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Dançando numa direcção e noutra, o cabo continuava a manter o inimigo ocupado, enquanto Joaquim se conservava fixo no ninho da Vickers. Mas a ilusão de que o posto ainda permanecia guarnecido durou apenas cinco minu-tos, findos os quais se esgotou o derradeiro disco da metralhadora de Matias. A Lewis aquecera até ao rubro, o cano prestes a fundir-se, e o cabo largou no chão a arma que tanto o servira nos últimos meses, agarrou numa Lee-Enfield abandonada por um companheiro, estranhou já não ouvir disparar a espin-garda de Joaquim, foi ao ninho da Vickers e viu o seu camarada estendido no chão, varado pelo tiro certeiro de uma Mauser inimiga. Sentiu-lhe o pulso e verificou que Joaquim estava morto. Afagou-lhe o cabelo, numa breve carícia de despedida, e, sem perder mais tempo, largou a correr no encalço da coluna que fugia para Red House.

Os aviões alemães irromperam em voo baixo sobre Senechal Farm. Os Gotha, os Halberstadt, os Roland e todos os outros desceram sobre as posições portuguesas, regando-as com metralhadoras e bombas e enviando sinais lumi-nosos para regularem o 415

fogo da artilharia. Mascarenhas começou a convencer-se de que não conseguiria manter Senechal Farm por muito mais tempo. Nenhuma das ordenanças enviadas para remuniciarem as companhias da frente tinha regressado. Além disso, o facto de aparecerem cada vez mais soldados alemães pela frente deixava supor o pior. A confirmação de que Senechal Farm era agora, literalmente, a linha da frente foi dada quando surgiu no local um punhado de sobreviventes da primeira companhia e alguns homens das restantes.

“Meu major”, disse um cabo acabado de chegar, o olhar alucinado. “Eles varreram-nos quando os atacámos com uma carga de baioneta. Há ainda algum pessoal do 13 a resistir nas trinchas, mas estão cercados e não vão durar muito.“ Mascarenhas olhou em redor.

“Maciel!“, chamou. “Distribui cartuchos por estes homens” O fogo inimi-go tornou-se mais nutrido quando era meio-dia e meia, os alemães dispunham visivelmente de mais soldados no sector. Os aviões pareciam moscardos a polvilharem o céu. Mascarenhas observou-os um a um e apenas identificou enormes cruzes negras desenhadas nas asas e na carlinga.

“Mas onde é que estão os camones?“, interrogou-se em voz alta, abrindo os braços com frustração. “Só se vêem aeroplanos boches! “

Infantaria 13 e uma companhia de Infantaria 15 resistiam ali com apenas duas Lewis e as Lee-Enfield de cada praça. Os portugueses batiam os alemães de flanco, procurando retardar a sua progressão. A uma da tarde, a resistência dos defensores estava circunscrita, na esquerda, ao blockhaus, onde se refu-giava o batalhão de ciclistas ingleses, e ao cemitério, onde permaneciam outros ingleses. No meio permaneciam os portugueses, ocupando Senechal Farm, e, à direita, junto a King George's Street, outra força portuguesa.

A certa altura, o alferes Sevivas, que empunhava uma das Lewis em Senechal, desapareceu, e a resistência ficou ali circunscrita a uma única metralhadora ligeira. O alferes Maciel, visivelmente consternado, aproximou-se do seu segundo comandante.

“Meu major, vamos ser envolvidos”, disse.

“Eu sei, já reparei.“ Mascarenhas olhou para o compacto abrigo de cimen-to que se encontrava junto à igreja de Lacouture. “Temos de retirar para o blockhaus.“ Observou a disposição das suas forças. “Quem é aquele?“, pergun-tou, apontando para o soldado que tinha a única Lewis operacional nas mãos.

“É o sargento Carvalho, meu major. “

“Ele que nos cubra. “

A ordem de evacuação foi dada de imediato. Dezenas e dezenas de solda-dos portugueses convergiram para o sector da igreja, correndo curvados por entre o arvoredo, 416

saltando sobre as crateras, contornando o arame farpado, cruzando a ribeira Loisne, e entraram no blockhaus. O sargento Carvalho ficou para trás, sozinho, a Lewis a manter as formações alemãs em respeito naquele terreno acidentado e coberto de verdura. Quando verificou que os companhei-ros tinham todos retirado de Senechal Farm, Carvalho esgueirou-se pelos arbustos, correu, correu, correu e entrou enfim, também ele, no maciço abrigo de betão.

Havia quase duas horas que a coluna chefiada por Afonso errava pela labiríntica rede de trincheiras, tentando desesperadamente evitar o contacto com o inimigo. As munições encontravam-se praticamente esgotadas e o volume de feridos fazia daqueles homens uma ineficaz força de combate. A coluna estava agora reduzida a metade desde que abandonara o Picantin Post. Os alemães flagelavam implacavelmente a unidade, que foi perdendo homens à medida que os sobreviventes de Infantaria 8 deparavam com as forças inimigas.

A ideia inicial de Afonso era retirar para Red House, onde se encontrava o comando de Infantaria 29, mas, por esta altura, esse plano estava totalmente desbaratado. Todos os caminhos se mostravam bloqueados, as posições e postos portugueses tinham caído nas mãos do inimigo e a coluna que evacuara Picantin já só procurava recuar, fosse para onde fosse, mas recuar.

Pelas duas da tarde, os homens do 8 foram alvejados simultaneamente à frente e na retaguarda. Afonso percebeu que já só tinha uma carta na manga, uma carta frágil, incerta, fraca. Mas era a única.

“Os feridos que podem caminhar vão prosseguir a retirada” gritou, deitado no chão enquanto as balas zumbiam sobre as cabeças dos portugueses. “Serão escoltados pelo cabo Esperança e mais um homem. Os restantes ficam comigo para atrair o inimigo e cobrir a retirada. Quando os feridos estiverem longe, retiraremos igualmente. Entendido? “

“E os feridos que não podem andar, meu capitão? “, perguntou Rosa, apontando para os três homens deitados nas macas.

“Vão ter de se render, não vejo outra hipótese.“ Os homens assentiram, sabiam que não restavam alternativas. O cabo Esperança rastejou para junto dos feridos que conseguiam andar e daí, à distância, chamou Afonso.

“Meu capitão, qual é o homem que levo comigo?“ “Sei lá”, devolveu Afonso, encolhendo os ombros com indiferença. “Um à sua escolha, tanto me faz.“ O cabo escolheu uma praça da sua confiança e ambos foram puxando os feridos até chegarem a uma zona de trincheira com os parapeitos altos. Puse-ram-se aí todos de pé e partiram, os que tinham uma perna inutilizada apoiados em espingardas, usadas como se fossem bengalas. Deitado na lama, Afonso contou os seus efectivos. Tinha ali o cabo 417

Matias, o sargento Rosa, o soldado Baltazar e mais um outro que só conhecia de vista.

Somavam cinco homens.

“Quantas balas temos?“, perguntou Afonso.

Os soldados contaram os cartuchos. Eram, ao todo, vinte e duas balas.

“Ainda dá para aviarmos vinte e dois boches”, gracejou Baltazar. “Categoria, hã “ Ninguém se riu.

“Quando eles vierem, só disparem pela certa, no momento em que eles estiverem mesmo perto. Entenderam? “ Afonso fechou ruidosamente a culatra da sua espingarda.

“Cada tiro, cada melro. “

Os alemães disparavam furiosamente sobre a posição portuguesa, prote-gida por sacos de terra, e a ausência de fogo de resposta deu-lhes atrevimento. Começaram a aproximar-se, devagar, devagarinho. Quando se encontravam a cinquenta metros, Afonso mandou disparar e vários alemães rolaram por terra. Os restantes abrigaram-se e voltaram a regar os portugueses com tiros de Mauser. A certa altura, uma Maxim juntou-se ao tiroteio.