ele, viu que tinha colocado o elmo, todo de aço brilhante e com grandes cornos curvos.

Quando finalmente retornaram, Yoren trazia uma menininha nos braços e Murch e Cutjack carregavam uma mulher numa espécie de maca improvisada com uma velha colcha rasgada. A menina não devia ter mais do que dois anos, e não parava de chorar, um som lamuriento, como se tivesse alguma coisa presa na garganta. Ou talvez ainda não soubesse falar, ou se esquecido do que aprendera. O braço direito da mulher terminava em um coto sangrento no cotovelo e seus olhos pareciam não ver nada, mesmo quando olhava diretamente para as coisas. Falava, mas dizia apenas duas palavras. “Por favor”, e chorava, sem parar. “Por favor. Por favor.” Rorge achou aquilo divertido. Riu através do buraco que tinha na cara no lugar do nariz, e Dentadas começou a rir também, até que Murch os amaldiçoou e lhes disse para calar a boca.

Yoren fez com que arranjassem um lugar para a mulher numa carroça.

– E depressa – ele disse. – Quando cair a noite, certamente haverá lobos por aqui e coisas piores.

– Estou assustado – Torta Quente murmurou quando viu a mulher com um só braço debater-se na carroça.

– Eu também – Arya confessou.

Ele apertou seu ombro.

– Nunca matei um menino aos chutes de verdade, Arry. Só vendia as tortas da minha mamãe, mais nada.

Arya cavalgou à frente das carroças, o mais longe que ousava, para não ter de ouvir o choro da garotinha ou escutar a mulher sussurrando “Por favor”. Lembrou-se de uma história que a Velha Ama tinha contado um dia, sobre um homem aprisionado num castelo escuro por gigantes malvados. Era muito corajoso e inteligente, enganou os gigantes e escapou… Mas, assim que saiu do castelo, os Outros o capturaram e beberam seu sangue quente e vermelho. Agora sabia como ele devia ter se sentido.

A mulher sem um braço morreu ao cair da noite. Gendry e Cutjack cavaram a sua sepultura na encosta de uma colina, à sombra de um chorão. Quando o vento soprava, Arya pensava ouvir os longos ramos pendentes sussurrando: “Por favor. Por favor. Por favor”. Os cabelinhos da sua nuca eriçavam-se, e quase fugiu do local.

– Nada de fogueira esta noite – disse-lhes Yoren. O jantar foi um punhado de rabanetes silvestres que Koss encontrou, uma taça de feijões secos e água de um riacho que corria ali perto. A água tinha um gosto esquisito, e Lommy disse que era o sabor de cadáveres apodrecendo em algum lugar próximo à nascente. Torta Quente teria batido nele se o velho Reysen não os tivesse apartado.