Chegou por fim à rua dos tapetes. Quando voltou a perguntar por Zamyad Shirazi, um comerciante indicou-lhe, com profusos gestos e muito parsi, a loja que se encontrava dez metros à frente. Avançou uns passos e parou diante do seu destino.
Tal como as restantes lojas da rua, aquele estabelecimento tinha a porta coberta por tapetes persas e rolos de tapetes amontoados junto à entrada. Depois de se certificar de que ninguém por entre aquele aglomerado de gente o seguira, Tomás deu um passo em frente e penetrou na sombra.
O interior era escuro, iluminado por lâmpadas amareladas, e no ar flutuavam películas de pó e pairava um cheiro seco e penetrante, parecia naftalina. Sentiu uma comichão no nariz e espirrou ruidosamente. Os tapetes persas enchiam todo o espaço, incluindo as paredes e o tecto; via-se tapeçaria de diversas cores e de todos os géneros, incluindo os clássicos mian farsb, kellegi e kenareb, com os mais variados motivos, mas os dominantes revelavam-se os geométricos, os de arabescos e uns, mais trabalhados, mostrando cenas de jardins e arranjos de flores, sobretudo crisântemos, rosas e lótus.
"Khosh amadinl Kbosh amadin!", saudou um homem anafado, que se aproximava a passos largos e de braços abertos, um sorriso acolhedor aberto nos lábios. "Bem-vindo à minha humilde loja. Aceita um chay?"
"Não, obrigado."
"Oh, por favor! Temos um maravilhoso chay, vai ver."
"Agradeço-lhe, mas não quero. Almocei há pouco."
"Oh! Se acabou de almoçar, ainda melhor! Um chay é perfeito para a digestão.
Perfeito." Fez um gesto largo com os braços, abarcando toda a loja. "Enquanto o bebe, pode ir apreciando os meus magníficos tapetes." Assentou a mão gorda nos que 74
estavam mais próximos. "Ora veja, tenho aqui lindíssimos tapetes gul-i-bulbul, de Qom, com belos desenhos de pássaros e flores. Excelentes! Excelentes!" Apontou para a direita. "Tenho ali também sajadeh curdos, provenientes expressamente de Bijar para a minha loja. Um enorme exclusivo." Inclinou-se para o cliente, adotando o ar de quem guardava lá ao fundo da loja um valioso tesouro. "E se gosta do grande poema Sbahnamab, então vai ficar embasbacado com..."
"Zamyad Shirazi?", interrompeu Tomás. "O senhor é Zamyad Shirazi?"
O homem curvou-se numa leve vênia.
"Para o servir, excelência". Arregalou os olhos. "Se procura um tapete parsi, venha à loja do Shirazi!" Sorriu, muito satisfeito com a ingênua rima que inventara para promover a loja. "Em que o posso ajudar?"
Tomás observou-o com atenção, procurando avaliar o efeito das suas palavras no comerciante.
"É um prazer estar no Irã", disse.
O sorriso desfez-se e o homem fitou-o com algum alarme.
"Como?"
"É um prazer estar no Irã."
"O senhor vem fazer muitas compras?"
Tomás sorriu. Era a contra-senha.
"Chamo-me Tomás", apresentou-se, estendendo a mão. "Disseram-me para vir aqui."
De olhar aflito, Zamyad Shirazi cumprimentou-o apressadamente e foi espreitar à entrada, para se certificar de que não havia movimentos suspeitos na rua. Mais tranquilizado, fechou a porta da loja e, com gestos furtivos, fez sinal ao visitante para o seguir. Penetraram no estabelecimento escuro e foram desembocar num estreito armazém, atafulhado de tapetes. Subiram umas escadas em caracol e o comerciante mandou-o entrar numa pequena salinha.
"Espere aqui, por favor", disse-lhe.
Tomás acomodou-se num sofá e aguardou. Ouviu Shirazi afastar-se e, após um curto silêncio, apercebeu-se do som de um antiquado aparelho de telefone a ser discado. Escutou de imediato a voz distante do anfitrião a falar com alguém em parsi, respeitando pequenas pausas para ouvir o que lhe diziam do outro lado. A conversa durou apenas uns breves momentos. Depois de uma rápida troca de palavras, o comerciante desligou e Tomás apercebeu-se dos passos a aproximarem-se, até que viu o rosto bolachudo de Shirazi a espreitar pela porta da salinha.
"Já aí vêm", disse o comerciante.
O homem gordo afastou-se, voltando pelo mesmo caminho por onde ambos vieram. Tomás manteve-se sentado no sofá, de perna cruzada, à espera de novidades.
O iraniano parecia um lutador de boxe. Era um indivíduo alto, corpulento, de grandes arcadas supraciliares e bigode preto farfalhudo, abundantes pêlos negros a emergirem-lhe do colarinho desapertado e das orelhas pequenas. Entrou na salinha a destilar energia, todo ele despachado, com ar de quem não tinha tempo a perder.
"Professor Noronha?", perguntou, estendendo o braço peludo e musculado.
"Sim, sou eu."
75
Apertaram as mãos.
"Muito prazer. O meu nome é Golbahar Bagheri. Sou o seu contacto aqui em Teerã."
"Como está?"
"Certificou-se de que não foi seguido?"
"Sim, julgo ter despistado o meu guia ainda fora do bazar."
"Excelente, excelente", disse o homenzarrão, esfregando as mãos. "Langley pediu-me para lhes enviar um relatório ainda hoje. Quais são as novidades? Viu o documento?"
"Sim, vi. Foi esta manhã."
"É genuíno?"
Tomás encolheu os ombros.
"Isso não sei. A verdade é que tinha um ar envelhecido, as páginas já se apresentavam amareladas e encontrava-se dactilografado na capa e manuscrito no resto. Um rabisco na primeira página parecia ser a assinatura de Einstein.
Presumivelmente, todas as linhas do documento foram igualmente escritas pela mão dele, com excepção de uma mensagem cifrada no fim. Os iranianos acham que esta mensagem cifrada foi redigida pelo punho do professor Siza."
Bagheri sacou um bloco de notas do bolso e pôs-se a escrevinhar com frenesim.
"Tudo manuscrito, uh?"
"Sim. Com exceção da primeira página, claro."
"Hmm-hmm..." Gatafunhou mais um pouco no bloco. "Tinha a assinatura de Einstein?"
"Assim parecia. E os iranianos disseram ter confirmado isso com testes de caligrafia."
"Eles revelaram onde esteve guardado o manuscrito todo este tempo?"
"Não."
Mais notas.
"E o conteúdo?"
"Quase tudo em alemão. Na primeira página vem o título, Die Gottesformel, depois um poema, cuja origem e sentido os iranianos não conseguiram determinar, e, por baixo, o que parece ser a assinatura de Einstein."
Ainda mais notas.
"Hmm-hmm", voltou Bagheri a murmurar enquanto escrevinhava, a língua rosada espreitando pelos lábios. "E o resto?"
"O resto eram vinte e tal páginas redigidas em alemão a tinta permanente negra.
Tinha um texto corrido e muitas equações estranhas, daquelas que se vêem numa aula de matemática na universidade, sabe?"
"O que dizia o texto?"
"Não sei. Embora eu perceba os rudimentos de alemão, os meus conhecimentos não me permitem entender o que se encontrava ali escrito. Além disso, aquilo está redigido à mão, é de difícil leitura. Por outro lado, a verdade é que eles não me 76
deixaram lê-lo, nem sequer aceitaram dizer qual o tema do manuscrito. Alegaram segurança nacional."
Bagheri parou de garatujar e fitou-o por momentos.
"Segurança nacional, uh?"
"Sim, foi o que eles disseram."
O iraniano voltou a escrevinhar no bloco de notas, sempre frenético.
"Não deu para perceber quaisquer pormenores do tipo de engenho nuclear descrito?"
"Não."
"Nem se envolvia urânio ou plutônio?”