Ja, Verdun”, confirmou von der Schulenberg. “A Grã-Bretanha sobrevi-veria a um desastre na Flandres, mas a França jamais recuperaria de uma catástrofe em Verdun. Temos por isso de lançar um duplo ataque em Verdun, de modo a provocarmos o colapso de toda a linha francesa e obrigarmos Paris a negociar a paz. Se Paris negociar, Londres terá de ir atrás. “
O general quartel-mestre voltou-se para o seu assessor de estratégia.
“O que pensas, Wetzell? “
O coronel Wetzell olhou para von der Schulenberg.
“Concordo com o general von der Schulenberg”, disse.
“Verdun é melhor.“
“Porquê Verdun? “, quis saber Ludendorff.
Verdun é um ponto delicado, que é preciso controlar”, explicou Wetzell. “Os franceses são menos disciplinados, já houve várias revoltas entre eles este ano, e é importante começar pelo sector mais fraco. Derrotando os franceses, poderemos de seguida isolar os ingleses e forçar a paz. “
Ludendorff fez uma pausa, pensativo. O general era um homem alto e erecto, tinha a cabeça redonda e o cabelo cortado curto, os olhos protuberantes revelavam um carácter feito de ambição e impaciência. A impenetrável postura prussiana impunha respeito aos que o conheciam, ao ponto de haver mesmo quem confessasse que a sua presença provocava arrepios de medo, exageros por certo de espíritos frágeis, que se deixavam impressionar com facilidade. Mas a verdade é que a própria família se intimidava com o olhar frio do general e por vezes até circulava em casa o aviso sussurrado de que “o pai hoje parece um glaciar”. Por isso, quando fez a pausa pensativa naquele conselho de guerra em Mons, a mesa ficou em silêncio, os dois generais e o coronel quase suspenderam a respiração, à espera do veredicto.
“Não concordo”, sentenciou finalmente Ludendorff. “O terreno em Verdun é-nos desfavorável e quebrar aquele sector não nos daria nada de decisivo. Pior ainda, arriscamo-152
nos a sermos atacados pelos ingleses na Flandres, aproveitando a nossa vulnerabilidade quando estivermos a lidar com os franceses. Além disso, é preciso notar que os franceses estão a recuperar bem das feridas que lhes infligimos.”
“Então concorda com a minha proposta de atacar a Flandres? “, avançou von Kuhl, esperançado.
“Sim”, assentiu Ludendorff. “Para ganhar esta guerra é preciso derrotar os ingleses.
Esse é o primeiro grande princípio que nos deve orientar no nosso pensamento estratégico.
Derrotar os ingleses. Passchendaele abriu-lhes profundas feridas e deixou-os vulneráveis.
Temos de aproveitar o momento “
“Então, se vamos atacar na Flandres, o melhor sítio é o sector entre Ypres e Lens”, propôs von Kuhl.
“Mas isso é o grosso das forças inglesas”, argumentou Ludendorff, consultando o mapa. “Auf keinen Fall! Nem pensar! Terá de ser num sector em que se juntam exércitos de nacionalidades diferentes. Esses é que são pontos de ruptura, onde a coordenação entre forças diferentes é menos bem conseguida. “
“Está a pensar em quê? “, perguntou von Kuhl.
Ludendorff pôs-se de pé e apontou a bengala para o mapa sobre a mesa.
“Estou a pensar em St. Quentin”, disse Ludendorff, indicando aquela região do Somme. “O ponto onde se encontram o sector inglês e o sector francês.“
“Mas, Herr Kommandant, essa é a zona do Somme”, interrompeu o coronel Wetzell.
“Essa área está cheia de obstáculos, a progressão será difícil, e, além disso, os franceses poderão fazer chegar aí rapidamente os reforços. “
“É melhor do que a zona Ypres-Lens”, argumentou o general. “Não necessariamente”, disse von Kuhl, defendendo a sua ideia. “Notámos recentemente que existe uma vulnerabilidade importante nesse sector e penso que vale a pena explorá-la. “
“Uma vulnerabilidade? “, interrogou-se Ludendorff. “Uma pequena faixa da frente está a ser defendida por tropas portuguesas, encaixadas entre divisões inglesas”, explicou von Kuhl. “As nossas informações sugerem que os portugueses estão desmotivados, mal preparados e têm carência de oficiais e falta de descanso. “
“Wo ist es?“, questionou Ludendorff, querendu saber onde era isso.
“É no sector do rio Lys, a sul de Armentières, em Neuve Chapelle mais precisamente.”
“Ach!“, exclamou o comandante das forças alemãs, que ouvira falar do sector quando das primeiras grandes ofensivas aliadas em 1915. Olhou pensativamente para o mapa, fixando-se em Armentières. “Queres atacar os portugueses? “, perguntou Ludendorff.
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“Eu diria que eles estão a pedir para serem atacados”, sorriu von Kuhl. “Repare, Herr General, que o Lys responde ao seu requisito de atacar uma zona de junção de forças de nacionalidades diferentes.”
“Continuo a pensar que St. Quentin é melhor”, comentou Ludendorff, céptico.
“Note, Herr General, que a zona do Lys tem outra vantagem”, indicou von Kuhl, apontando no mapa para Armentières.
“Entrando por aqui, poderemos chegar ao estratégico eixo ferroviário de Hazebrouck, dificultando o movimento de reforços inimigos e deixando os ingleses sem espaço de manobra, encostando-os ao mar. “
“Herr Kommandant, penso que devemos explorar a sugestão de von Kuhl”, defendeu Wetzell. “Por que não juntar todas as ideias?”
“Como assim? “, perguntou o general.
“Na minha opinião, não vamos conseguir a vitória com um só golpe, por mais bem planeado que ele seja”, explicou o coronel. “Só conseguiremos destruir a frente inimiga através de uma inteligente combinação de ataques sucessivos em diferentes pontos da frente, coordenando-os e relacionando-os em momentos cuidadosamente escolhidos. “
“Ach so!“, exclamou Ludendorff. “Estás a propor atacar ao mesmo tempo no Somme e no Lys. “
“Não ao mesmo tempo”, corrigiu Wetzell. “Sucessivamente. Atacamos primeiro no Somme, depois no Lys, mais tarde em Arras, a seguir em Verdun, depois em Champagne, ataques aqui e ali, uns atrás dos outros, numa estratégia de marteladas consecutivas. “
“Como na frente leste”, comentou Ludendorff, afagando o bigode grisalho.
“Jawohl, Herr Kommandant. “
O general quartel-mestre e o seu conselheiro de estratégia referiam-se às novas tácticas desenvolvidas na frente leste e estreadas pelos russos com grande sucesso. Durante a Ofensiva Brasilov, no Verão de 1916, as forças russas utilizaram a surpresa e os efeitos desorientadores suscitados por ataques múltiplos ao longo de uma vasta frente para devastarem as posições austro-húngaras no sector da Galícia. Os alemães assimilaram rapidamente o conceito russo dos ataques sucessivos em toda a linha da frente, chegando mesmo a aperfeiçoá-lo, através das tácticas de infiltração desenvolvidas pelo general Oskar von Hutier e aplicadas com grande êxito apenas dois meses antes, na Batalha de Riga.
Wetzell defendia agora a aplicação dessas mesmas tácticas na frente ocidental para conseguir uma vitória decisiva.
“Parece-me viável”, assentiu Ludendorff, olhando para os outros dois generais. “O
que acham? “
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Von Kuhl e von der Schulenberg concordaram, o bávaro mais entusias-mado.
“O sector do Lys tem o problema da chuva”, observou, no entanto, von Kuhl, que conhecia bem a região. “O terreno só estará transitável lá para Abril.“ A lama da Flandres era famosa entre as forças militares que viveram o inferno lamacento das Batalhas do Somme e de Ypres, pelo que a observação foi instantaneamente compreendida.