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"É engraçado", comentou ele, logo que o empregado se afastou. "Já sei tanta coisa sobre si, mas você não sabe nada sobre mim, já viu? Só conhece o meu nome."

Ela ergueu as sobrancelhas e adotou uma expressão maliciosa.

"Está enganado."

"Estou?", admirou-se Tomás. "Mas eu ainda não lhe contei nada." "Nem precisa.

Eu já me informei."

"Ah, sim?"

"Claro."

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"Não acredito.”

"Quer que eu lhe prove? Olhe, sei que você é português e é reputado como sendo um dos maiores peritos mundiais de criptanálise e línguas antigas. Dá aulas numa universidade de Lisboa e trabalha agora também como consultor da Fundação Gulbenkian, onde está a rever a tradução das inscrições em hieróglifos da arte egípcia e em escrita cuneiforme do baixo-relevo assírio existentes no museu da fundação."

Falava como se estivesse a responder num exame. "Veio ao Cairo participar numa conferência sobre o templo de Karnak e aproveitou para estudar a possibilidade de adquirir para o Museu Calouste Gulbenkian uma estela do rei Narmer que se encontra guardada na cave do Museu Egípcio."

"Ena, você sabe muito. Estou impressionado..."

"Sei também que teve há seis anos uma tragédia pessoal e que se divorciou recentemente."

Tomás carregou as sobrancelhas, tentando avaliar a situação. Aquelas já eram informações da sua esfera da intimidade e sentiu algum desconforto por alguém lhe ter andado a vasculhar a vida.

"Como diabo sabe você isso tudo?”

"Meu caro professor, o senhor acha que eu sou uma das suas conquistas fáceis?"

Ariana sorriu sem humor e abanou a cabeça. "Não. Eu estou aqui em trabalho e este nosso almoço é um almoço de negócios, percebeu?"

O português fez um ar desconcertado.

"Não, não estou a perceber."

"Pense um pouco, professor. Eu sou uma mulher muçulmana e, mais do que isso, como o senhor notou ainda há pouco, venho do país dos ayatollahs, onde a moral é, como sabe, muito estrita. Quantas mulheres iranianas acha o senhor que interpelam um europeu na rua e o convidam para almoçar, assim sem mais nem menos?"

"Bem... uh... realmente, não... não faço idéia."

"Nenhuma mulher faz isso no Irã, caro professor. Nenhuma. Se estamos os dois aqui sentados é porque temos um assunto para discutir."

"Temos?"

Ariana pousou os cotovelos na mesa e encarou Tomás nos olhos.

"Professor, como eu lhe disse, sei que está aqui no Cairo para a conferência e também com a idéia de adquirir uma antiguidade egípcia destinada ao Museu Gulbenkian. Mas eu trouxe-o a este sítio com a ideia de lhe propor um outro negócio."

Inclinou o corpo e apanhou a carteira no chão, depositando-a sobre a mesa. "Aqui na minha carteira está a cópia de um manuscrito que se pode tornar a descoberta mais importante do século." Acariciou a carteira de leve. "Eu estou aqui por ordens do meu governo para lhe perguntar se quer trabalhar conosco na tradução deste documento."

Tomás manteve-se um instante a fitar a iraniana.

"Está a dizer que me quer contratar? É isso?"

"Sim, é isso."

"Vocês não têm tradutores próprios?”

Ariana sorriu.

"Digamos que esta é a sua área de especialidade."

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"Línguas antigas?"

"Não exatamente."

“Então? Criptanálise?"

"Sim.”

Tomás esfregou o queixo.

“Hmm", murmurou. "Que manuscrito é esse?"

A iraniana endireitou-se, assumindo uma pose séria, quase protocolar.

“Antes de avançar na conversa, tenho uma condição prévia a colocar."

"Diga lá."

“Tudo o que vamos falar agora é confidencial. Você não pode revelar nada do conteúdo da nossa conversa a ninguém. Entendeu? A ninguém. Se não chegarmos a acordo, você também manterá o silêncio sobre tudo o que lhe vou dizer." Fitou-o nos olhos. "Fui clara?"

"Sim "

"Tem certeza?"

“Sim, fique descansada."

Ariana abriu a carteira e tirou um cartão e uma folha, que exibiu ao seu interlocutor.

"Este é o meu cartão de funcionária do Ministério da Ciência."

Tomás pegou no cartão. Estava escrito unicamente em parsi e ostentava uma fotografia de Ariana em trajes islâmicos.

"Sempre bonita, hem?"

A iraniana sorriu.

"E você? Sempre galanteador, não é?"

O historiador voltou a mirar o cartão.

"Não percebo nada do que está aqui escrito." Devolveu o documento com um gesto de indiferença. "No que me diz respeito, isto pode ser uma falsificação feita aí numa qualquer tipografia da esquina."

Ariana sorriu.

"A seu tempo verá que é tudo genuíno." Exibiu a folha. "Este é o documento do Ministério da Ciência a certificar a autenticidade do manuscrito em torno do qual queremos que você trabalhe."

O português analisou o documento e leu-o de ponta a ponta. A folha oficial, encabeçada pelo selo iraniano, apresentava-se datilografada em inglês. O documento estabelecia que Ariana Pakravan era a chefe do grupo de trabalho nomeado pelo Ministério da Ciência, Pesquisa e Tecnologia da República Islâmica do Irã para a decifração e autenticação do manuscrito designado Die Gottesformel. No fim, um rabisco azulado revelava uma assinatura ilegível, identificada por baixo como sendo de Bozorgmehr Shafaq, ministro da Ciência, Pesquisa e Tecnologia.

Tomás apontou para a designação do manuscrito.

"Die Gottesquê?"

"Die Gottesformel. É alemão."

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"Que é alemão já eu percebi", riu-se ele. "Mas o que é isto?"

Ariana tirou mais uma folha da carteira, dobrada em quatro; a iraniana desdobrou-a e voltou-a para Tomás. Redigida em maiúsculas com uma letra de máquina de escrever estava a mesma expressão, DIE GOTTESFORMEL, um poema datilografado em baixo e uma assinatura sobre papel quadriculado.

"Esta é a fotocópia da primeira página do manuscrito em questão", explicou Ariana. "Como vê, trata-se do mesmo título mencionado pelo ministro Shafaq no documento que lhe apresentei." .

"Sim, Die Gottesformel", repetiu Tomás. "Mas o que é isto?"

"É um manuscrito elaborado por um dos maiores vultos da humanidade."

"Quem?", riu-se Tomás. "Jesus Cristo?"

"Já vi que é um brincalhão."

"Mas diga lá. Quem?"

Ariana arrancou um pedaço de pão, barrou-o com hummus e trincou-o, sempre com gestos deliberadamente lentos, como se quisesse acentuar o dramatismo da revelação.

"Albert Einstein."

Tomás analisou de novo a fotocópia, a curiosidade a crescer.

"Einstein, é? Hmm... interessante." Mirou Ariana. "Esta assinatura é mesmo a de Einstein?"

"Sim."

"É a letra dele?”

"Claro. Já efetuamos testes de caligrafia e confirmamos isso."

"E quando é que este texto foi publicado?"

"Nunca foi publicado."

"Como?"

“Nunca foi publicado."

"Nunca?"

“Não”.

“Está-me a dizer que isto é inédito?”

"Sim”.

O historiador emitiu um murmúrio apreciativo; a curiosidade ardia-lhe agora como fogo. Estudou mais uma vez a fotocópia, as letras do título, o poema e a assinatura de Einstein embaixo. Da folha, os olhos saltaram-lhe para a carteira de Ariana, ainda pousada sobre a mesa.

“Onde estão as restantes folhas?"

“Em Teerã."

"Pode-me arranjar cópias para as estudar?"

A iraniana sorriu.

"Não. Este é um documento altamente confidencial. Terá de ir a Teerã estudar o manuscrito." Inclinou a cabeça. "Que tal seguir diretamente para lá?"