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“Pois bem, se não chover em demasia, avançamos no Somme em Fevereiro ou Março”, decidiu Ludendorff. “Em Abril será então a vez dos restantes golpes, a começar pelos portugueses no Lys. “

“O VI Corpo de Exércitos do príncipe Rupprecht entra, portanto, em acção em Abril... “, observou von Kuhl.

“Em princípio”, retorquiu o general. Ludendorff apontou o dedo para toda a extensão da linha da frente, representada no mapa. “Comecem a prepa-rar-me estudos pormenorizados sobre cada sector, quero vigilância reforçada, desencadeiem operações regulares para obterem informação, não quero surpresas na hora da verdade. Comecem a exercitar as tropas para combate em terreno aberto segundo as tácticas do capitão Geyer e chamem- me o coronel Bruchmiiller para a frente ocidental, de modo a preparar a artilharia. Quero ver montada a maior feuerwalze da história da guerra. E, von Kuhl, transfira também o general von Hutier para a frente ocidental, vamos ver se ele aplica aqui as suas famosas tácticas de surpresa e bombardeamento em progressão. “

“Jawohl, Herr Kommandant”, assentiu von Kuhl. Tal como von Hutier, Bruchmizller destacara-se na frente leste, e em particular na Batalha de Riga, pelas suas inovações tácticas. Georg Bruchmiiller era conhecido por durchbruchmller, o Miiller decisivo, devido às arrasadoras feuerwalze, ou valsas-do-fogo, com que regava as linhas inimigas antes da progressão da infantaria. O coronel estava na reserva quando foi chamado para o activo na frente leste, onde desenvolveu uma técnica de bombardeamento orquestrado que se tornou famosa entre as forças alemãs. Utilizando uma mistura de granadas numa sequência precisa e coordenada, com lançamento sucessivo de bombas contendo diferentes gases, poderosos explosivos e schrapnel, conseguia espalhar a grande confusão nas linhas inimigas.

Bruchmizller manipulava as granadas de modo a provocar determinadas reacções ou efeitos. Por exemplo, uma das suas especialidades eram os cocktails de gases, lançando primeiro o gás arsine, que não era letal mas que penetrava nas máscaras antigás. Os soldados começavam a vomitar e tiravam as máscaras. Era nesse momento que Bruchmiiller atirava o gás chlorine, que era mortal e que apanhava o inimigo sem máscaras.

As granadas com os diferentes gases estavam marcadas por diversas cores, o que deu ao 155

cocktail o nome de huntkreuz, multicolorido. Ludendorff, que conhecia bem a frente leste, onde ganhara fama de grande estratego e onde desenvolvera a sua visão de Drang nach Osten, a expansão para oriente, queria transportar todo esse talento para a frente ocidental e acreditava que conseguiria assim ganhar a guerra.

“Entschuldigen Sie bitte, Herr Kommandant”, interrompeu Wetzell, levantando a cabeça do seu bloco de notas e quebrando o breve silêncio meditativo que se instalara na sala. “Quais os nomes de código que vamos adoptar? “

“Alguma sugestão? “, perguntou Ludendorff para a mesa.

Todos se entreolharam. Cada um foi avançando com ideias, algumas suscitaram consenso, outras não. Depois de um debate rápido, o general quartel-mestre fechou a questão.

“Bitte schreiben Sie es auf”, ordenou Ludendorff a Wetzell, dando-lhe instruções para tomar nota das ideias que mereceram concordância. “O ataque no Somme será a Operação Michael, a ofensiva no Lys será a Operação St. George, a de Arras será a Operação Marte, a de Champagne será a Bliicher e as duas de Verdun serão a Castor e a Pólux. Estas operações estão destinadas a porem fim à guerra e a darem a vitória à Alemanha e encontram-se subordi-nadas ao nome de código geral de Kaiserschlacht. “ O

conselho de guerra terminou e a Kaiserschlacht, a batalha do Kaiser, entrou em marcha.

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II

A noite caíra fria e húmida sobre Armentières, mas a isso já todos se tinham habituado. O Inverno estava à porta e as árvores preparavam-se para enfrentarem os rigores do frio. Os grandes plátanos e os delicados choupos encontravam-se quase totalmente despidos, é certo que algumas árvores ainda exibiam folhas amareladas ou avermelhadas ornando os ramos ou estendendo-se em tapete à sombra das copas, espectros fantasmagóricos na paisagem verde, plana e bucólica da Flandres. Pendurados nos ramos ou esvoaçando de árvore em árvore, os melros assobiavam aqui e os pardais pipilavam ali, alegres e despreocupados, numa animada sinfonia de despedida do Outono.

O ronco distante de um motor a aproximar-se intrometeu-se naquela harmoniosa melodia da natureza. Um Hudson negro cruzou o grande portão de pedra e entrou nos domínios do Château Redier, a estrada calcetada cortando a meio o vasto jardim, com as suas sebes cuidadosamente aparadas e dispostas em labirinto por entre choupos de faia-branca, ciprestes delgados e tílias de grande porte, o palacete claro a erguer- se ao fundo, logo atrás de uma rotunda estreita com um jardim formado em círculo ao meio, enfeitado por coloridas tulipas, vigorosos jacintos e hibiscos teimosamente roxos. Um anjo de pedra ornava o centro daquele pequeno jardim oval, um repuxo de água a jorrar do pífaro ostentado na boca da estátua cinzenta.

“Encosta junto à escadaria”, indicou Afonso à sua ordenança. “Sim, meu capitão. “ O oficial tinha os olhos pregados no espectáculo de serenidade verde que ordeiramente se perfilava em redor, sentia-se quase chocado com o contraste relativamente ao mar de lama a que se habituara desde que tinha chegado à Flandres. O Hudson contornou a rotunda e imobilizou-se à beira dos degraus de mármore envelhecido do château. Afonso apeou-se e estudou a fachada do edifício, as trepadeiras cobrindo a pedra gasta, o verdete entranhando-se na base do palacete, as enormes janelas sobressaindo daquele emaranhado de plantas e de paredes cinzentas, um elegante alpendre sobre a porta de entrada, guarnecida por duas colunas de um mármore fino, o creme polido rasgado por múltiplos veios encarnados.

Joaquim tirava já a mala da bagageira quando a porta principal se abriu. Um homem pequeno, com um bigode grisalho e um monóculo no olho direito preso à algibeira por uma corrente dourada, desceu as escadarias de encontro aos recém-chegados.

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“Bon soir”, saudou, apresentando-se. Je suis le baron Redier.” “Bon soir, monsieur le baron. Je suis le capitaine Afonso Brandão. Venho da parte do maire.”

“Eu sei, eu sei”, exclamou o barão, estendendo o braço. “Bienvenue. “

“Merci”, agradeceu Afonso, olhando de relance para trás. “Joaquim, traz a mala. “

“Ele precisa de ajuda? “, indagou o barão. “Vou chamar os criados. “

“Não é necessário”, apressou-se a dizer o capitão. “É só uma mala. “ Os dois cruzaram a porta de entrada, o anfitrião concedendo a vez ao convidado, o foyer abriu-se a toda a largura, uma escadaria ampla dando acesso ao piso superior, duas portas, uma à direita e outra à esquerda, revelando corredores e salas. O chão brilhava, reluzente de tão impecavelmente envernizado, parecia um lago cristalino a reflectir, como um espelho, as figuras que o pisavam e tudo o resto, incluindo os enormes retratos que ornavam as paredes, os candelabros que caíam do tecto, os largos cortinados que enfeitavam as janelas.

“Marcel! “, chamou o barão para o corredor à esquerda. Um homem calvo com um colete escuro assomou, solícito, ao foyer.