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"Compreendido?"

"Sim."

Sullivan esfregou as mãos.

"Muito bem", exclamou. Virou-se para o rapaz engravatado de cabelo preto. "Don, se calhar é melhor começar."

"Okay", assentiu Don, puxando as mangas da camisa para cima. "Mister Norona, tal como..."

"Noronha", corrigiu Tomás.

"Norona?"

"Esqueça", riu-se o historiador, apercebendo-se de que o americano jamais conseguiria pronunciar corretamente o seu apelido. "Chame-me Tom."

"Ah, Tom!", repetiu o rapaz do cabelo preto, satisfeito por encontrar um nome mais familiar.

"Muito bem, Tom. Tal como o Greg disse, o meu nome é Don Snyder. O que ele não lhe revelou é que eu trabalho para a CIA em Langley, onde sou analista de contraterrorismo, integrado num gabinete pertencente ao Directorate of Operations, uma das quatro direções da agência."

"Operações, é? Assim como o... James Bond?"

Snyder e Sullivan riram-se.

"Sim, é no Directorate of Operations que trabalham os 007 americanos", assentiu Don. "Embora eu não seja propriamente um deles. O meu trabalho, receio bem, não tem tanta graça quanto as aventuras do meu parceiro fictício do MI6. Raramente tenho raparigas bonitas à minha volta e, na maior parte das vezes, as minhas tarefas não passam de coisas de rotina, sem graça nenhuma. O Directorate of Operations é uma direção cuja responsabilidade principal radica na recolha clandestina de informação, muitas vezes com recurso a HUMINT, ou seja, human intelligence, fontes humanas que utilizam técnicas encobertas."

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"Espiões, quer você dizer."

"Essa palavra é um pouco... como hei-de dizer?... um pouco amadora. Preferimos chamar-lhes human intelligence, ou fontes humanas de recolha clandestina de informação." Pôs a mão no peito. "De qualquer modo, eu não sou uma dessas fontes.

O meu trabalho resume-se à análise de informação sobre atividades terroristas."

Ergueu uma sobrancelha. "E foi isso que me trouxe a Lisboa."

Tomás sorriu.

"Terrorismo? Em Lisboa? Ora aí estão duas palavras que não combinam. Não há terrorismo em Lisboa."

Sullivan interveio.

"Ó Tomás, não é bem assim", riu-se. "Você já conduziu nas ruas desta cidade?"

"Ah, pois", concordou o português. "Há por aí malta que, ao volante, é mais perigosa do que o Bin Laden, lá isso é verdade."

Desconcertado com as gargalhadas dos dois, Don Snyder esboçou um sorriso cortês.

"Deixe-me só concluir a minha apresentação", pediu.

"Desculpe", retorquiu Tomás. "Faça o favor."

O americano digitou teclas do seu lap-top.

"Fui chamado na semana passada a Lisboa por causa de um acontecimento aparentemente inconsequente." Voltou o ecrã do computador para Tomás, exibindo o rosto sorridente de um septuagenário de bigode e pêra grisalha, uns óculos muito graduados nos olhos escuros. "Conhece este homem?"

Tomás analisou o rosto e abanou a cabeça.

"Não."

"Chama-se Augusto Siza e é um famoso professor catedrático português, o maior físico do país."

Tomás abriu a boca, reconhecendo o nome.

"Ah", exclamou. "É o colega do meu pai."

"Colega do seu pai?", admirou-se Don.

"Sim. Não foi esse que desapareceu?"

"Foi. Há três semanas."

"Pois, o meu pai ainda hoje me falou nisso."

"O seu pai conhece-o?"

"Sim, são colegas na Universidade de Coimbra. O meu pai leciona matemática e o professor Siza tem uma cátedra de física na mesma faculdade."

"I see."

"Mas o que se passou com ele?"

"Bem, o professor Siza desapareceu sem deixar rasto. Um dia estavam os alunos na faculdade à espera que ele viesse para lhes dar uma aula e o professor não pôs lá os pés. No dia seguinte era aguardado numa reunião da Comissão Científica e voltou a não aparecer. Ligaram-lhe várias vezes para o telemóvel e nunca ninguém atendeu.

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Apesar de ser um homem de idade, é considerado uma pessoa enérgica e muito lúcida, o que lhe permitiu continuar a lecionar para lá da idade limite. Como é viúvo e vive sozinho, porque a filha já está casada, os seus colegas pensaram que ele se teria ausentado por algum motivo. Acabou por ser o colaborador do professor que, dirigindo-se a casa dele para uma reunião há muito aprazada, entrou na habitação e verificou que não estava lá ninguém. Mas encontrou o escritório dele muito desarrumado, com papéis espalhados pelo chão e pastas abertas por toda a parte, de modo que achou tudo muito estranho e chamou a polícia. Foi lá a vossa polícia de investigação, a... uh... Ju... Jucidária, e..."

"Judiciária."

"Esses tipos", exclamou Don, reconhecendo o nome. "Essa polícia recolheu algumas amostras, incluindo de cabelos, e levou-as para análise laboratorial. Quando vieram os resultados, os inspetores da polícia colocaram os dados no computador de cadastro, que tem ligações à Interpol." Digitou mais umas teclas do lap-top. "O

resultado foi surpreendente." Um novo rosto apareceu no ecrã, era um homem moreno, de rosto cheio e barba rala negra. "Reconhece este indivíduo?"

Tomás estudou-lhe as linhas da cara, tinha um certo ar de árabe.

"Não."

"Chama-se Aziz al-Mutaqi e trabalha para uma unidade intitulada Al-Muqawama al-Islamiyya.

Já ouviu falar nela?"

"Uh... não."

"É a seção militar do Partido de Deus. Conhece o Partido de Deus?"

"Também não", confessou Tomás, sentindo-se um completo ignorante.

"Em árabe, Partido de Deus diz-se Hibz Allah. Soa-lhe familiar?"

O português encolheu-se na cadeira e abanou mais uma vez a cabeça, quase triste por não saber nada de nada.

"Não."

"Hibz Allah. Os libaneses, claro, têm um sotaque muito próprio, não é? Em vez de dizerem Hibz Allah, dizem Hezb'llah. A CNN diz Hezbollah."

"Ah! Hezbollahl", exclamou Tomás, aliviado. "Já ouvi, claro!"

"Nas notícias, presumo."

"Sim, nas notícias."

"E sabe o que é o Hezbollah?"

"Não são os tipos do Líbano que estiveram em guerra com Israel?

Don Snyder sorriu.

"Muito resumidamente, é isso, sim", concordou. "O Hezbollah é uma organização islâmica xiita que nasceu no Líbano em 1982, aglomerando vários grupos formados para resistir à ocupação israelita do Sul do país. Tem laços com o Hamas e a Jihad Islâmica, e houve até sugestões de ligações à Al-Qaeda." Abanou a cabeça e baixou o tom da voz, como se fizesse um aparte. "Confesso que não acredito nisso, sabe? A Al-Qaeda é uma organização sunita cuja ideologia vaabita exclui ostensivamente os xiitas. Os tipos do Bin Laden chegam ao ponto de considerar os xiitas infiéis, veja lá.

Ora, isso inviabiliza qualquer aliança entre os dois, não lhe parece?" Dedilhou mais teclas do computador portátil, fazendo aparecer imagens de destruição no ecrã. "De 32

qualquer modo, o Hezbollah esteve por detrás de vários sequestros de ocidentais e atentados no Ocidente, atos mais do que suficientes para levarem os Estados Unidos e a União Européia a declará-lo uma organização terrorista. O próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu uma resolução, a resolução 1.559, a exigir a dissolução do braço armado do Hezbollah."

Tomás afagou o queixo.

"E o que tem o Hezbollah a ver com o professor Siza?"

O americano balançou afirmativamente a cabeça.

"Ora aí está a pergunta que os inspetores da Ju... uh... da vossa polícia fizeram", disse Don. "O que estavam os cabelos de um homem procurado pela Interpol por ligações ao Hezbollah a fazer no escritório do professor Siza, em Coimbra?"