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O historiador endireitou-se cá fora, deu a mão a Ariana e ajudou-a a sair. Os seguranças americanos, que se tinham refugiado por baixo de um carvalho frondoso e ainda lacrimejante, aproximaram-se e interrogaram Greg com os olhos, como se pedissem instruções. O adido fez-lhes um sinal silencioso com a cabeça, estava tudo bem, e os homens descontraíram.

Antes de se afastar, Tomás voltou-se para a porta da limusina e encarou Greg uma derradeira vez.

"É estranho como durante tanto tempo a humanidade em geral intuiu a verdade intrínseca por detrás do universo", comentou. "Já reparou nisso?"

"O que quer você dizer?"

"Antes de morrer, o meu pai contou-me que os hindus consideram que tudo é cíclico. O universo nasce, vive, morre, entra na não-existência e volta a nascer, num ciclo infinito, num eterno retorno a que chamam a noite e o dia de Brahman. A história hindu da criação do mundo é a do ato pelo qual Deus se torna o mundo, o qual se torna Deus."

"Espantoso."

Tomás sorriu.

"É, não é?" Respirou fundo. "Ele recitou-me também um interessante aforismo de Lao Tzu, um poema taoísta que encerra o segredo do universo. Quer ouvir?"

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“Sim.”

Um súbito sopro de vento agitou os carvalhos, agreste e violento, arrancando folhas e vergastando os vultos sombrios que rodeavam a limusina molhada. Parecia agora que o céu uivava, ululando de modo quase sinistro, como se tentasse romper a doce brandura que se instalara depois da chuva, como se ameaçasse desencadear um novo e punitivo dilúvio, como se clamasse vingança por ver arrancado ali o seu mistério mais profundo.

Mas Tomás não se intimidou e recitou o poema como se ainda o escutasse dos lábios trêmulos do pai; recitou-o com fervor, com paixão, com a intensidade de quem sabe que encontrou o caminho e que percorrê-lo é o seu destino.

"No fim do silêncio está a resposta,

No fim dos nossos dias está a morte.

No fim da nossa vida, um novo início."

Um novo início.

Nota final

Quando o astrofísico Brandon Carter propôs, em 1973, o Princípio Antrópico, parte da comunidade científica mergulhou num intenso debate sobre a posição da humanidade no universo e o significado último da sua existência. Pois se o universo está afinado para nos criar, será que temos um papel a desempenhar no universo?

Quem concebeu esse papel? E, já agora, que papel será esse?

Foi com Copérnico que os cientistas passaram a acreditar que a existência dos seres humanos é irrelevante para o cosmos em geral, uma idéia que tem dominado o pensamento científico desde então. Mas, na década de 1930, Arthur Eddington e Paul Dirac notaram inesperadas coincidências envolvendo um número de enorme magnitude que começou a aparecer nos mais variados contextos da cosmologia e da física quântica, o estranho 10 elevado a 40.

A revelação de novas coincidências foi-se acumulando com o tempo. Descobriu-se que as constantes da natureza requeriam valores incrivelmente rigorosos para que o universo fosse como é e percebeu-se que a expansão do universo tinha de ser controlada até à mais ínfima ordem de grandeza para produzir o misterioso equilíbrio que possibilita a nossa existência. As descobertas foram-se multiplicando.

Compreendeu-se que as estruturas essenciais à vida, como o aparecimento de estrelas parecidas com o Sol ou o processo de produção de carbono, dependiam de uma espantosamente improvável sequência de acidentes consecutivos.

Que significado têm estas descobertas? A primeira constatação é que o universo foi concebido com a afinação adequada para, no mínimo, gerar vida. Mas esta conclusão suscita inevitavelmente um problema filosófico de suprema magnitude — a questão da intencionalidade da criação do universo.

Para contrariar a conclusão óbvia que se pode extrair destas descobertas, muitos cientistas defendem que o nosso universo é apenas um entre milhares de milhões de 354

universos, cada um com valores diferentes nas suas constantes, o que significa que estarão quase todos desprovidos de vida. Assim sendo, é apenas uma coincidência que o nosso universo esteja afinado para produzir vida —

a esmagadora maioria de universos não tem vida. O problema desta argumentação é que ela não é baseada em nenhuma observação ou descoberta. Nunca ninguém vislumbrou os menores traços da existência de outros universos nem remotos vestígios de diferentes valores das constantes da natureza. Ou seja, a hipótese dos multiuniversos assenta justamente naquilo que a ciência mais critica no pensamento não científico — a fé.

Poder-se-á dizer o mesmo da tese de fundo deste romance? A idéia de um universo cíclico, pulsando ao ritmo de sucessivos Big Bang e Big Crunch, encontra-se inscrita em várias cosmologias místicas, incluindo a hindu, mas, no campo científico, foi pela primeira vez aventada por Alexander Friedmann e desenvolvida separadamente por Thomas Gold e John Wheeler. Esta teoria depende, claro, de uma premissa essencial — a de que o universo não acabará no Big Freeze, mas no Big Crunch. A observação de uma aceleração da expansão do universo indicia um Big Freeze, mas há bons motivos para acreditar que essa aceleração é temporária e que o Big Crunch permanece viável.

É certo que, neste romance, estamos a levantar uma hipótese ainda mais arrojada, que depende da premissa do universo cíclico mas vai para além dela. Trata-se da possibilidade de o cosmos estar organizado de modo a criar vida, sem que a vida seja um fim em si mesmo, mas um meio para permitir o desenvolvimento da inteligência e da consciência, as quais, por seu turno, se tornariam instrumentos que viabilizariam o endgame último do universo: a criação de Deus. O universo revelar-se-ia então um imenso programa cíclico elaborado pela inteligência do universo anterior com o objetivo de assegurar o seu regresso no universo seguinte.

Embora especulativa, esta possibilidade do universo pulsante bate certo com certas descobertas científicas feitas pelo homem. É verdade que não existe a menor prova de que antes do nosso universo houve outro universo que acabou num Big Crunch. Se existiram outros universos antes do nosso, e isso é possível, o facto é que o Big Bang apagou todas as provas. Os traços do último Ômega foram rasurados pelo nosso Alfa. Mas o facto é que algo provocou o Big Bang. Algo que não sabemos o que é. Estamos então a falar de uma mera possibilidade — mas de uma possibilidade que, embora metafísica, assenta numa hipótese admitida pela física.

Aos que têm dúvidas sobre a base científica desta hipótese, sugiro que consultem a bibliografia a que recorri de modo a sustentar a tese de fundo do romance. Para as questões relacionadas com o Princípio Antrópico e a expansão da inteligência pelo cosmos foram imprescindíveis The Anthropic Cosmological Principie, de John Barrow e Frank Tipler; The Physics of Immortality, de Frank Tipler; The Constants of Nature, de John Barrow; e The Accidental Universe, de Paul Davies. Para as conclusões constantes no imaginário Die Gottesformel, baseei-me em The Science of God, de Gerald Schroeder. Para informação científica geral ou outros pormenores científicos abordados por este romance, destaque para Theories of the Universe, de Gary Moring; Universe, de Martin Rees; The Meaning of Relativity, de Albert Einstein; The Evolution of Physics, de Albert Einstein e Leopold Infeld; The Physical Principies of the Quantum Theory e La nature dans la physique contemporaine, de Werner Heisenberg; Chaos, de James Gleick; The Essence of Chaos, de Edward Lorenz; Introducing Chaos, de Ziauddin Sardar e Iwona Abrams; O Caos e a Harmonia, de Trinh Xuan Thuan; Chaos and Nonlinear Dynamics, de Robert Hilborn; Sync, de Steven Strogatz; The Mind of God e God and the New Physics, de Paul Davies; The Tao of Physics, de Fritjof Capra; Introducing Time, de Craig Callender e Ralph Edney; A Short History of Nearly 355