Recostou-se no assento e arregalou os olhos, num crescente empolgamento. "Essa confirmação já surgiu. Entende? Essa confirmação já surgiu e mostra que a Bíblia, por mais incrível que pareça, encerra verdades científicas profundas. E é nesse sentido que a expressão faça-se luz! prova a existência de Deus."
"Desculpe, mas continuo sem ver essa prova. Explique lá isso melhor."
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"Muito bem", exclamou Tomás, massageando o rosto com a ponta dos dedos enquanto reordenava os pensamentos. Inspirou fundo e fitou o seu interlocutor. "A Bíblia diz que o universo começou com uma explosão de luz, não é verdade? Deus disse: faça-se luz! E a luz fez-se."
"Sim."
"Einstein intuiu que este enunciado bíblico era verdadeiro. Anos depois da sua morte, a descoberta da radiação cósmica de fundo veio provar que a hipótese do Big Bang era correta. O universo nasceu de fato de uma espécie de explosão inicial, o que significa que afinal a Bíblia tinha razão: tudo começou quando a luz se fez."
"Sim."
"A questão que se coloca agora é a de determinar quem é a entidade que obrigou a luz a fazer-se."
"Está a falar de Deus..."
"Chame-lhe Deus se quiser, o nome não interessa. O que interessa é o seguinte: o universo começou com o Big Bang e vai acabar com o Big Freeze ou com o Big Crunch. Einstein suspeitava que será com o Big Crunch."
"Que é o Big Bang ao contrário."
"Exato", confirmou Tomás. Voltou a inclinar-se para a frente, irrequieto de excitação. "Agora preste atenção a isto. A revelação do Princípio Antrópico, associada à descoberta de que tudo está determinado desde o início dos tempos, demonstra que sempre houve uma intenção de criar a humanidade. O mistério é saber porquê. Por que razão se criou a humanidade? Qual o seu desígnio? Por que raio andamos aqui?
Por que motivo fomos criados?"
"Mistérios insondáveis..."
"Talvez não sejam tão insondáveis quanto isso."
"O que quer você dizer? Há resposta para essas perguntas?"
"Claro que há." Acenou com a folha rabiscada, a linha yehi or! claramente visível sobre o papel. "A resposta está inscrita aqui na fórmula de Deus. Faça-se luz! Einstein concluiu que a humanidade não é o endgame do universo, mas um instrumento para se alcançar o endgame."
"Um instrumento? Não estou a entender."
"Repare na história do universo. A energia gera matéria, a matéria gera vida, a vida gera inteligência." Pausa. "E a inteligência? O que vai ela gerar?"
"Não faço a menor idéia."
"Ao identificar o faça-se luz! com a fórmula divina, Einstein foi o primeiro a responder essa pergunta."
"Ah, sim? E o que concluiu ele?"
"Deus."
"Como?"
"A inteligência gera Deus."
Greg contraiu as sobrancelhas e abanou a cabeça.
"Não sei se estou a acompanhar o seu raciocínio..."
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"É muito simples", murmurou Tomás. "A humanidade foi criada para desenvolver uma inteligência ainda mais sofisticada do que a biológica. A inteligência artificial. Os computadores. Daqui a centenas de anos, os computadores serão mais inteligentes do que o homem e, dentro de milhões de anos, estarão habilitados a escapar às alterações cósmicas que ditarão o fim da vida biológica. Os seres vivos baseados no átomo de carbono não serão viáveis daqui a muitos milhões de anos, quando as condições cósmicas se alterarem, mas os seres vivos baseados noutros átomos poderão sê-lo. São os computadores. Eles vão espalhar-se pelos quatro cantos do universo e, colocados em rede daqui a milhares de milhões de anos, tornar-se-ão uma única entidade, onisciente e onipresente. Nascerá o grande computador universal. O
problema é que a sua sobrevivência será ameaçada pelo Big Crunch, não é? O grande computador universal ver-se-á então colocado perante este problema: como escapar ao fim do universo? A resposta vai emergir de forma terrível." Fez uma pausa. "Não há escapatória, o fim é inexorável."
"Então acaba-se tudo."
Tomás sorriu, malicioso.
"Não exatamente. Há uma maneira de o grande computador universal garantir que voltará a existir."
O criptanalista fez uma pausa, como se quisesse criar suspense.
"Qual?", quis saber o americano.
"O grande computador universal terá de controlar ao pormenor a forma como o Big Crunch irá ocorrer. Terá de controlar tudo segundo uma fórmula que lhe permita recriar o mesmo universo depois do Big Crunch, de modo a que tudo possa voltar a existir. Tudo, incluindo ele próprio."
"Recriar tudo?"
"Sim. O grande computador universal vai desaparecer com o Big Crunch, mas, entretanto, conceberá uma fórmula que lhe permitirá reaparecer no novo universo.
Essa fórmula implicará uma distribuição da energia com um rigor e afinação tais que, evoluindo depois de modo determinista segundo leis e constantes com valores devidamente definidos, permitirá que reapareça no novo universo a matéria, depois a vida e finalmente a inteligência, aplicando assim de novo o Princípio Antrópico."
"E que fórmula será essa?"
Tomás encolheu os ombros.
"Não sabemos, é algo de tão complexo que só uma superinteligência a poderá conceber. Mas a fórmula vai existir e a sua concepção está metaforicamente inscrita na Bíblia."
"Faça-se luz!", sussurrou Greg, os olhos azuis cintilando.
"Nem mais." Tomás sorriu. "Faça-se luz!" Inclinou a cabeça. "A fórmula de Deus."
"Espere um momento", cortou o americano, erguendo as mãos como quem pede um intervalo. "Você está a insinuar que Deus é um computador?"
"Toda a inteligência é computadorizada", devolveu o criptanalista num tom condescendente. "Isso foi uma coisa que eu aprendi com os físicos e os matemáticos."
Bateu com o dedo na testa. "Inteligência é computação. Os seres humanos, por exemplo, são uma espécie de computadores biológicos. Uma formiga é um computador biológico simples, nós somos mais complexos. Só isso."
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"Essa definição parece-me um pouco forte..."
Tomás encolheu os ombros.
"Ouça, se isso o incomoda não lhe chamemos grande computador universal, está bem? Chamemos-lhe... sei lá, chamemos-lhe... uh... inteligência criadora, grande arquiteto, entidade superior, o que você quiser. Não interessa o nome. O que interessa é que é essa inteligência que está na raiz de tudo."
"Estou a ver."
"Einstein concluiu que o universo existe para criar a inteligência que irá gerar o próximo universo. É esse o software do universo, é esse o endgame da existência.
Faça-se luz! é a metáfora bíblica para a fórmula da criação do universo, a fórmula que o grande computador universal irá enunciar quando ocorrer o Big Crunch, a fórmula que provocará um novo Big Bang e tudo irá recriar. Tudo, incluindo Deus. O objetivo último do universo é recriar Deus e nós não passamos de um instrumento desse ato."
Os olhos do americano dançaram entre Tomás e Ariana. Olhou para o rascunho que o criptanalista segurava com intensidade entre os dedos e compreendeu enfim o derradeiro segredo de Einstein — a revelação da existência de Deus, do propósito do universo, do desígnio da humanidade.
"Isso é... é incrível."
Tomás não respondeu. Abriu a porta do carro e espreitou para a rua. Já não chovia; uma aragem fresca acariciou-lhe o rosto, era leve e pura, quase perfumada de tão límpida. Pequenas poças de água espalhavam-se pelo passeio e pela estrada, cristalinas, refletindo como espelhos o céu denso, era como se a chuva tudo tivesse lavado. A manhã pintava-se de azul, serena e melancólica, respirando ao ritmo das bátegas de água que pingavam grossas das folhas e tombavam no solo húmido com estalidos molhados, quase musicais. A luz do sol espraiava-se com bonomia, filtrada suavemente pelas nuvens que se afastavam lá em cima, umas carregadas e pachorrentas, outras pálidas e ligeiras.