“Sim, as fotografias mexem-se, tornam- se vivas”, assegurou o garçon, divertido com a admiração dos provençales. “O primeiro Kinetoscope Parlor abriu há seis anos no Boulevard Poissonnière e paguei vinte e cinco cêntimos para ver”
“E isso chama-se kinetoscope? “
“Há muitos nomes e muitos sistemas diferentes”, indicou o empregado, visivelmente um entusiástico connaisseur. “Há o kinetoscope, que foi o primeiro, mas há também o 34
stroboscopique, o praxinoscope, o pantoptikon, o eidoloscope, o photozootrope, o cinématographe, o phototachygraphe, o théatrographe, o animatographe, o chronophotographe, enfim, uma série de coisas novas que nos mostram as fotografias a mexer”
“Isso vê-se no Boulevard Poissonnière? “
“Sim, mas há outros sítios e coisas muito melhores do que o Kinetoscope Parlor. “
“ Melhores? “
“Claro. Por exemplo, o cinématographe é fantástico” “O cinématographe? Onde é isso? “
“Oh, em muitos locais. Podem ir ao Café Eldorado, situado no Boulevard de Strasbourg, ao Olympia ou às Galleries Dufayel, no Boulevard Barbès, ou aos vários cinématographes Lumière que há por toda a cidade. Mas, já que aqui estão, sempre têm a opção de verem os diversos espectáculos que estão previstos na Exposição. “ Depois do jantar, já noite cerrada, foram assistir à exibição de electricidade no Palais de l'Électricité, uma majestosa galeria dedicada à glória da luz e a dominar o Champ-deMars em contraponto à Torre Eiffel. Os Chevallier aproximaram-se, encantados, hipnotizados com o surpreendente espectáculo feérico à sua frente, presos no olhar, juntamente com milhares de outras pessoas, ao monumento de luz, o palácio literalmente acendera-se, o edifício brilhava de cor, viam-se cordões de lâmpadas ligadas, explosões de arcos de luz, a estátua do Génio da Electricidade, brandindo a sua torcha no topo, a resplandecer em auréola raios fulgurantes por toda a fachada, vidros coloridos por entre o ferro, luzes fantásticas a mudarem de cor, a brilharem, a insinuarem movimento, bandeiras francesas orgulhosamente içadas por toda a alameda e presas como bouquets de flores nos mastros e balaustradas. Diante do palácio, o Château d'Eau também se a cendera, a cascata tombava de trinta metros, a água iluminada por lâmpadas, parecendo flamejante, desenhando no ar esculturas de fogo líquido, lava ardente a mergulhar com furor na massa escura do lago, a fonte luminosa a encantar a fascinada multidão.
Os Chevallier foram dormir nessa noite no Hotel Scribe, mas Paul teve o cuidado de comprar um guia da Exposição, não queria ser surpreendido com mais novidades nem correr o risco de as perder por ignorar que elas existiam. O guia explicava que havia diversas experiências cinematográficas em exibição no Champde-Mars, com um total de dezassete locais de projecção e doze pavilhões. Havia o Panorama, o Phonorama, o Photorama, o Théatroscope, o Phono-Cinéma-Théatre, o Cinématographe Algérien, o Cinéorama e o Cinématographe Lumière.
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Então o que querem ver? “, perguntou Paul, sentado num canapé junto à recepção do hotel, a família em torno de si.
“Queremos ver tudo”, exclamou Claudette, no que foi ruidosamente apoiada pelos irmãos.
“Isso não pode ser, não podemos ver tudo”, devolveu o pai, abanando a cabeça. “Só temos mais um dia e temos de escolher bem “
“Ooohhh! “
“Por que não perguntar ao concièrge?“, sugeriu Michelle.
Paul dirigiu-se ao balcão do hotel e inquiriu junto do rapaz sobre qual o melhor espectáculo de imagens animadas. O empregado nem hesitou.
“São diferentes uns dos outros”, disse. “Mas temos vários clientes que foram ver o Cinématographe Lumière e vieram de lá maravilhados.“
“O Cinématographe Lumière, é? Onde está isso? “ “Na Exposição, msieur. No Pavilhão Machines. “ Decidiram aceitar a sugestão e subiram aos quartos. Antes de se deitar, Agnès foi à janela do quarto e ficou a admirar a silhueta colorida da Torre Eiffel, a sua estrutura de ferro inteiramente coberta por um emaranhado de lâmpadas. A electricidade tinha chegado e cobria o Champ-de-Mars de luz, a torre brilhando em toda a altura e a emitir três poderosos focos do topo em direcção a vários pontos da cidade.
“Qualquer dia teremos electricidade dentro de casa, vais ver”, suspirou Claudette, sentada diante da janela ao lado da irmã.
Na manhã seguinte voltaram de metropolitain ao Trocadéro, pagaram os bilhetes de dois francos e entraram no recinto. Tinham decidido ir ao Palais de l'Optique, dizia-se que ali se conseguia ver la lune à un metre, que era uma coisa fantástica, única, que se viajava de telescópio. Agnès queria secretamente certificar-se de que se conseguiam observar fadas no céu, aquele era decididamente o pavilhão a não perder. Depois de atravessarem a Pont d'lena, viraram à direita, passaram pelo Cinéorama e estacaram frente ao Palais de L'Optique, um edifício orientado de norte a sul seguindo rigorosamente o meridiano, uma grande meia-cúpula no centro da fachada, os doze signos do zodíaco incrustados no topo, colunas persas a defenderem a entrada, as paredes exteriores decoradas com medidores de tempo, viam-se relógios solares, ampulhetas e clepsidras, duas outras meias-cúpulas nas pontas, mais pequenas, ornadas com baixos-relevos mostrando símbolos astronómicos. Os Chevallier galgaram a escadaria da entrada principal e acederam à grande galeria central do edifício banhada pela luz difusa dos vidros coloridos da meia-cúpula principal. Entraram na Galérie du Télescope e maravilharam-se com o longo tubo da luneta gigante, eram sessenta metros de telescópio suportados por sucessivas colunas assentes no chão.
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“É o maior do mundo”, sussurrou Paul para as crianças após ler o placard com a informação.
Subiram ao balcão e olharam-no respeitosamente. O longo telescópio estava disposto na horizontal e apontado para um sideróstato de Foucault, um grande espelho, com dois metros de diâmetro, ligeiramente inclinado para cima, de modo a reflectir os astros para a lente do telescópio.
Saíram alegres do Palais de L'Optique a falarem em Júlio Verne, Paul a relatar a iniciativa do Gun-Club descrita em De la terre à la lune e Autour de la lune, os livros já tinham uns bons trinta anos mas, mon Dieu! como eles permaneciam actuais. “Mas, papá, é mesmo possível ir à Lua? “, perguntou Agnès.
“Monsieur Verne diz que sim, e a verdade é que a artilharia se está a desenvolver de tal modo que um dia talvez haja um canhão capaz de lançar uma bala até à Lua. Por que não? “
“Com gente lá dentro? “
“Sim, mas será complicado. O principal problema é o de amortecer o tiro, fazer com que o impacto inicial não seja muito sentido dentro da bala. Isso talvez seja possível através de um sistema de molas. Depois, é preciso fazer bem a pontaria, não se pode apontar directamente para a Lua, serão necessários muitos cálculos matemáticos para fazer com que a bala e a Lua se encon trem no mesmo sítio ao mesmo tempo. “
“E o que é que eles comem dentro da bala “, intrometeu-se Michelle, curiosa por perceber qual a forma de impedir que a comida se estragasse durante a viagem.
“Oh, isso é simples. Seria necessário levar galinhas e perus que se matariam consoante as necessidades. “