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Logo que os homens do FBI abandonaram a casa, Bellamy colou o nariz à janela e voltou a observar os dois judeus sentados à conversa no jardim da casa em frente.

"Ainda está a gravar, Bob?"

"Sim", disse o outro. "A conversa entrou agora numa fase crucial. Vou pôr mais alto."

Bob girou o botão do volume e as duas vozes encheram de novo a sala.

"... defesa de Israel", disse Ben Gurion, obviamente a concluir uma frase.

"Não sei se posso fazer isso", retorquiu Einstein.

"Não pode ou não quer, professor?"

Fez-se um curto silêncio.

"Eu sou pacifista, como sabe", recomeçou Einstein. "Acho que já existem demasiadas desgraças no mundo e que andamos a brincar com o fogo. Este é um poder que temos de respeitar e não sei se possuímos maturidade suficiente para lidar com ele."

"E, no entanto, foi o senhor quem convenceu Roosevelt a desenvolver a bomba."

"Foi diferente."

"Em quê?"

"A bomba era para combater Hitler. Mas, sabe, já me arrependi de ter convencido o presidente a fabricá-Ia."

“Ah, sim? E se os nazis a tivessem desenvolvido primeiro? O que aconteceria então?"

"Pois", concordou Einstein, hesitante. "Teria sido catastrófico, não é? Se calhar, e por muito que me custe, a construção da bomba foi mesmo um mal necessário."

"Então está-me a dar razão."

"Estou?"

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"Está, pois. O que lhe peço pode voltar a ser um mal necessário para garantir a sobrevivência da nossa jovem nação. O que eu quero dizer é que o senhor já suspendeu o seu pacifismo quando da Segunda Guerra Mundial e fê-Io novamente para ajudar Israel a nascer. Preciso de saber se o pode voltar a fazer."

"Não sei."

Ben Gurion suspirou.

"Professor, a nossa jovem nação encontra-se em perigo de morte. O senhor sabe tão bem quanto eu que Israel está rodeada de inimigos e que precisa de um dissuasor eficaz, algo que faça os nossos inimigos recuarem. Caso contrário, o país será engolido ainda na infância. É por isso que eu lhe peço, que eu lhe rogo, que eu lhe imploro encarecidamente. Por favor, suspenda mais uma vez o seu pacifismo e ajude-nos nesta hora difícil."

"O problema não é só esse, senhor primeiro-ministro."

"Então?"

"O problema é que eu ando muito ocupado. Estou a tentar conceber uma teoria unificada dos campos, que englobe a gravidade e o eletromagnetismo. É um trabalho muito importante, talvez mesmo o mais..."

"Vá lá, professor", atalhou Ben Gurion. "Tenho a certeza de que o senhor percebe a prioridade do que lhe estou a dizer."

"Sem dúvida", admitiu o cientista. "Mas falta saber se o que o senhor me pede pode ser feito."

"E pode?"

Einstein hesitou.

"Talvez", disse por fim. "Não sei, terei de estudar ocaso."

"Faça isso, professor. Faça isso por nós, faça isso por Israel.“ Frank Bellamy escreveu apressadamente as suas notas e, quando terminou, deitou um novo olhar para as agulhas. Os ponteiros vermelhos tremelicavam no mostrador ao ritmo do som, o que significava que as palavras estavam todas a ser gravadas.

Bob permanecia atento ao que era dito, mas acabou por balançar a cabeça.

"Acho que temos o essencial", observou. "Paro a gravação?'“

"Não", disse Bellamy. "Continua a gravar."

"Mas eles já mudaram de tema."

"Não faz mal. Podem regressar à mesma questão daqui a um bocado.

Continua a gravar.”

"... várias vezes, eu não tenho uma imagem convencional de Deus, mas custa-me a acreditar que nada exista para além da matéria", disse Ben Gurion. "Não sei se me faço entender."

"Muito bem."

"Repare", insistiu o político. "O cérebro é feito de matéria, tal como uma mesa.

Mas a mesa não pensa. O cérebro é parte de um organismo vivo, tal como as minhas 6

unhas, mas as minhas unhas não pensam. E o meu cérebro, se for separado do corpo, também não pensa. É o conjunto do corpo com a cabeça que permite pensar. O que me leva a levantar a possibilidade de o universo ser, todo ele, um corpo pensante. Não acha isso?"

"É possível."

"Sempre ouvi dizer que o senhor era ateu, professor, mas não acha..."

"Não, não sou ateu."

"Não é? O senhor é religioso?"

"Sim, sou. Pode dizer isso."

"Mas eu li algures que o senhor acha que a Bíblia está errada..."

Einstein riu-se.

"Pois acho."

"Então significa que não acredita em Deus."

"Significa que eu não acredito no Deus da Bíblia."

"Qual é a diferença?"

Ouviu-se um suspiro.

"Sabe, na minha infância eu era um menino muito religioso. Mas, aos doze anos, comecei a ler livros científicos, daqueles popularuchos, não sei se conhece... “

"Sim...“

"... e cheguei à conclusão de que a maior parte das histórias da Bíblia não passavam de narrativas míticas. Deixei de ser um crente quase de um dia para o outro. Pus-me a pensar bem no assunto e apercebi-me de que a idéia de um Deus pessoal é um bocado ingênua, infantil até."

"Por quê?"

"Porque se trata de um conceito antropomórfico, uma fantasia criada pelo homem para tentar influenciar o seu destino e buscar consolo nas horas difíceis. Como nós não podemos interferir com a natureza, criamos esta idéia de que ela é gerida por um Deus benevolente e paternalista que nos ouve e que nos guia. É uma idéia muito reconfortante, não lhe parece? Criamos a ilusão de que, se rezarmos muito, conseguiremos que Ele controle a natureza e satisfaça os nossos desejos, assim por artes mágicas. Quando as coisas correm mal, e como não compreendemos que um Deus tão benevolente o tenha permitido, dizemos que isso deve obedecer a um qualquer desígnio misterioso e ficamos assim mais confortados. Ora, isso não faz sentido, não lhe parece?"

"Não acredita que Deus se preocupe conosco?"

"Repare, senhor primeiro-ministro, nós somos uma de entre milhões de espécies que ocupam o terceiro planeta de uma estrela periférica de uma galáxia mediana com milhares de milhões de estrelas, e essa galáxia é, ela própria, uma de entre milhares de milhões de galáxias que existem no universo. Como quer que eu acredite num Deus que se dá ao trabalho de, nesta imensidão de proporções inimagináveis, se preocupar com cada um de nós?"

"Bem, a Bíblia diz que Ele é bom e é onipotente. Se é onipotente, pode fazer tudo, incluindo preocupar-se com o universo e com cada um de nós, não é?"

Einstein bateu com a palma da mão no joelho.

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"Ele é bom e onipotente, é? Ora aí está uma idéia absurda! Se Ele é de fato bom e onipotente, como pretende a Bíblia, por que razão permite a existência do mal? Por que razão deixou que ocorresse o Holocausto, por exemplo? Se for a ver bem, os dois conceitos são contraditórios, não são? Se Deus é bom, não pode ser onipotente, uma vez que não consegue acabar com o mal. Se Ele é onipotente, não pode ser bom, uma vez que permite a existência do mal. Um conceito exclui o outro. Qual é o que prefere?"

"Uh... talvez o conceito de que Deus é bom, acho.“

“Mas esse conceito tem muitos problemas, já reparou? Se ler a Bíblia com atenção, irá reparar que ela não transmite a imagem de um Deus benévolo, mas antes de um Deus ciumento, um Deus que exige fidelidade cega, um Deus que causa temor, um Deus que pune e sacrifica, um Deus capaz de dizer a Abraão para matar o filho só para ter a certeza de que o patriarca Lhe era fiel. Pois se Ele é onisciente, não sabia já que Abraão Lhe era fiel? Para que, sendo Ele bom, esse teste tão cruel? Portanto, não pode ser bom."

Ben Gurion soltou uma gargalhada.