"Nem isso."
"Quando voltar lá, pode ao menos verificar essa informação?"
"Ouça, eles não me vão deixar ver novamente o manuscrito. Mostraram-me apenas uma vez para eu ter uma idéia geral do que se tratava, mas disseram-me que, por motivos de segurança nacional, já não o poderei consultar de novo."
Bagheri voltou a imobilizar-se para mirar o seu interlocutor.
"Nem mais uma vez?"
"Nem mais uma única vez."
"Então como é que eles querem que você faça o seu trabalho?"
"Copiaram-me a parte cifrada para um papel. Terei de trabalhar a partir daí."
"Copiaram-lhe a parte cifrada, é?"
"Sim. É um trecho manuscrito na última página. E tenho também o poema da primeira. Quer ver?"
"Sim, sim. Mostre lá."
Tomás tirou do bolso uma folha dobrada em quatro. Abriu-a e revelou as linhas que Jalili copiara a caneta preta a partir do original de Einstein.
"Está aqui."
Terra if fin
De terrors tight
Sabbath fore
Christ nite
See sign
!ya ovqo
"O que é isto?"
77
"O poema é a primeira parte, a mensagem cifrada é a segunda."
O iraniano pegou na folha e copiou o texto para o bloco de notas.
"Mais nada?"
"Mais nada."
"E o professor Siza? Falaram nele?"
"Nada. Apenas deram a entender que ele não estava acessível."
"O que quer isso dizer?"
"Não faço idéia. Eles mostraram-se muito desconfortáveis nessa parte e recusaram-se a elaborar.
Quer que lhes pergunte novamente?"
Bagheri abanou a cabeça enquanto escrevia.
"Não, é melhor não. Isso iria levantar suspeitas desnecessárias. Se eles não querem falar do assunto, não vão falar, não é?"
"Também acho."
O enorme iraniano terminou os seus apontamentos, guardou o bloco e cravou os olhos no visitante.
"Bem, eu agora vou transmitir tudo isto a Langley." Consultou o relógio. "A esta hora é madrugada lá. Eles só vão ver o relatório de manhã, noite nossa, e ainda vão ter de o analisar. Presumo que só pelo final da nossa manhã eu terei uma resposta com instruções." Suspirou. "Vamos fazer assim. Amanhã, pelas três da tarde, dirija-se ao bell boy do hotel e diga-lhe que está à espera do táxi do Babak. Entendeu? O táxi do Babak."
Foi a vez de Tomás anotar.
"Babak, é? Às três da tarde?"
"Sim." Ergueu-se, dando a reunião por concluída. "E tenha cuidado."
"Com quê?"
"Com a polícia secreta. Se for apanhado, está tramado."
Tomás fez um sorriso amarelo.
"É, posso ficar muito tempo a ver o sol aos quadradinhos."
Bagheri soltou uma gargalhada.
"Qual sol aos quadradinhos?" Abanou a cabeça. "Se o apanharem, vão torturá-lo até confessar tudo, o que pensa você? Vai cantar que nem um canário! E sabe o que lhe acontecerá depois disso, não sabe?"
"Não."
O iraniano da CIA colou o indicador à testa.
"Bang! Levará um tiro na cabeça."
IX
78
O vulto alto e esguio de Ariana Pakravan emergiu no restaurante do Hotel Simorgh no momento em que Tomás trincava uma tosta quente. A bela iraniana esticou o pescoço e girou a cabeça, passeando pelo restaurante com os olhos como uma graciosa gazela, até a atenção ficar presa no aceno que o historiador lhe fez do fundo do salão. Ariana aproximou-se da mesa e sorriu.
"Bom dia, Tomás."
"Olá, Ariana." Fez um gesto para o centro do restaurante, mostrando a grande mesa com o pequeno-almoço. "Quer tomar alguma coisa?"
"Não, obrigada. Já comi." Indicou a porta com a cabeça. "Vamos?"
"Vamos, onde?"
"Bem... uh... ao ministério."
"Fazer o quê?"
A iraniana pareceu desconcertada.
"Trabalhar, suponho."
"Mas vocês não me deixam aceder ao manuscrito", argumentou Tomás. "Se é para estudar o papel que vocês me deram com as charadas, não precisamos de ir lá, pois não?"
"De fato, você tem razão", reconheceu ela, puxando a cadeira e sentando-se diante do seu interlocutor. "Para decifrar aquilo, realmente não é preciso ir ao ministério."
"Além do mais, se fosse ao ministério arriscava-me a dar de caras com o seu gorila."
"Ah, sim, o Rahim." Inclinou-se na mesa, curiosa. "O que diabo lhe fez você?"
Tomás largou uma ruidosa gargalhada.
"Nada", exclamou. "Despedi-me dele no meio da rua, apenas isso."
"Olhe que ele não ficou nada contente. A bem dizer, estava furioso consigo e o chefe furioso com ele."
"Imagino."
"Por que lhe fugiu?"
"Apeteceu-me passear sozinho pelo bazar. Não me vai dizer que é proibido, pois não?"
"Que eu saiba, não."
"Ainda bem", concluiu ele. "Seja como for, o melhor é ficarmos pelo hotel. Se formos a ver, aqui estamos muito mais confortáveis, não acha?"
Ariana ergueu a sobrancelha esquerda, fazendo um ar desconfiado.
"Depende do ponto de vista", devolveu, cautelosa. "Afinal de contas, onde quer você trabalhar nas charadas?"
"Ora! Aqui no hotel, claro. Onde haveria de ser?"
"Pois, mas fique bem claro que não vamos para o seu quarto, ouviu?"
"E por que não?"
A mulher desenhou um sorriso forçado nos lábios.
79
"Engraçadinho", exclamou. "Muito espirituoso, sim senhor." Endireitou-se, rodando a cabeça pelo restaurante. "Agora a sério, onde vamos trabalhar?"
"Por que não ali nos sofás junto ao bar?", perguntou ele, apontando vagamente para o local.
"Parecem confortáveis."
"Está bem." A mulher levantou-se da mesa. "Enquanto termina o seu pequeno-almoço, aproveito e vou telefonar para o ministério para dizer que você prefere ficar a trabalhar aqui no hotel." Inclinou a cabeça. "Vai precisar de mim, não vai?"
Tomás abriu-se num grande sorriso.
"Então não vou? Preciso de uma musa que me inspire."
Ariana rolou os olhos e abanou a cabeça.
"Vá, diga lá. Precisa de mim ou não?"
"Você fala alemão, não fala?"
"Sim."
"Então vou precisar, como é evidente. O meu alemão é ainda algo fraquito e preciso de uma ajudinha."
"Mas acha que precisa mesmo de alemão para decifrar as charadas?"
Tomás encolheu os ombros.
"Para falar com toda a franqueza, não sei. O fato é que quase todo o manuscrito está redigido em alemão, pelo que temos de admitir a possibilidade de as mensagens cifradas se encontrarem na mesma língua, não é?"
"Está bem", disse ela, virando-se para se afastar. "Então eu vou avisar que também ficarei aqui a trabalhar consigo."
"Linda menina."
O bar não tinha ambiente de bar. A ausência de álcool nas prateleiras e a luz matinal conferiam ao local um toque de coffee shop, ainda para mais porque ambos pediram ao empregado dois chays de ervas. Sentaram-se num sofá largo, lado a lado, e Tomás colocou folhas A4 brancas sobre a mesinha, preparado para testar as diversas hipóteses. Tirou a folha dobrada do bolso e contemplou as charadas.
"Ora bem", começou Tomás, esforçando-se por ganhar balanço para o duro trabalho intelectual que o esperava. "Há uma coisa aqui que me parece evidente."
Virou a folha para Ariana. "Veja lá se a consegue detectar."
A iraniana estudou as charadas.
"Não faço a mínima idéia", disse enfim.
"É o seguinte", retomou o historiador. "Vamos começar pela segunda charada.
Olhando para ela, não há dúvida de que se trata de uma mensagem cifrada." Apontou para os conjuntos de letras. "Ora repare nisto. Está a ver? Isto não é um código. É
uma cifra."