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“Pedroso”, chamou Rosa. “Ajuda esses dois e leva-os ao posto médico.“

“Sim, meu sargento.“

Pedroso colocou a Lee-Enfield a tiracolo, agarrou no braço do que ficara ferido na perna, que se apoiou nele, e pegou na mão do outro, seguindo trincheira a cima até onde lhes pudesse ser prestada ajuda.

O pelotão encontrava-se agora reduzido a uns meros quatro homens estendidos na primeira linha a vigiarem a terra de ninguém. Ao longo da trincheira abrigavam-se outros pelotões da companhia, mas não estavam à vista. Dez minutos mais tarde, duas outras granadas caíram de seguida em plena linha da frente, a uns quinze metros de distância dos restos do pelotão do sargento Rosa, e os homens entreolharam-se.

“Meu sargento”, chamou Matias, encostado ao ouvido de Rosa. “É melhor irmos para uma trincha de comunicação, senão estamos quilhados. Esta linha não se aguenta. “ Rosa analisou a parte da linha da frente que se estendia ao alcance dos seus olhos e verificou que a trincheira ficara totalmente desmantelada, havia partes em que já não existia parapeito, apenas uma amálgama de terra e lama e tábuas quebradas e sacos rebentados. Os homens encontravam-se todos deita-dos no chão, as mãos a taparem os ouvidos, era a única maneira de se defen-derem das sucessivas explosões. Rosa ergueu-se, tocou nas costas de cada um para lhes chamar a atenção, fez sinal com a cabeça, agarrou no telefone e foi a correr, curvado, até Burlington Arcade, era a primeira trincheira de comuni-cação que lhe apareceu à frente; o que restava do pelotão seguiu- o. Uma vez na nova trincheira, que se encontrava mais composta e oferecia melhor protecção às detonações de flanco, os homens anicharam- se, as Lee-Enfield embaione-tadas, Matias sempre agarrado à sua Lewis, e aguardaram.

397

Afonso olhou mais uma vez para o relógio. Eram seis da manhã, havia quase duas horas que se encolhia no abrigo, esmagado pela violência daquele fogo cerrado. O capitão interrogou-se quanto à duração do bombardeamento. Convicto de que se encontravam perante uma grande ofensiva, admitiu a hipótese de a chuva de bombas se prolongar por mais de um dia e questionou-se se, naquelas condições, seria possível fazer a rendição do CEP pelas novas forças britânicas destinadas àquele sector. Era desejável que isso acontecesse antes do avanço da infantaria alemã, raciocinou, mas Afonso sabia que tal se tornara improvável, jamais os ingleses efectuariam uma rendição de forças sob semelhante bombardeamento.

“Eu acho que eles vão fazer um raide”, opinou o tenente Pinto com a voz trémula.

Todos os oficiais que se encontravam no abrigo de Picantin concordaram. Aquele só poderia ser o bombardeamento preliminar de mais um raide alemão. Afonso tinha outra opinião, mas inibiu-se de a manifestar, sabia que ela só iria corroer a determinação e o moral das tropas.

“André, liga aí para a linha da frente”, ordenou ao telefonista de serviço.

O sargento André agarrou-se ao telefone e chamou. “Está lá? Está lá? Primeira linha?

“ Fez uma pausa. “Um momento, o capitão Brandão quer falar.“ Afonso foi ao telefone.

“Está lá? Aqui capitão Brandão. Quem fala? “. Pausa. “Sargento Rosa, o que se passa na primeira linha? “. Pausa prolongada. “Sim, fizeram bem. “ Mais uma pausa. “Pois. “ Pausa. “Sargento, a ordem é a de resistir, entendeu? Se vir necessidade, recuem para a linha B. Mas resistam, ouviu? Resistam. “ Pausa. “Até logo, sargento. Até logo. “ Pousou o auscultador e olhou para os seus companheiros no abrigo.

“Então? “, quis saber Pinto.

“A linha da frente está toda destruída”, disse. “Caíram umas granadas em cima do pelotão do Rosa, matando três praças e ferindo duas, já retiradas para o posto médico. O

resto do pelotão colocou-se na Burlington. “ Olhou para o telefonista. “André, passa-me aí os outros postos da primeira linha. “

O sargento agarrou-se ao telefone, mas Joaquim chamou Afonso antes de a nova ligação ser estabelecida.

“Meu capitão, está aqui uma ordenança da companhia do centro”, anunciou, mostrando um soldado magrinho, com ar assustado.

“O que é, rapaz? “

398

“Meu capitão, o meu comandante manda comunicar que retirou parte da companhia para a direita e outra parte para a esquerda porque não se pode estar no ponto onde nos encontrávamos, a barragem é muito forte e já temos dois mortos e seis feridos.“

“Muito bem”, retorquiu Afonso. “Diz ao comandante que eu tomei nota e vou passar essa informação “ Voltou-se para o tenente Pinto. “Cenoura, chama-me aí o Augusto. Quero que ele vá ter com o major Montalvão para lhe transmitir estas informações e pedir instruções. “

“Meu capitão”, interrompeu André, agarrado ao telefone. “Tenho aqui o cabo Veloso na primeira linha “

Afonso olhou para todos os rostos voltados para si, ansiosos, multipli-cando-se em solicitações, e pensou que ia ter um dia bem difícil.

A Senechal Farm era abalada por sucessivas detonações e os seus ocu-pantes começaram agora a ficar seriamente preocupados. O alferes Veiga tinha saído havia quase três horas para consertar as linhas telefónicas, mas a verdade é que os telefones permaneciam mudos.

“São sete da manhã, já lá vão três horas de bombardeamento” impaci-entou-se Mascarenhas. “Isto não deve ser retaliação.“

“É um raide, meu major, só pode ser mais um raide”, alvitrou o capitão Ambrósio.

“E que raide! “

A porta de entrada abriu-se com brusquidão e entrou um soldado esbaforido, outros vinham atrás.

“Meu major, dá licença? “

“O que é?”

“Temos feridos, meu major”

“Entrem, entrem”, disse.

Pela porta passaram quatro homens levando aos ombros outros três com as roupas esfarrapadas, manchas de sangue nos braços, nas pernas, na cabeça. O capitão Ambrósio levou-os para os quartos e ajudou a colocar-lhes os pensos. O sargento Cacheira, um dos amanuenses que se encontravam na sala, encos-tara-se junto de uma janela a observar as explosões quando lançou o alarme.

“Acabaram de cair invólucros vazios”, anunciou. “Têm fumo lá dentro!“ Esticou a cabeça para ver melhor. “Atenção! É gás! É gás! “

Colocaram todos as máscaras, mesmo os feridos. Os militares sentiram a respiração pesada, o ar a rarear, os óculos a embaciarem-se, mas resistiram à vontade de arrancarem as máscaras e assim se deixaram ficar.

399

O Sol ergueu-se por detrás das linhas alemãs, mas ninguém o conseguia ver. A claridade do dia emergia palidamente do nevoeiro cerrado que se abatera sobre as trincheiras, uma neblina tão densa e opaca que apenas permitia uma visibilidade de trinta metros, cinquenta no máximo. Afonso cansou-se de usar os binóculos para tentar observar o que se passava, os seus olhos embatiam numa barreira nublada que as lentes não logravam penetrar. O bombardeamento diminuíra sensivelmente de intensidade sobre as primeiras linhas, com a artilharia alemã concentrada agora na retaguarda do sector português. Esta evolução, por um lado encarada com alívio, era, na verdade, muito preocupante porque significava que o inimigo, com alta probabilidade, fazia avançar a sua infantaria. O problema é que o denso nevoeiro impedia que se observasse o que se passava na terra de ninguém, dando assim uma enorme vantagem às forças atacantes.

“André, não me arranjas a primeira linha?“, perguntou Afonso. O sar-gento abanou a cabeça.

“Acho que os fios telefónicos foram cortados, meu capitão. Ninguém responde.“ Afonso suspirou. Precisava urgentemente de falar com a linha da frente para saber se tinham sido avistados soldados inimigos, mas sem comunicações era difícil determinar a situação da companhia. Os telefones não funcionavam e o nevoeiro não permitia ver os very lights lançados pelos diferentes pelotões e companhias a solicitarem socorro ou a informarem o abandono de linhas.