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Sentou-se na cama e consultou o folheto plastificado do Simorgh, enumerando os serviços de luxo para os clientes; os principais eram a banheira de hidromassagens, o ginásio e uma piscina, com horários rotativos para homens e mulheres. Inclinou-se e abriu a porta do minibar. Viam-se garrafas de água mineral e refrigerantes, incluindo Coca-Cola; mas o que verdadeiramente o alegrou foi a imagem de uma lata de cerveja da marca Delster, coberta por gotas de água gelada. Sem esperar mais, encetou a lata e engoliu a cerveja.

"Porra."

Quase vomitou o líquido; não sabia a cerveja, tinha antes o néctar da sidra. E, previsivelmente, não continha álcool.

O telefone tocou.

"Hello"', atendeu Tomás.

"Hello?", devolveu uma voz masculina do outro lado. "Professor Tomás Noronha?"

"Yes?"

"É um prazer estar no Irã?"

"Como?"

"É um prazer estar no Irã?"

"Ah", compreendeu Tomás. "Uh... venho fazer muitas compras."

"Very well", devolveu a voz, satisfeita por escutar aquela frase. "Vemo-nos amanhã?"

"Se eu puder, sim."

"Tenho bons tapetes para si."

"Sim, sim."

"A bom preço."

"Está bem."

"Estarei à sua espera."

Click.

Tomás ficou um longo momento com o telefone pendurado na mão, mirando o bocal, reconstituindo a conversa, relembrando cada palavra, interpretando a entoação das frases. O homem do outro lado da linha falara inglês com um forte sotaque local, 62

não havia dúvidas de que se tratava de um iraniano. Faz sentido, reflectiu o historiador, balouçando levemente a cabeça. Faz sentido. É lógico que o homem da CIA em Teerã teria de ser um iraniano.

Quando a porta do elevador se abriu e Tomás saiu para o lobby do hotel, já Ariana o aguardava, sentada num sofá, junto a um grande vaso, uma chávena de chay de ervas sobre a mesa. A iraniana vestia um hejab diferente, com umas calças largas a flutuarem-lhe nas pernas altas, uma maqna'e colorida sobre a cabeça e um manto de seda a cobrir-lhe o corpo curvilíneo.

"Vamos?"

Desta vez circularam por Teerã num carro com motorista, um homem calado, de cabelo curto e boné na cabeça. Ariana explicou que a avenida onde se situava o hotel, a Valiasr, se prolongava por vinte quilômetros, desde o sul pobre até ao início das Alborz, atravessando o abastado norte da cidade; a Valiasr constituía o eixo em torno do qual se erguera a moderna Teerão, o lugar dos cafés da moda, dos restaurantes de luxo e dos edifícios diplomáticos.

Levaram tempo a cruzar a urbe e a atingir o sopé das montanhas. O automóvel escalou a encosta rochosa e entrou num jardim paisagístico, protegido por árvores altas. Por detrás erguia-se a parede escarpada das Alborz, lá em baixo estendia-se o formigueiro barrento do casario de Teerão, à direita o sol adquiria o tom alaranjado do crepúsculo.

Estacionaram no jardim e Ariana levou Tomás a um edifício com enormes janelas e rodeado de varandas; era um restaurante turco. O estabelecimento tinha sido erguido num local privilegiado, dispondo de uma magnífica vista da cidade, que apreciaram por momentos; com o lusco-fusco a abater-se sobre o vale, porém, a brisa começou a soprar fria e não se detiveram mais tempo por ali.

Uma vez dentro do restaurante, sentaram-se à janela, Teerão a seus pés. A iraniana pediu uma mirza gbasemi vegetariana para si e recomendou ao seu convidado um broke, sugestão prontamente aceite, Tomás queria conhecer aquele prato de carne picada com batatas e vegetais.

"Não lhe faz confusão esse lenço na cabeça?", perguntou o português, enquanto esperavam pela comida.

"O hejab?”

"Sim. Não lhe faz confusão isso?"

"Não, é uma questão de hábito."

"Mas para quem estudou em Paris e se habituou aos costumes ocidentais, não deve ser fácil..."

Ariana esboçou uma expressão interrogativa.

"Como sabe você que eu estudei em Paris?"

Tomás arregalou os olhos, horrorizado. Tinha cometido um terrível erro.

Lembrou-se que essa informação lhe foi dada por Don Snyder, algo que, como era evidente, não podia confessar.

"Uh... não sei", gaguejou. "Acho... uh... acho que me disseram isso na embaixada... uh... na vossa embaixada em Lisboa."

"Ah é?", admirou-se a iraniana. "Andam muito faladores, os nossos diplomatas."

O português forçou-se um sorriso.

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"São... são simpáticos. Falei sobre si, sabe? E eles contaram-me isso."

A anfitriã suspirou.

"Pois, estudei em Paris."

"E por que veio para cá?"

"Porque as coisas não deram certo lá. Tive um casamento que não funcionou e, quando me divorciei, senti-me muito só. Por outro lado, tinha a minha família toda cá.

Foi uma decisão difícil, nem calcula quanto. Eu estava totalmente europeizada, mas a aversão à solidão e as saudades da família acabaram por ser mais fortes e optei por voltar. Foi na altura em que os reformadores começaram a crescer, o país liberalizava-se e as coisas pareciam melhores para as mulheres. Fomos nós, as mulheres, mais os jovens, que colocamos o Khatami na presidência, sabia?" Fez um esforço de memória.

"Isso foi, deixe cá ver, foi em... em 1997, dois anos depois de eu ter voltado. A coisa, a princípio, correu bem. Ouviram-se as primeiras vozes em defesa dos direitos das mulheres e houve algumas que até entraram no Majlis.'"

"O Majquê?"

"O Majlis, o nosso parlamento."

"Ah. As mulheres entraram no Parlamento, foi?"

"Sim, e não foi só isso, sabe? Graças aos reformistas, as solteiras conquistaram o direito de irem estudar para o estrangeiro e a idade legal do casamento para raparigas subiu dos nove para os treze anos. De modo que foi nessa altura que eu fui trabalhar para Isfahan, a minha terra natal." Esboçou uma careta. "O problema é que os conservadores retomaram o controlo do Majlis nas eleições de 2004 e... não sei, estamos agora a ver o que isto vai dar. Para já, fui transferida de Isfahan aqui para o Ministério da Ciência, em Teerã."

"O que estava a fazer em Isfahan?"

"Trabalhava numa central."

"Que tipo de central?"

"É uma coisa experimental. Não interessa."

"E foi agora transferida para Teerã?"

"No ano passado."

"Porquê?"

Ariana riu-se.

"Acho que alguns homens são muito tradicionalistas e ficam nervosos por terem uma mulher a trabalhar com eles."

"O seu marido deve ter ficado aborrecido com a transferência, não?"

"Não voltei a casar."

"Então ficou o seu namorado."

"Também não tenho namorado." Ergueu a sobrancelha. "Mas o que é isto? Está-

me a testar, é?

Quer ver se eu estou disponível?"

O português soltou uma gargalhada.

"Não, claro que não." Hesitou. "Quer dizer... uh... sim."

"Sim, o quê?"

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"Sim, estou a testá-la. Sim, quero saber se está disponível." Inclinou-se para a frente, os olhos a reluzir. "Está?"

Ariana corou.

"Professor, estamos no Irã. Há certos comportamentos que... que..."

"Não me chame professor, faz-me velho. Chame-me Tomás."

"Não posso. Tenho de cuidar das aparências."

"Como assim?"

"Não posso mostrar intimidade consigo. Na verdade, eu devia chamar-lhe agha professor."

"O que é isso?"

"Senhor professor."

"Então chame-me Tomás quando estivermos a sós e agha professor quando estiver alguém por perto. Combinado?"