"Whiskey?", perguntou o adido da embaixada, levantando uma tampa e revelando um pequeno bar.
"Não, obrigado."
Um estrelejar saracoteado entoava no tejadilho da limusine, era a chuva que caía forte e tamborilava com fragor ao longo do Cadillac. Os dois amantes aconchegaram-se um ao outro, sentindo o calor dos corpos e o conforto do abrigo.
Greg serviu-se de whiskey americano on the rocks e voltou-se para o historiador.
"Então? Onde está a mensagem?"
Tomás mergulhou a mão no bolso do casaco e tirou a folha amarrotada, que exibiu ao adido.
"Está aqui."
Greg espreitou a folha e viu a charada.
344
"Desculpe, mas o que é isto?"
"É a mensagem cifrada."
"Isso já eu percebi. Mas onde está a mensagem decifrada?"
Tomás apontou para a primeira linha.
"Está a ver este see sign?"
"Sim."
"E um anagrama. Mudando a ordem das letras, descobrimos que see sign se transforma em Gênesis. Ou seja, o que Einstein quis aqui dizer foi: see the sign in Gênesis. Isto é: vejam o sinal no Gênesis."
"O sinal no Gênesis? Qual sinal?"
O criptanalista estreitou os lábios.
"Pois, esse é o problema. Qual sinal?" Apontou para o !ya ovqo da segunda linha.
"Esta sequência final deverá dar a resposta a essa pergunta. Não se trata de um anagrama, mas de uma cifra de substituição, o que complica muito mais as coisas porque precisamos de uma chave para a decifrar. Disseram-me que a chave era o nome de Einstein, o que pressupunha uma cifra do estilo da cifra de César. Mas as minhas tentativas para quebrar esta charada, usando uma cifra de César com o nome de Einstein, resultaram infrutíferas."
"E qual foi a tentativa que resultou?"
Tomás fez um ar embaraçado.
"Bem... uh... nenhuma resultou."
"Perdão?"
"Nenhuma resultou."
Greg esboçou uma expressão perplexa.
"Desculpe, mas está a brincar comigo ou quê? Você ainda não quebrou a cifra?"
"Não."
Um rubor de irritação cresceu no rosto do americano.
"Damn it, Tomás! O que me disse você ao telefone, uh? Não foi que tinha conseguido? Uh? Não foi que tinha adquirido a chave?"
"Foi."
"E então? O que estou eu aqui a fazer?"
Tomás sorriu pela primeira vez nesse dia, intimamente satisfeito por ter enervado o seu interlocutor.
"Você está aqui para assistir à quebra da cifra."
Greg pestanejou, baralhado.
"Desculpe, não estou a entender."
"Ouça, eu já adquiri a chave, fique descansado. O problema é que, com a morte do meu pai, não tive ainda tempo nem disposição para quebrar a cifra, percebeu?"
"Ah... okay."
"Vamos decifrá-la agora, está bem?"
"All right."
345
Tomás tirou um envelope do bolso. Era um sobrescrito velho, amarelado pelo tempo, com um lacre quebrado numa das faces. Meteu os dedos no interior e extraiu uma pequena folha igualmente envelhecida. Um lado da folha tinha a referência Die Gottesformel com a assinatura de Einstein por baixo, e o verso apresentava uma sequência de letras rabiscadas a tinta permanente.
"O que é isto?", perguntou Greg com uma careta.
"É a chave."
"A chave da cifra?"
"Sim." Endireitou-se. "Pelos vistos o que aconteceu foi que Einstein entregou ao professor Siza o manuscrito intitulado Die Gottesformel, com a garantia de que o seu pupilo apenas o tornaria público se conseguisse uma segunda via científica que provasse a existência de Deus. Como é natural, o autor das teorias da Relatividade não se queria cobrir de ridículo, não é? Ele precisava de uma confirmação para o que tinha descoberto na análise relativística dos seis dias da Criação." Apontou para a folha amachucada com as duas linhas cifradas. "Como precaução adicional, cifrou a fórmula de Deus. O problema é que a cifra era complexa e ele receou que nunca viesse a ser quebrada. Colocou então a chave num envelope e lacrou-o, entregando-o ao professor Siza com a garantia de que só o abriria quando descobrisse a segunda via."
Acenou com a nota agora retirada do sobrescrito lacrado. "Ora, os tipos do Hezbollah que raptaram o professor e levaram o manuscrito para Teerã desconheciam, como é natural, a existência deste envelope. O colaborador do professor Siza, o professor Luís Rocha, também desconhecia a história por detrás deste sobrescrito, mas sabia que o seu tutor o considerava muito valioso e, com medo que os assaltantes voltassem para o buscar, entregou-o ao meu pai."
"O seu pai tinha isso?"
"Sim, só me apercebi disso na nossa última conversa. O meu pai era muito amigo do professor Siza, de quem foi colega na Universidade de Coimbra, e o professor Luís Rocha achou que, nas mãos do meu pai, o envelope lacrado ficaria em segurança."
"E o seu pai sabia o que isso era?"
"Não, não fazia a mínima idéia. Como é... uh... como era um homem muito curioso, deslacrou o envelope e espreitou o interior." Exibiu a face da folha com a assinatura de Einstein. "Percebeu que se tratava de algo escrito pela mão de Einstein, conforme o prova esta assinatura, mas pensou que não passava de uma mera relíquia, nada de importante."
"I see."
"Foi por um mero acidente que ele me mencionou isto, resolvendo assim o mistério."
"Por mero acidente?", perguntou Greg. "Isso existe?"
Tomás sorriu.
"Tem razão, não há acidentes. Estava predestinado, não é?"
O americano bebeu um trago de whiskey.
"Okay, nice story", exclamou. "E agora?"
"E agora vamos decifrar a mensagem."
"Great”
Tomás apontou para a palavra no topo da folha com a chave.
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"Está a ver este nome?"
"Alberti?"
"Sim."
"O que tem ele?"
"É uma idéia inteligente, sabe? Einstein brincou aqui com o seu nome próprio, Albert. Um leigo que veja isto pensa que se trata de uma mera referência italianizada ao seu nome, mas um criptanalista logo percebe que está perante algo bem diferente."
"Ah, sim? O quê?"
"Leon Battista Alberti era um polímata florentino do século XV. Foi uma destacada figura do Renascimento italiano, uma espécie de Leonardo da Vinci em escala pequena, está a ver? Era filósofo, compositor, poeta, arquiteto e pintor, autor da primeira análise científica da perspectiva, mas também de um tratado, veja só, sobre a mosca doméstica." Sorriu. "Foi ele quem concebeu a primeira Fonte Trevi de Roma."
Greg abanou a cabeça e curvou os lábios.
"Nunca ouvi falar."
"Não é importante", disse o criptanalista com um gesto vago. "Um dia, Alberti andava a passear pelos jardins do Vaticano quando encontrou um seu amigo que trabalhava para o Papa. A conversa informal abordou alguns pontos interessantes da criptografia e encorajou Alberti a preparar um ensaio sobre o assunto. Entusiasmado, Alberti propôs uma nova forma de cifra. A sua idéia era utilizar dois alfabetos de cifra, cada letra alternando entre um e outro alfabeto, de modo a confundir os criptanalistas. Foi uma idéia genial, uma vez que implicava que a mesma letra do texto simples não aparecia necessariamente como a mesma letra no alfabeto da cifra, o que dificultava a decifração."
"Não estou a perceber."
Tomás ajeitou a folha com a chave e apontou para as linhas com os alfabetos.
"É fácil", disse. "Na primeira linha encontra-se o alfabeto simples, não é? As duas linhas de baixo são as dos alfabetos de cifra. Imagine que eu quero escrever aacc. A letra do primeiro alfabeto de cifra correspondente ao a é o f e ao c é o b, não é? E no segundo alfabeto de cifra são, respectivamente, as letras g e x. Então, a mensagem aacc, quando cifrada através deste sistema, fica fgbx, está a ver? Alternando-se a mensagem original entre os dois alfabetos, não há repetição de letras, o que dificulta a decifração."