"Percebeu?"
Tomás parecia um aluno bem-comportado, quase aterrorizado diante de um professor maldisposto.
"Sim, sim, percebi."
"A questão é descobrir onde foi o Irã buscar a tecnologia que lhe permitiu chegar já tão longe?" Ergueu dois dedos. "Há duas hipóteses. A primeira é a Coréia do Norte, que obteve do Paquistão informações sobre como enriquecer urânio através de centrifugadoras. Sabemos que a Coréia do Norte vendeu mísseis No-Dong ao Irã e é possível que, no mesmo pacote, tenha vendido a tecnologia nuclear de origem paquistanesa. A segunda hipótese é a do Paquistão ter feito diretamente essa venda.
Apesar de se tratar de um país supostamente pró-americano, muitos governantes e militares paquistaneses partilham com os iranianos uma visão islâmica fundamentalista do mundo e não é difícil imaginar que lhes tenham dado uma ajudinha às escondidas."
Tomás consultou discretamente o relógio. Eram seis e dez. Já ali se encontrava havia mais de duas horas e começava a sentir-se cansado.
"Desculpe, mas já se vai fazendo tarde", disse, meio a medo. "Pode-me explicar o motivo pelo qual precisa de mim?"
O homem da CIA tamborilou os dedos no mogno polido da mesa.
"Claro que posso", disse, muito baixinho. Olhou para Don Snyder. Durante toda a exposição, o analista permaneceu sempre muito calado, quase invisível. "Don, já falaste aqui ao nosso amigo sobre o Aziz al-Mutaqi?"
"Yes, mister Bellamy."
Sempre o mesmo tom deferente.
"Já lhe explicaste que o Aziz é um operacional da Al-Muqawama al-Islamiyya?"
“Yes, mister Bellamy."
"E explicaste-lhe que a Al-Muqawama al-Islamiyya é o braço armado do Hezbollah?"
"Yes, mister Bellamy."
"E explicaste-lhe quem é o principal financiador do Hezbollah?"
"No, mister Bellamy."
Um leve cintilar perpassou-lhe no olhar azul.
"Ah!", exclamou. "Não lhe explicaste isso."
"No, mister Bellamy."
O homem da expressão glacial voltou a sua atenção para Tomás.
"O senhor não sabe ainda quem financia o Hezbollah?"
"Eu?", perguntou o português. "Não."
"Diz-lhe, Don."
"É o Irã, mister Bellamy."
40
Tomás considerou, por momentos, esta nova informação e as respectivas repercussões.
"O Irã, é?", repetiu o português. "E isso significa o quê?"
Bellamy voltou a dirigir-se a Snyder, mas sempre sem tirar os olhos do historiador.
"Don, falaste-lhe no professor Siza?"
"Yes, mister Bellamy."
"Disseste-lhe onde esteve o professor Siza a estudar quando era novo?"
"No, mister Bellamy."
"Então diz-lhe."
"Esteve a estagiar no Institute for Advanced Study, mister Bellamy."
Bellamy dirigiu-se agora a Tomás.
"Percebeu?"
"Uh... não."
"Don, onde se localizava o instituto onde o professor Siza estagiou?"
"Princeton, mister Bellamy."
"E qual o maior cientista que lá trabalhava?"
"Albert Einstein, mister Bellamy."
O homem da CIA ergueu o sobrolho na direção de Tomás.
"Percebeu agora?"
O português passou a mão pelo queixo, avaliando as implicações de todos estes novos dados.
"Estou a ver", disse. "Mas o que significa isso tudo?"
Frank Bellamy respirou pesadamente.
"Significa que há aqui um conjunto de fucking boas perguntas para fazer."
Ergueu o polegar esquerdo. "Primeira pergunta, o que estão os cabelos do Aziz al-Mutaqi a fazer no escritório da casa do maior físico existente em Portugal?" Levantou o indicador. "Segunda pergunta, onde está o professor Siza, que estagiou em Princeton no mesmo instituto onde trabalhava Einstein?" Agora o dedo do meio. "Terceira pergunta, por que motivo uma organização como o Hezbollah precisa de raptar este físico em particular?" O dedo seguinte. "Quarta pergunta, o que sabe o professor Siza sobre a encomenda feita por Ben Gurion a Einstein para conceber uma arma nuclear de fabrico simples e barato?" O dedo mindinho. "Quinta pergunta, será que o Irã está a usar o Hezbollah para encontrar uma nova forma de desenvolver armas nucleares?"
Tomás remexeu-se no seu assento.
"Suspeito que o senhor já tem respostas para todas essas perguntas."
"Você é um fucking gênio", devolveu Bellamy, sem mexer um músculo do rosto.
O português ficou a aguardar o ato seguinte, mas nada aconteceu. Frank Bellamy permaneceu de olhos espetados em si, sem emitir qualquer palavra, apenas deixando ouvir a respiração arfada. Greg Sullivan tinha a atenção colada à madeira da mesa, fingindo-se absorvido com algo de importante que ali decorria; e Don Snyder aguardava ordens, o lap-top ainda aberto.
41
"Bem... se já tem as respostas", gaguejou Tomás, "uh... quaisquer que elas sejam, o que... uh... o que espera de mim?"
O homem do olhar gelado demorou a responder.
"Mostra-lhe a miúda, Don", acabou por murmurar.
Snyder dedilhou apressadamente o teclado do computador.
"Está aqui, mister Bellamy", disse, voltando o ecrã para o outro lado da mesa.
"Reconhece esta senhora?", perguntou Bellamy a Tomás.
O historiador espreitou o ecrã e viu a bela mulher dos cabelos negros e olhos castanho-amarelados.
"Ariana", exclamou. Mirou Bellamy. "Não me diga que ela está metida nisto..."
O homem do olhar azul virou-se para o rapaz do lap-top.
"Don, explica aqui ao nosso amigo quem é essa senhora."
Snyder consultou a ficha colocada ao lado da imagem no ecrã.
"Ariana Pakravan, nascida em 1966 em Isfahan, Irã, filha de Sanjar Pakravan, um dos cientistas iranianos originalmente envolvidos no projeto de Bushehr. Ariana estava em Paris a estudar num colégio quando eclodiu a Revolução Islâmica.
Doutorou-se em física nuclear na Sorbonne e casou com o químico francês, Jean-Marc Ducasse, de quem se divorciou em 1992. Não tem filhos. Regressou ao seu país em 1995 e foi colocada no Ministério da Ciência diretamente sob as ordens do ministro Bozorgmehr Shafaq."
"Exatamente o que ela me disse", apressou-se Tomás a adiantar, feliz por não ter sido enganado.
Frank Bellamy pestanejou.
"Ela contou-lhe tudo isso?"
O historiador riu-se.
"Não, claro que não. Mas o pouco que me contou bate certo com esse... enfim...
com esse currículo."
"Ela contou-lhe que trabalha no Ministério da Ciência?"
"Sim, contou."
"E contou-lhe que é uma deusa na cama?"
Foi a vez de Tomás pestanejar.
"Perdão?"
"Ela contou-lhe que é uma deusa na cama?"
"Uh... receio que a conversa não tenha chegado a esse ponto", gaguejou, atrapalhado. Hesitou. "E é?"
Bellamy manteve o rosto imóvel durante alguns segundos, mas um ligeiro movimento no canto dos lábios traiu o que parecia ser o princípio de um sorriso.
"O ex-marido disse-nos que sim."
Tomás riu-se.
"Afinal, ela não me contou tudo."
42
O homem da CIA não devolveu a gargalhada. Comprimiu os lábios e estreitou os olhos frios.
"O que lhe queria ela?"
"Oh, nada de especial. Contratou-me para a ajudar a decifrar um documento antigo."
"Um documento antigo? Que documento antigo?"
"Um inédito de... uh... Einstein."
Logo no instante em que pronunciou o nome do célebre cientista, Tomás arregalou os olhos. Que coincidência, pensou. Um documento de Einstein. Mas, cogitou de imediato, seria mesmo coincidência? Que ligação teria isso com o resto?
"E você aceitou?"
"Hã?"
"E você aceitou?"
"Aceitei o quê?"
Bellamy fez um estalido impaciente com a língua.