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"Ah, sim", exclamou Manuel, recuperando o fio do raciocínio. "Achas que os computadores não podem ter emoções, não é?"

"É. Nem emoções nem consciência."

"Pois estás muito enganado." Inspirou fundo, normalizando a respiração. "Sabes, as emoções e a consciência resultam de se atingir um determinado grau de inteligência. Ora, o que é a inteligência? Hã?"

"A inteligência é a capacidade de fazer raciocínios complexos, acho eu."

"Exato. Ou seja, a inteligência é uma forma de elevada complexidade. E não é preciso atingir-se o grau da inteligência humana para se criar a consciência. Por exemplo, os cães são muito menos inteligentes do que os homens, mas, se perguntares ao dono de um cão se o seu cão tem emoções e consciência das coisas, ele dir-te-á, sem hesitar, que sim. O cão tem emoções e consciência. Logo, as emoções e a 56

consciência são mecanismos que emergem a partir de um determinado grau de complexidade de inteligência."

"Portanto, o pai acha que os computadores, se atingirem esse grau de complexidade, tornar-se-ão emotivos e conscientes?"

"Sem dúvida."

"Custa-me a acreditar nisso."

"Custa-te a ti e custa à maior parte das pessoas que não está dentro do problema. A idéia de máquinas possuírem consciência parece chocante ao comum dos mortais. E, no entanto, a maior parte dos cientistas que lida com este problema acredita ser possível tornar consciente uma mente simulada."

"Mas o pai acha que é mesmo possível tornar um computador inteligente? Acha que é possível que ele pense por si só?"

"Claro que é. Aliás, os computadores já são inteligentes. São mais inteligentes do que uma minhoca, por exemplo." Ergueu o dedo. "Não são é tão inteligentes como os seres humanos, mas são mais inteligentes do que uma minhoca. Ora, o que é que separa a inteligência do ser humano da inteligência da minhoca? A complexidade. O

nosso cérebro é muito mais complexo do que o da minhoca. Obedece aos mesmos princípios, ambos têm sinapses e ligações, só que o cérebro humano é incomensuravelmente mais complexo do que o da minhoca." Bateu na parte lateral da cabeça. "Tu sabes o que é um cérebro?"

"É o que temos cá dentro do crânio."

"Um cérebro é uma massa orgânica que funciona exatamente como um circuito eléctrico. Em vez de ter fios, tem neurônios, em vez de ter chips, tem miolos, mas é precisamente a mesma coisa. O seu funcionamento é determinista. As células nervosas disparam um impulso elétrico em direcção ao braço com uma determinada ordem, segundo um padrão de correntes elétricas pré-definidas. Um diferente padrão produziria a emissão de um diferente impulso. Exatamente como um computador. O

que eu quero dizer é que, se nós conseguirmos tornar o cérebro do computador muito mais complexo do que é atualmente, poderemos pô-lo a funcionar ao nosso nível."

"E é possível torná-los tão inteligentes quanto os seres humanos?"

"Em teoria, nada o impede. Repara, os computadores já batem os seres humanos na velocidade de cálculo. Onde eles apresentam enormes deficiências é na criatividade. Um dos pais dos computadores, um inglês chamado Alan Turing, estabeleceu que, no dia em que conseguirmos manter com um computador uma conversa exatamente igual à que teríamos com qualquer outro ser humano, então é porque o computador pensa, é porque o computador tem uma inteligência ao nosso nível."

Tomás adptou uma expressão cética.

"Mas isso é mesmo possível?"

"Bem... uh... é verdade que, durante muito tempo, os cientistas acharam que não, devido a um complicado problema matemático." Tossiu. "Sabes, nós, os matemáticos, sempre acreditamos que Deus é um matemático e que o universo está estruturado segundo equações matemáticas. Essas equações, por mais complexas que pareçam, são todas elas resolúveis. Se não se consegue resolver uma equação, isso não se deve ao fato de ela ser irresolúvel, mas às limitações do intelecto humano em resolvê-la."

"Não estou a ver onde quer chegar..."

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"Já vais perceber", prometeu o pai. "A questão dos computadores poderem ou não adquirir consciência está ligada a um dos problemas da matemática, a questão dos paradoxos autoreferenciais. Por exemplo, repara no que eu vou dizer. Eu só digo mentiras. Notas aqui alguma anomalia?"

"Em quê?"

"Nesta frase que eu acabei de formular. Eu só digo mentiras."

Tomás soltou uma gargalhada.

"É uma grande verdade."

O pai olhou-o com ar condescendente.

"Ora aí está. Se é verdade que eu só digo mentiras, então, tendo dito uma verdade, eu não digo só mentiras. Se a frase é verdadeira, ela própria contém uma contradição dentro de si." Agitou as sobrancelhas, satisfeito consigo próprio. "Durante muito tempo, pensou-se que este era um mero problema semântico, resultante das limitações da língua humana. Mas, quando este enunciado foi transposto para uma formulação matemática, a contradição manteve-se. Os matemáticos passaram muito tempo a tentar resolver o problema, sempre na convicção de que ele era resolúvel.

Essa ilusão foi desfeita em 1931 por um matemático chamado Kurt Gódel, que formulou dois teoremas,

chamados da Incompletude. Os teoremas da Incompletude são considerados um dos maiores feitos intelectuais do século XX e deixaram os matemáticos em estado de choque." Hesitou. "É um pouco complicado explicar em que consistem estes teoremas, mas é importante que fiques com..."

"Tente."

"Tento o quê? Explicar os teoremas da Incompletude?"

"Sim."

"Não é fácil", disse, abanando a cabeça. Encheu o peito de ar, como se procurasse ganhar coragem. "A questão essencial é que Gódel provou que não existe nenhum procedimento geral que demonstre a coerência da matemática. Há afirmações que são verdadeiras, mas não são demonstráveis dentro do sistema. Esta descoberta teve profundas consequências, ao revelar as limitações da matemática, expondo assim uma sutileza desconhecida na arquitetura do universo."

"Mas o que tem isso a ver com os computadores?"

"É muito simples. Os teoremas de Gódel sugerem que, por mais sofisticados que sejam, os computadores vão sempre enfrentar limitações. Apesar de não conseguir mostrar a coerência de um sistema matemático, o ser humano consegue perceber que muitas afirmações dentro do sistema são verdadeiras. Mas o computador, colocado perante tal contradição irresolúvel, bloqueará. Logo, os computadores jamais serão capazes de igualar os seres humanos."

"Ah, já percebi", exclamou Tomás. Fez um ar satisfeito. "Então o pai está-me a dar razão..."

"Não necessariamente", disse o velho matemático. "A grande questão é que nós podemos apresentar ao computador uma fórmula que sabemos ser verdadeira, mas que o computador não pode provar que é verdadeira. É verdade. Mas também é verdade que o computador nos pode fazer o mesmo. A fórmula só não é demonstrável para quem está a trabalhar dentro do sistema, entendes? Quem estiver fora do sistema consegue provar a fórmula. Isso é válido para um computador como para um 58

ser humano. Conclusão: é possível um computador ser tão ou mais inteligente quanto as pessoas."

Tomás suspirou.

"Tudo isso para provar o quê?"

"Tudo isso para te provar que não passamos de computadores muito sofisticados.

Achas que os computadores podem vir a ter alma?"

"Que eu saiba, não."

"Então, se nós somos computadores muito sofisticados, também não podemos ter. A nossa consciência, as nossas emoções, tudo o que sentimos é resultado da sofisticação da nossa estrutura. Quando morrermos, os chips da nossa memória e da nossa inteligência irão desaparecer e nós apagamo-nos." Respirou fundo e encostou-se na cadeira. "A alma, meu querido filho, não passa de uma invenção, de uma maravilhosa ilusão criada pelo nosso ardente desejo de escaparmos à inevitabilidade da morte."