Entendeu isto?"
"Sim."
"Good boy." Bellamy considerou por momentos o modo como explicaria o passo seguinte. Voltou a cabeça para a janela e observou o Sol prestes a esconder-se para lá dos edifícios recortados no horizonte. "Repare no Sol. Por que razão ele brilha e irradia calor?"
"São explosões nucleares, não é?"
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"Parecem, claro. Na verdade não são explosões, mas movimentos de um plasma cuja origem última se encontra em reações nucleares que ocorrem no núcleo. Sabe o que quer dizer reações nucleares?"
Tomás encolheu os ombros.
"Uh... sinceramente, não sei."
"Os físicos estudaram o problema e descobriram que, sob determinadas condições, era possível libertar a energia da força forte que se encontra no núcleo dos átomos. Consegue-se isso através de dois processos, a cisão e a fusão do núcleo. Ao partir-se um núcleo ou ao fundirem-se dois núcleos, a tremenda energia da força forte que une o núcleo é libertada. Devido à ação dos neutrões, os outros núcleos próximos vão também sendo quebrados, soltando ainda mais energia da força forte e provocando assim uma reação em cadeia. Ora, você já viu quão brutalmente forte é esta força forte, não viu? Agora imagine o que acontece quando a sua energia é libertada em grande quantidade."
"Há uma explosão?"
"Há uma libertação da energia dos núcleos dos átomos, onde está a força forte.
Chamamos-lhe, por isso, uma reacção nuclear."
Tomás abriu a boca.
"Ah!", exclamou. "Já entendi."
O americano voltou a contemplar a esfera alaranjada que se deitava sobre os telhados cor de tijolo de Lisboa.
"É isso o que se passa no Sol. A fusão nuclear. Os núcleos dos átomos vão sendo fundidos, libertando-se assim a energia da força forte." Os olhos azuis regressaram aos verdes de Tomás. "Sempre se pensou que isto era algo só produzível pela natureza.
Mas em 1934 houve um cientista italiano com quem trabalhei em Los Alamos, chamado Enrico Fermi, que bombardeou urânio com neutrões. A análise dessa experiência permitiu descobrir que o bombardeamento produziu elementos mais leves do que o urânio. Mas como era isso possível? A conclusão foi a de que o bombardeamento quebrara o núcleo do urânio, ou, por outras palavras, provocara a sua cisão, permitindo assim a formação de outros elementos. Percebeu-se deste modo que era possível libertar artificialmente a energia da força forte, não através da fusão dos núcleos, como acontece no Sol, mas através da sua cisão."
"E é isso a bomba atômica."
"Nem mais. No fundo, a bomba atômica consiste na libertação em cadeia da energia da força forte através da cisão do núcleo dos átomos. Em Hiroxima foi usado o urânio para obter esse efeito, em Nagasáqui recorremos ao plutônio. Só mais tarde a bomba de hidrogênio pôs fim ao recurso à cisão dos núcleos, passando antes a usar a fusão dos núcleos, como acontece no interior do Sol."
Frank Bellamy calou-se, recostou-se de novo na cadeira e engoliu todo o café que lhe restava na
chávena. Depois cruzou os dedos das mãos e descontraiu. Parecia ter terminado a sua exposição, o que deixou Tomás algo confuso. O silêncio prolongou-se por uns trinta segundos, tornando-se primeiro desconfortável, depois verdadeiramente insustentável.
"Foi para me contar isso que veio a Lisboa falar comigo?", perguntou o historiador por fim, desconcertado.
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"Sim", assentiu o americano glacial, a voz rouca sempre pausada. "Mas isto é apenas uma introdução. Como chefe do Directorate of Science and Technology da CIA, uma das minhas preocupações é vigiar a não-proliferação de tecnologia nuclear. Há vários países do Terceiro Mundo que estão a desenvolver esta tecnologia e, em alguns casos, isso deixa-nos francamente preocupados. O Iraque de Saddam Hussein, por exemplo, tentou fazê-lo, mas os israelitas arrasaram as suas instalações. Neste momento, no entanto, a nossa atenção está voltada para outro país." Retirou um pequeno mapa do bloco de notas e assinalou um ponto. "Este aqui."
Tomás inclinou-se sobre a mesa e observou o ponto assinalado.
"O Irã?"
O homem da CIA assentiu com a cabeça.
"O projeto nuclear iraniano começou no tempo do Xá, quando Teerã tentou instalar um reator nuclear em Bushehr, com a assistência de cientistas alemães. A Revolução Islâmica, em 1979, levou os alemães a suspenderem o projecto, e os ayatollahs, depois de um período em que se opuseram a toda e qualquer modernização do país, decidiram recorrer à ajuda russa para terminar a construção do reator. Só que, entretanto, a Rússia aproximou-se dos Estados Unidos e foi possível convencer os russos a suspenderem o fornecimento de lasers que poderiam ser usados para enriquecer o urânio do seu estado natural para o estado de uso militar. Também a China foi persuadida a suspender a cooperação neste domínio e as coisas pareciam controladas. Mas, no final de 2002, esta ilusão desfez-se. Verificou-se nessa altura que, bem pelo contrário, a situação estava, na realidade, descontrolada." Analisou de novo o mapa. "Descobrimos duas coisas muito perturbadoras." Pôs o dedo num ponto do mapa a sul de Teerã. "A primeira foi que os iranianos construíram aqui em Natanz, em segredo, instalações destinadas a enriquecer urânio com recurso a centrifugadoras de alta velocidade. Se forem ampliadas, estas instalações poderão produzir urânio enriquecido em quantidades suficientes para fabricar uma bomba atómica do estilo de Hiroxima." O
dedo deslizou para outro ponto do mapa, mais a oeste. "A segunda descoberta foi a da construção de instalações aqui em Arak para a produção de água pesada, uma água com deutério usada nos reatores concebidos para criarem plutônio, o material da bomba de Nagasáqui. Ora, a água pesada não é necessária nas instalações nucleares que os russos estão a construir para os iranianos em Bushehr. Se não é necessária para aí, é necessária para quê? Estas instalações de Arak sugerem que existem outras instalações não declaradas, o que consideramos muito inquietante."
"Mas não poderão vocês estar a fazer uma tempestade num copo de água?", perguntou Tomás. "Neste caso, seria um copo de água pesada, claro." Sorriu com o trocadilho. "Afinal de contas, pode ser tudo para uso pacífico da energia nuclear..."
Frank Bellamy olhou-o com desagrado, olhou-o como alguém olha para um idiota.
"Uso pacífico?" Os olhos azuis quase cintilaram, pareciam lâminas frias. "O uso pacífico da energia atômica, caro professor, resume-se à construção de centrais para produção de eletricidade. Ora, o Irã é o maior produtor mundial de gás natural e o quarto maior produtor mundial de petróleo. Por que motivo precisam os iranianos de produzir eletricidade por meios nucleares se o podem fazer de modo muito mais barato e rápido com recurso às suas enormes reservas de gás natural ou de combustíveis fósseis? E, já agora, por que razão andam os iranianos a construir centrais nucleares às escondidas? Para que precisam eles de produzir água pesada, uma substância só necessária para a criação de plutônio?" Fez uma pausa, deixando as perguntas pairarem no ar. "Meu caro professor, não sejamos ingênuos. O programa nuclear 39
pacífico do Irã não passa de uma fachada, uma capa que esconde a construção de instalações destinadas a apoiar o verdadeiro objetivo de todo este exercício: o programa iraniano de armamento nuclear." Manteve os olhos presos em Tomás.