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– Terá o seu ouro quando capturarmos o tesouro em Porto Real. Não há nos Sete Reinos homem mais honrado do que Stannis Baratheon. Ele manterá sua promessa.

Mesmo enquanto falava, Davos pensava: Este mundo está para lá de toda a esperança quando contrabandistas de baixo nascimento têm de garantir a honra de reis.

– Foi o que ele disse e voltou a dizer. E o que eu digo é: Vamos em frente. Nem estas uvas podem estar mais maduras do que aquela cidade, velho amigo.

A criada voltou com a cerveja, e Davos lhe deu uma moeda de cobre.

– Talvez conseguíssemos capturar Porto Real, como diz – Davos continuou, enquanto erguia a caneca –, mas por quanto tempo conservaríamos a cidade? Sabe-se que Tywin Lannister está em Harrenhal com uma grande tropa, e Lorde Renly…

– Ah, sim, o jovem irmão – Salladhor Saan o interrompeu. – Essa parte não é tão boa, meu amigo. Rei Renly se apressa. Não, aqui ele é Lorde Renly, as minhas desculpas. Com tantos reis, minha língua se cansa da palavra. O irmão Renly deixou Jardim de Cima com a sua bela e jovem rainha, os seus senhores floridos e reluzentes cavaleiros, e uma poderosa tropa de infantaria. Marcha pela sua estrada das rosas em direção à mesmíssima cidade de que falamos.

– Ele leva a noiva?

O outro encolheu os ombros.

– Não me disse por quê. Talvez esteja relutante em se separar, nem que seja por uma noite, da quente toca que ela tem entre as pernas. Ou talvez tenha uma absoluta certeza de vitória.

– O rei deve ser informado.

– Já tratei disso, meu bom sor. Embora Sua Graça franza tanto o cenho sempre que me vê, tremo de ir à sua presença. Acha que ele gostaria mais de mim se eu usasse uma camisa de crina e nunca sorrisse? Bem, não o farei. Sou um homem honesto, tem de me aguentar vestido de seda e samito. Caso contrário, levarei meus navios para onde me apreciem mais. Aquela espada não era a Luminífera, meu amigo.

A súbita mudança de assunto deixou Davos pouco à vontade.

– Espada?

– Uma espada arrancada do fogo, sim. Os homens contam-me coisas, é o meu sorriso agradável. Como irá uma espada queimada servir Stannis?

– Uma espada ardente – Davos corrigiu.

– Queimada – Salladhor Saan o corrigiu –, e fique feliz por isso, meu amigo. Conhece a lenda sobre a forja de Luminífera? Vou contá-la. Era num tempo em que a escuridão caíra, pesada, sobre o mundo. Para enfrentá-la, o herói tinha de ter uma lâmina de herói, ah, como nenhuma que já tivesse existido. E assim, durante trinta dias e trinta noites, Azor Ahai trabalhou sem dormir no templo, forjando uma lâmina nas fogueiras sagradas. Aquecer, martelar e dobrar, aquecer, martelar e dobrar, ah, sim, até a espada ficar pronta. Mas, quando a mergulhou na água para temperar o aço, ela se partiu em pedaços. Como era um herói, não era do seu feitio desistir e ir atrás de excelentes uvas como estas, e, portanto, recomeçou. Da segunda vez levou cinquenta dias e cinquenta noites, e essa espada parecia ainda melhor do que a primeira. Azor Ahai capturou um leão, para temperar a lâmina mergulhando-a no coração vermelho da fera. Mas mais uma vez o aço se estilhaçou e se dividiu. Grande foi sua aflição e grande foi seu desgosto, pois sabia o que tinha de fazer. Trabalhou na terceira lâmina durante cem dias e cem noites e, enquanto ela brilhava, incandescente, nas fogueiras sagradas, chamou a mulher. “Nissa Nissa”, disse-lhe, pois era esse o seu nome, “Desnude o peito, e fique sabendo que a amo mais do que a qualquer outra coisa no mundo”. Ela obedeceu, não faço ideia do porquê, e Azor Ahai enfiou a espada fumegante no seu coração vivo. Diz-se que o grito de angústia e êxtase que ela soltou abriu uma fenda no rosto da lua, mas seu sangue, sua alma, sua força e sua coragem penetraram no aço. Esta é a lenda sobre a forja da Luminífera, a Espada Vermelha dos Heróis. Compreende agora o que quero dizer? Fique feliz por ter sido apenas uma espada queimada que Sua Graça tirou do fogo. Luz demais pode machucar os olhos, meu amigo, e o fogo queima – Salladhor Saan comeu a última uva e estalou os lábios. – Quando pensa que o rei nos dará a ordem para zarpar, meu bom sor?

– Em breve, penso – disse Davos –, se o deus dele quiser.

– O deus dele, sor amigo? Não o seu? Onde está o deus de Sor Davos Seaworth, cavaleiro do navio de cebola?

Davos bebeu um gole de cerveja para se dar um momento. A estalagem está lotada, e você não é Salladhor Saan, lembrou a si mesmo. Tenha cuidado com o que responde.

– O meu deus é o Rei Stannis. Foi ele que me fez e me abençoou com a sua confiança.

– Lembrarei disso – Salladhor Saan pôs-se em pé. – As minhas desculpas. Estas uvas deram-me fome, e o jantar aguarda na minha Valiriana. Picadinho de carneiro com pimenta, e gaivota assada recheada com cogumelos, funcho e cebola. Em breve comeremos juntos em Porto Real, sim? Vamos nos banquetear na Fortaleza Vermelha, enquanto o anão nos canta uma cantiga alegre. Quando falar com o Rei Stannis, mencione, por favor, que me deverá mais trinta mil dragões quando a lua ficar negra. Ele devia ter me dado aqueles deuses. Eram belos demais para queimar e podiam ter obtido um bom preço em Pentos ou Myr. Bem, se me der a Rainha Cersei por uma noite, vou perdoá-lo.

O liseno deu uma palmada nas costas de Davos e saiu da estalagem como se fosse seu dono. Sor Davos Seaworth ficou debruçado bastante tempo sobre sua caneca, pensando. Um ano antes, estivera com Stannis em Porto Real, quando o Rei Robert organizou um torneio no dia do nome do Príncipe Joffrey. Lembrava-se do sacerdote vermelho Thoros de Myr e da espada flamejante que ele brandiu no corpo a corpo. O homem rendeu um espetáculo colorido, com as vestes vermelhas esvoaçando, enquanto a espada estremecia com chamas verde-claras. Mas todos sabiam que não havia ali verdadeira magia, e no fim o fogo esgotou-se, e Bronze Yohn Royce abriu sua cabeça com uma maça vulgar.

Agora, uma verdadeira espada de fogo, isso seria uma maravilha digna de se ver. Mas a um custo tão alto… Quando pensava em Nissa Nissa, era sua Marya que imaginava, uma mulher rechonchuda e de boa índole, com seios caídos e um sorriso amável, a melhor mulher do mundo. Tentou se imaginar enfiando uma espada nela, e estremeceu. Não sou feito do material de que se fazem os heróis, decidiu. Se esse era o preço de uma espada mágica, era mais do que ele queria pagar.

Davos terminou sua cerveja, empurrou a caneca para longe e abandonou a estalagem. Ao sair, deu uma palmadinha na cabeça da gárgula e murmurou:

– Sorte.

Todos iriam precisar dela.

Já era noite bem avançada quando Devan chegou a Bertha Negra, conduzindo um palafrém branco como a neve.

– Senhor meu pai – anunciou –, Sua Graça ordena que compareça perante ele na Sala da Mesa Pintada. Deve montar o cavalo e ir de imediato.

Era bom ver Devan com um aspecto tão magnífico nas suas vestes de escudeiro, mas a convocatória deixou Davos apreensivo. Ordenará que zarpemos?, Davos perguntou-se. Salladhor Saan não era o único capitão que sentia que Porto Real estava maduro para um ataque, mas um contrabandista tem de aprender a ter paciência. Não temos nenhuma esperança de vitória. Disse isso ao Meistre Cressen no dia em que voltei a Pedra do Dragão, e nada mudou. Somos poucos demais, e os inimigos são muitos. Se mergulharmos os remos, morreremos. Mesmo assim, subiu no cavalo.

Quando Davos chegou ao Tambor de Pedra, uma dúzia de cavaleiros nobres e grandes vassalos acabavam de sair. Os Lordes Celtigar e Velaryon deram-lhe, cada um, apenas um aceno seco enquanto os outros o ignoraram por completo, mas Sor Axell Florent parou para trocar algumas palavras.