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A família Chevallier tinha acabado de chegar de Lille e vinha ainda atordoada com a rapidez dos acontecimentos.

“Minha pequena Agnès”, murmurou-lhe o pai à entrada da basílica, dando-lhe o braço e falando como se lhe estivesse a oferecer a derradeira oportunidade para se salvar.

“Tens a certeza do que estás a fazer? “

“Absoluta. “

Paul Chevallier suspirou e enfrentou o corredor que se estendia diante de si, o altar lá ao fundo com o noivo à espera, aquele rapaz não passava de um estranho a quem ia entregar a sua filha predilecta.

“Muito bem”, exclamou finalmente, esforçando-se por ocultar o peso que lhe ia na alma. “Vamos a isto”

Como estava um dia de sol esplendoroso, o copo-d'água foi organizado nos Jardins Anglais, mesmo por detrás da basílica com uma vista privilegiada sobre o rio Rance e o vale verdejante por onde o vasto curso de água serpen-teava, as margens destacando-se como fiordes naquele plácido mar fluvial.

Serge terminou o curso de Direito nesse Verão e a mulher, agora Agnès Marchand, matriculou-se para o quarto ano de Medicina. As suas vidas permaneciam centradas em Paris, onde alugaram um apartamento na movimentada Rue de Tubirgo, em Les Halles.

Ele foi trabalhar no escritório de advogados do tio, localizado ali perto, na Rue St.

Denis, ao lado da Maison du Sphinx, onde um letreiro na janela anunciava estar-se perante uma droguerie, pharmacie, herboristerie, e ela não se importou de ficar um pouco mais longe do Quartier Latin do que estava habituada no seu antigo apartamento de St. -

Germain-des-Prés. Claudette já tinha concluído o curso de História e regressara a Lille, onde foi ocupar uma vaga de professora num colégio local, e o apartamento encontrava-se agora entregue aos outros dois irmãos, entretanto chegados a Paris para também prosseguirem os estudos.

A vida parecia assentar e o par recém-casado já planeava ter filhos quando, apenas vinte e cinco dias depois da cerimónia de Dinan, uma paran-gona no Le Petit Journal 115

assinalou a novidade que iria produzir uma profunda transformação das suas vidas. O casal estava a tomar o pequeno- almoço e Agnès pôs-se a folhear o jornal. Os seus olhos fixaram-se inevitavelmente no fatídico título. A notícia referia a morte de um arquiduque austríaco, nas ruas de Sarajevo, assassinado por um sérvio.

“Que horror! “, comentou antes de virar a página à procura de cabeçalhos mais felizes. Trincou uma torrada e olhou pela janela. “Hoje em dia ninguém anda seguro nas ruas “

O que ela ainda não sabia é que aqueles tiros, disparados numa obscura ruela no outro lado da Europa, iriam colocar o mundo de pernas para o ar em menos de um mês.

A guerra entrou na vida de Agnès com a força de um furacão enraivecido. Na sequência de uma complexa sucessão de acontecimentos envolvendo primeiro a Áustria e a Sérvia, e depois os respectivos aliados, a França decretou a mobilização geral a 1 de Agosto.

Agnès viu Paris transfigurar-se perante os seus olhos, com a multidão tomada pela febre da guerra a sair às ruas em grandes números, enchendo as principais artérias com inúmeras bandeiras francesas, mas também russas e britânicas, e cantando entusiasticamente La Marseillaise e marchas patrióticas. Cartazes com ordens de mobilização foram afixados por toda a parte, atraindo grupos alvoroçados de homens, enquanto se sucediam acalorados gritos de “vive la France! “ e os estabelecimentos com nomes alemães eram atacados e saqueados, em particular as brasseries com títulos germânicos.

Serge não ficou indiferente à onda de comoção que se apoderou dos franceses e nessa mesma tarde correu a um posto de recrutamento para se alistar no Exército. Chegou de noite a casa com o cabelo cortado à escovinha e os papéis para se apresentar na madrugada seguinte num quartel da Armée, enquanto lá fora era desligada a iluminação pública e os holofotes da Torre Eiffel e dos campos de aeronáutica patrulhavam diligentemente o céu.

“É o meu dever patriótico”, explicou Serge nessa noite a uma estupefacta Agnès.

“Para além do mais, isto vai ser rápido e estou em casa antes de o Verão acabar” Dois dias depois, a 3 de Agosto, a Alemanha declarou guerra à França. Por essa altura já os franceses tinham a sua máquina militar em movimento, e Agnès foi nesse mesmo dia à Gare du Nord despedir-se do marido. A estação de caminhos de ferro estava mergulhada na maior confusão, Paris inteira parecia ter-se dirigido à gare para saudar os seus poilus. Agnès teve enorme dificuldade em furar por entre a compacta massa humana para chegar perto do comboio destinado ao regimento de Serge.

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Depois de uma espera atormentada no meio de uma algazarra incrível, viu as alas abrirem-se e os soldados marcharem disciplinadamente até às composições, as espingardas erguidas com a coronha ao peito, os canos estendidos por cima do ombro.

Pôs-se em bicos de pés e esticou desesperadamente a cabeça, procurando o marido naquele mar de bonés encarnados, mas só o viu minutos antes de a locomotiva apitar para partir, elegantemente vestido como um soldado dos exércitos napoleónicos, um majestoso casaco azul e calças de vermelho-vivo, képi garrido na cabeça, uma espingarda Lebel a tiracolo, como era estranho vê-lo assim, parecia um soldadinho de chumbo. Acenaram, ela lançou-lhe beijos pelo ar, ele devolveu sorrisos. Milhares de pessoas cantavam La Marseillaise em coro quando as composições começaram a mexer-se, os soldados despediram-se como se fossem para um piquenique, Serge a dizer adeus da janela do comboio que o levava para a frente, agitava alegremente o képi na mão esquerda, parecia quase feliz aquele poilu.

A Alemanha atacou a Bélgica no dia seguinte, 4 de Agosto, levando a Grã-Bretanha a entrar na guerra. Os irmãos Chevallier foram entretanto recrutados e também eles seguiram imediatamente para a frente. Agnès foi despedir-se de Gaston à Gare du Nord no dia 5, e de François à Gare de Lyon a 6, sempre no meio de grandes manifestações populares, plenas de fervor patriótico. As tropas francesas avançaram no dia 7 pela Alsácia até chegarem ao Reno e conquis-tarem Mulhouse. Foi uma explosão de alegria em Paris, as pessoas choravam de alegria e cumprimentavam-se nas ruas, havia sorrisos por toda a parte, “vive la France! “, a euforia era generalizada. Mas os acontecimentos precipitaram-se inesperadamente a meio do mês. Os alemães irromperam em França através da Bélgica e, após dois dias de combate, as tropas francesas começaram a retirar na noite de 23, no que foram acompanhadas pelo BEF, o British Expeditionary Force. Os alemães avançaram no seu encalço em direcção a Paris, cidade apenas defendida por uma única brigada de infantaria naval.

Nessa altura, Agnès lia na imprensa parisiense sensacionais notícias de grandes vitórias das forças francesas, numa operação de propaganda que ficaria conhecida por bourrage de crâne. Foi por isso com surpresa que, no princípio de Setembro, os até aí eufóricos parisienses receberam a informação de que as tropas alemãs tinham atingido o rio Marne, a uns meros cinquenta quilómetros a leste da capital. Instalou-se o pânico em Paris.

O governo abandonou apressa-damente a cidade e transferiu-se para Bordéus na noite de 2

de Setembro, cimentando a convicção de que Paris estava prestes a cair.

Angustiada e só, Agnès decidiu seguir o exemplo do governo, mas estava fora de causa ir para Lille, uma vez que a sua cidade natal, localizada perto da fronteira belga, se 117