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“Guten Abend. uJillkommen in Illies”, saudou-os o oficial. “Mein Name ist General Albert Zeitz. “ Os portugueses olharam-no com cara de quem nada percebia e o general depressa mudou para o patusco francês das trincheiras. “Moi général Zeitz. Allemands bonnes. Portugais promenade aujourd'hui à Lille. Compris “ Um major português levantou o braço e o general fez-lhe sinal para falar.

“Compris. Portugais cansés, promenade pas bonne. Dormir bonne. Compris? “ O general assentiu. Não sabia o que raio queria dizer cansés, nunca tinha ouvido semelhante palavra, mas admitiu tratar-se de uma expressão requin-tada, rebuscada, porventura até um francês de qualidade literária. O que valia, pensou, é que as restantes palavras lhe eram familiares. Sorriu com bonomia, satisfeito por poder comunicar com tanta fluência com os prisioneiros, e não lhe custou, por isso, ceder à sua vontade.

“Compris”, concordou, magnânimo.

Alguns homens dormitavam encostados ao cimento. O bombardeamento contra o blockhaus tinha parado, mas todos se sentiam fracos, sonolentos, eram os efeitos do cansaço e da fome.

“O que eu agora não dava pelo corned-beef e pelas compotas dos camo-nes”, desabafou o alferes Viegas, sentindo-se fraco e esfaimado.

“Estamos todos com fome, Viegas”, disse Mascarenhas. “Mas temos de aguentar, pode ser que cheguem reforços. “

O alferes inclinou a cara.

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“O meu major acredita mesmo nisso? “

Mascarenhas suspirou.

“Acredito que é possível. “

“Lá possível é, meu major”, admitiu Viegas com um trejeito de boca. “Mas olhe que isto está mal. Só se vêem boches lá fora, os aeroplanos são todos deles e o som da artilharia está a afastar-se, dá a impressão de que os tipos continuam a avançar e a nossa primeira linha a recuar”

O major aproximou-se de uma seteira, vigiada por uma sentinela do 15. Para lá da pequena abertura era a escuridão total.

Sim, vai lá fora um movimento danado, disse, chamando o alferes com a mão. “Anda cá, anda cá. Queres ouvir isto? “

Calaram-se e ficaram à escuta. No exterior, à distância, escutava-se o som de motores.

“São camiões, meu major. “

“Pois são. Os gajos estão a reforçar as linhas e nós não passamos de um empecilho, um espinho que lhes ficou cravado nas costas. “

De súbito, eclodiu uma sequência de detonações e o blockhaus voltou a ser atingido sucessivamente pelas granadas. O abrigo tremeu até aos alicerces e todos os soldados acordaram, assustados com o fragor infernal do bombar-deamento. O relógio de pulso de Mascarenhas, um Longines prateado, assina-lava as quatro da manhã. Alguns homens sentiam-se de tal modo cansados que voltaram a adormecer, mesmo debaixo daquela cacofonia de explosões, mas a maior parte permaneceu de vigília.

“Gás! “, gritou uma voz, dando o alerta.

As máscaras foram colocadas à pressa, os dentes a apertarem o bocal, uma pinça metálica a bloquear as narinas para obrigar a respiração a processar-se pela boca, as fitas elásticas a ajustarem a tela da máscara ao rosto. Ficaram assim vinte minutos, num grande incómodo, o ar a faltar-lhes, a respiração pesada e ruidosa. Quando tiraram as máscaras, primeiro um homem, depois os restantes, o ar regressara ao normal, as narinas apenas detectaram o eterno cheiro a pólvora a que se tinham habituado em zona de guerra.

A fome começou entretanto a apertar. Apesar de o edifício continuar a ser alvejado pela artilharia inimiga, rangendo assustadoramente a cada impacto de granada, Mascarenhas decidiu mandar sair uma patrulha para avaliar a situação e, já agora, detectar alimentos.

“Voluntários “, pediu.

Ofereceram-se cinco homens e o major determinou que o raide seria comandado pelo mais graduado, o cabo Macedo. A porta foi destrancada e a patrulha esgueirou-se pela 425

escuridão com a missão de ir vasculhar uma casa próxima. O edifício localizava-se na linha de tiro das seteiras do blockhaus, pelo que os alemães não se tinham ainda atrevido a ocupá-lo ou mesmo a inspec-cioná-lo. Às sete da manhã, o bombardeamento contra o reduto de Lacouture foi suspenso e a patrulha regressou, antecipando-se à alvorada. Os homens trouxeram comida e ofereceram-na aos oficiais. Era pão e queijo.

Os prisioneiros levantaram-se com a aurora e formaram no pátio dos barracões a tremelicarem de frio. Um oficial alemão dividiu os portugueses em dois grupos, de um lado os oficiais, do outro os soldados, a maior parte com aspecto miserável, pareciam vagabundos e pedintes. Afonso e Matias viram-se assim separados, irmãos de armas divididos pela hierarquia e pelo destino. Procuraram-se com os olhos, despediram-se com um aceno à distância, em silêncio desejaram-se mutuamente boa sorte e seguiram caminhos diferentes.

A coluna do capitão marchou até Fournes, as bermas da estrada pejadas de civis franceses que olhavam, calados, taciturnos, para os prisioneiros de guerra. Alguns acenavam com pães ou aproximavam-se com tigelas de caldo, mas logo lanceiros a cavalo, que faziam a escolta da coluna, intervinham, interpondo-se entre os civis e os prisioneiros, impedindo o contacto, afugen-tando a multidão.

Ao final da manhã, a coluna entrou em Lille pela Porte de Béthune, a sul da grande cidade, e meteu pela Rue d'Isly, a qual mais à frente, após a Place de Tourcoing, se transformava no Boulevard Vauban. Soldados alemães montaram cordões de segurança em toda a largura da avenida, impedindo ainda que os civis entrassem em contacto com os prisioneiros. Os populares enchiam os passeios, olhando com tristeza para os soldados capturados. Alguns atiravam pães ou chouriços para a coluna, outros choravam amargamente, a mão na boca, choravam com tal emoção que Afonso se sentiu comovido e chorou tam-bém. Em alguns pontos, o cordão dos soldados estava rompido, presumivelmente por falta de efectivos, e alguns civis arriscavam umas palavras, lançadas com carinho, atiradas como flores.

“T'es anglais?“, perguntou uma mulher jovem, olhando Afonso com inten-sidade.

“Non”, disse o capitão, abanando a cabeça e caminhando sempre. “Je suis portugais.

A mulher hesitou, surpreendida. Não sabia que havia portugueses a combaterem pela França. Era jovem, mas o rosto mostrava-se prematuramente envelhecido, não era fácil a vida sob ocupa ção inimiga. Vendo os soldados vencidos a desfilarem diante de si, lamentando a sua derrota mas querendo confortá-los, abriu-se num sorriso triste. Quase a 426

correr pelo passeio, num comovente esforço para acompanhar a marcha dos prisioneiros, a francesa beijou os dedos e soprou na direcção de Afonso.

“Merci, le Portugal. “

Quando os prisioneiros cruzaram a Rue Colbert, os civis que enchiam os passeios começaram a cantar. La Marseillaise estava proibida pelas autoridades ocupantes, mas os franceses tinham outras opções para animarem os prisio-neiros e desafiarem os carcereiros.

As vozes ergueram- se em coro, desafinadas e em desafio, os olhares fixos nos homens derrotados que marchavam miseravelmente pelo piso calcetado do Boulevard Vauban: Où t'en vas-tu, soldat de France, Tout équipé, prêt au combat? Où t'en vas-tu, petit soldat? C'est comme il plait à la Patrie, Je n'ai qu'à suivre les tambours. Gloire au drapeau, Gloire au drapeau.