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"Já me apanhou, professor", exclamou. "Está bem, Deus não é necessariamente bom. Mas, sendo Ele o criador do universo, é pelo menos onipotente, não?"

"Será? Se assim é, por que razão pune Ele as suas criaturas se tudo é Sua criação? Não estará a puni-Ias por coisas de que é Ele, afinal de contas, o exclusivo responsável? Ao julgar as suas criaturas, não estará Ele a julgar-se a si próprio? Na minha opinião, e para ser franco, só a Sua inexistência O poderá desculpar." Fez uma pausa. "Aliás, se formos a ver bem, nem sequer a onipotência é possível, trata-se de um conceito, também ele, cheio de irresolúveis contradições lógicas."

"Como assim?"

"Há um paradoxo que explica a impossibilidade da onipotência e que pode ser formulado da seguinte maneira: se Deus é onipotente, pode criar uma pedra que seja tão pesada que nem Ele próprio a consegue levantar." Einstein arqueou as sobrancelhas. "Está a ver? É justamente aqui que radica a contradição. Se Deus não conseguir levantar a pedra, Ele não é onipotente. Se conseguir, Ele também não é onipotente porque não foi capaz de criar uma pedra que não conseguisse levantar."

Sorriu. "Conclusão, não existe um Deus onipotente, isso é uma fantasia do homem em busca de conforto e também de uma explicação para o que não entende."

"Então não acredita em Deus."

"Não acredito no Deus pessoal da Bíblia, não."

"Acha que não há nada para além da matéria, é?"

"Não, claro que há. Tem de haver algo por detrás da energia e da matéria."

"Afinal, professor, acredita ou não acredita?"

"Não acredito no Deus da Bíblia, já lhe disse."

"Então acredita em quê?"

"Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na ordem harmoniosa daquilo que existe. Admiro a beleza e a lógica simples do universo, creio num Deus que se revela no universo, num Deus que...“

Frank Bellamy rolou os olhos, enfadado, e abanou a cabeça.

"Jesus Christ!", resmungou. "Não acredito no que estou a ouvir."

8

Bob remexeu-se na sua cadeira, junto aos gravadores.

"Olha para o lado positivo da coisa", disse. "Já reparaste, Frank, que estamos a escutar o maior gênio da história da humanidade a revelar o que pensa sobre Deus?

Quantas pessoas não pagariam para ouvir isto?"

"Isto não é show business, Bob. Estamos a falar da segurança nacional e precisamos de ouvir mais do que já ouvimos sobre o pedido que Ben Gurion lhe fez. Se Israel tiver a bomba atômica, Bob, quanto tempo achas que teremos de esperar até que toda a gente a tenha também? Uh?"

"Tens razão. Desculpa."

"É imperativo que obtenhamos mais pormenores."

"Tens razão. É melhor ouvirmos a conversa. “

"... de Espinosa."

Fez-se um longo silêncio.

Foi Ben Gurion o primeiro a rompê-Io.

"Professor, acha que será possível provar a existência de Deus?"

"Não, não acho, senhor primeiro-ministro. Não é possível provar a existência de Deus, da mesma maneira que não é possível provar a sua não-existência. Nós apenas temos a capacidade de sentir o misterioso, de experimentar a sensação de deslumbramento pelo maravilhoso esquema que se exprime no universo."

Fez-se uma nova pausa.

"E por que não tenta o senhor provar a existência ou inexistência de Deus?"

"Não me parece que isso seja possível, já lhe disse."

"Se fosse possível, qual seria o caminho?"

Silêncio.

Foi agora a vez de Einstein levar algum tempo a falar. O velho cientista girou o cabeça e contemplou toda a verdura que bordejava Mercer Street; contemplou-a com olhos de sábio, com olhos de garoto, com olhos de quem tem todo o tempo do mundo e não perdeu o dom de se maravilhar com a exuberância da natureza no seu encontro com a Primavera.

Respirou fundo.

“Raffiniert ist der Herrgott, aber boshaft ist er nicht", disse por fim.

Ben Gurion fez um ar intrigado.

"Was wollen Sie damit sagen?"

"Die Natur verbirgt ihr Geheimnis durch die Erhabenheit ihres Wesens, aber nicht durch List.“

Frank Bellamy desferiu um murro no parapeito da janela.

"Damn!", exclamou. "Agora puseram-se a falar em alemão!"

“O que estão eles a dizer?", perguntou Bob.

"Sei lá! Achas-me com cara de kraut?"

9

Bob parecia desconcertado.

"O que faço? Continuo a gravar?"

"Claro. Depois levamos a fita para a agência e algum fucking gênio irá traduzir isso." Esboçou um esgar de desprezo. "Com todos os nazis que lá temos agora, também não será assim tão difícil, não é?"

O agente encostou o nariz à janela e ali ficou, o vapor da respiração a abrir bafos úmidos no vidro, os olhos perdidos nos dois velhos sentados à conversa no outro lado da rua, pareciam dois irmãos, lado a lado, nas cadeiras do jardim do número 112 de Mercer Street.

I

O caos na rua revelava-se indescritivelmente desagradável. Automóveis de chapa amolgada, caminhões ruidosos e autocarros fumarentos apinhavam-se pelo alcatrão sujo e oleoso, estrebuchando com buzinares impacientes e roncos roucos e mal dispostos; o cheiro ácido do gasóleo queimado enchia o ar quente do final da manhã, uma gordurosa neblina de poluição pairava sobre os prédios degradados, havia algo de decadente naquele espetáculo de uma cidade antiga a tentar agarrar o futuro com o pior da modernidade.

Indeciso quanto ao rumo a tomar, o homem de cabelo castanho e olhos verdes cristalinos parou na escadaria do museu e estudou as suas opções. Diante de si estendia-se a grande rotunda da Midan Tahrir, para além da qual se multiplicavam os cafés. O problema é que a praça constituía o epicentro daquele caos rodoviário, o palco maior da sucata ambulante que se amontoava diante de si. Nem pensar em ir por ali. Olhou para a esquerda. A alternativa era meter pela Qasr EI-Nil e ir ao Groopi's comer uns doces e tomar um chá; mas tinha demasiada fome para isso, o apetite não seria aplacado por uns meros pastéis. A outra possibilidade era virar para a direita e seguir pela Corniche EI-Nil, onde se erguia o seu esplêndido hotel, com ótimos restaurantes e uma magnífica vista para o rio e para as pirâmides.

"É a sua primeira vez no Cairo?”

O homem de olhos verdes girou a cabeça para trás, procurando a voz feminina que o interpelara.

"Perdão?"

"É a sua primeira vez no Cairo?"

Uma mulher alta e de longos cabelos negros aproximou-se do homem; vinha do interior do museu e ostentava um sorriso cativante. Tinha os olhos de um intrigante castanho-amarelado, os lábios grossos e sensuais pintados de escarlate, uns discretos brincos de rubis e um tailleur cinzento colado ao corpo, saltos altos negros realçavam-lhe as curvas perfeitas e as pernas longas de modelo.

Uma beleza exótica.

"Uh... não", gaguejou o homem. "Já aqui vim muitas vezes."

A mulher estendeu a mão.

"Muito prazer", sorriu. "O meu nome é Ariana. Ariana Pakravan."

10

"Como está?" Apertaram as mãos e Ariana riu-se baixinho.

"Não me vai dizer o seu nome?"

"Ah, desculpe. Chamo-me Tomás. Tomás Noronha."

"Como está, Thomas?"

"Tomás", corrigiu ele. "O acento é no a. Tomáaas."

"Tomás", repetiu ela, esforçando-se por imitar o sotaque.

"Isso. As árabes têm sempre uma certa dificuldade em pronunciar bem o meu nome."

"Hmm... e quem lhe disse que eu sou árabe?"

"Não é?"

"Por acaso, não. Sou iraniana."

"Ah", riu-se. "Não sabia que as iranianas eram assim tão bonitas."

O rosto de Ariana abriu-se num sorriso maravilhoso.