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Tomás soltou uma gargalhada e abriu a palma da mão para a frente, como um polícia a parar o trânsito.

"Calma, mais devagar. Primeiro, não tenho a certeza de poder fazer este trabalho.

Afinal de contas, estou aqui em serviço pela Fundação Gulbenkian. Além disso, tenho outras obrigações em Lisboa, não é? Há as aulas na..."

"Cem mil euros", cortou Ariana, sem pestanejar. "Estamos preparados para lhe pagar cem mil euros."

O historiador hesitou.

"Cem mil euros?"

"Sim. E todas as despesas pagas."

"Por quanto tempo de trabalho?"

"O tempo que for necessário."

"Isso é quanto? Uma semana?"

"Um ou dois meses."

"Um ou dois meses?" Fez um ar pensativo. "Hmm... não sei se posso."

"Por quê? Pagam-lhe mais na Gulbenkian e na universidade, é?"

"Não, não é isso. O problema é que tenho compromissos... uh... enfim, não os posso desrespeitar assim sem mais nem menos, como deve compreender?"

Ariana inclinou-se na mesa e cravou-lhe os olhos cor de mel.

"Professor, cem mil euros é muito dinheiro. E nós pagamos-lhe cem mil euros por mês, mais despesas."

"Por mês, é?"

"Por mês", confirmou. "Se forem dois meses, serão duzentos mil, e assim sucessivamente."

Tomás considerou a oferta. Cem mil euros por mês dava mais de três mil por dia.

Ou seja, ganharia num dia mais do que num mês na faculdade. Qual era a dúvida? O

historiador sorriu e estendeu o braço sobre a mesa.

"Combinado."

Apertaram as mãos, selando o negócio.

"E seguimos já para Teerã", acrescentou ela.

"Bem... isso não pode ser", disse o historiador. "Tenho de ir ainda a Lisboa tratar de umas coisas."

"Temos urgência nos seus serviços, professor. Quem recebe um valor como o senhor vai receber, não pode andar a preocupar-se com outros assuntos marginais."

"Ouça, eu preciso de ir apresentar um relatório à Gulbenkian sobre a minha reunião no Museu Egípcio e, além disso, tenho de despachar umas questões pendentes na faculdade. Faltam-me quatro aulas para terminar o semestre e preciso de arranjar um assistente que as dê. Só depois estarei disponível para ir a Teerã."

A iraniana suspirou de impaciência.

"Então daqui a quanto tempo é que poderá ir?"

"Daqui a uma semana."

Ariana balançou a cabeça, considerando a situação.

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"Hmm... está bem. Suponho que conseguiremos sobreviver até lá."

Tomás voltou a pegar na fotocópia, analisando de novo o título.

"Como é que este manuscrito veio parar às vossas mãos?”

"Isso não lhe posso revelar. É um assunto que não lhe diz respeito."

"Ah, bom. Mas presumo que me possa dizer qual o assunto versado por Einstein neste inédito, não é?"

Ariana suspirou e abanou a cabeça.

"Infelizmente, também não o posso esclarecer a esse respeito."

"Não me diga que isso é confidencial."

"Claro que é confidencial. Tudo sobre este projeto é confidencial, entendeu? Neste caso, no entanto, não lhe posso responder pela simples razão de que, por incrível que pareça, nem nós conseguimos perceber o que está lá Iá escrito".

"Como assim?" Tomás esboçou uma expressão de surpresa. "Qual é a dificuldade? Não têm ninguém que leia alemão?"

"O problema é que parte do documento não está redigida em alemão."

"Ah, não?"

“Não."

"Então?"

"Ouça, o que eu lhe estou a dizer requer total confidencialidade, entendeu?"

"Sim, já vimos isso, esteja descansada."

Ariana respirou fundo.

"Quase todo o documento encontra-se manuscrito em alemão pela mão do próprio Einstein. Mas um pequeno trecho, e por motivos que ainda não são inteiramente claros, apresenta-se cifrado. Os nossos criptanalistas andaram a volta deste excerto cifrado e concluíram que não conseguem quebrar a cifra porque esse excerto está escrito numa língua que não é o alemão nem o Inglês."

"Poderá ser o hebraico?"

A iraniana abanou a cabeça.

"Não, Einstein falava mal o hebraico. Aprendeu os rudimentos, mas estava longe de dominar a língua. Foi até por isso que evitou a instrução para o Bar-Mitzwa."

"Então que língua poderá ser essa?"

"Temos fortes razões para suspeitar de uma em particular."

"Qual?"

"O português."

Tomás abriu a boca, o rosto contraindo-se numa careta de absoluta incredulidade e perplexidade.

"Português?"

"Sim."

"Mas... mas Einstein falava português?"

"Claro que não", sorriu Ariana. "Temos motivos para crer que foi um colaborador seu, que falava português, quem redigiu e cifrou esse pequeno excerto."

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"Mas por quê? Qual o objetivo?"

"Os motivos não são ainda muito claros. É possível que tenha a ver com a importância do texto."

Tomás esfregou os olhos como se tentasse parar um instante, ganhar tempo para estruturar os pensamentos e retirar algum sentido do que lhe era dito.

"Espere aí, espere aí", pediu. "Há uma coisa que eu não estou a compreender. Isto é ou não é um inédito de Einstein?"

"Claro que é."

"Está ou não redigido por Einstein?"

"Está quase todo rabiscado pela mão de Einstein, sim. Mas, por algum motivo que não é ainda totalmente claro, a parte essencial do texto foi escrita noutra língua e só então cifrada." Ariana falava devagar, como se procurasse assim ser melhor entendida. "Depois de analisar o excerto cifrado e considerar a história do manuscrito, os nossos criptanalistas concluíram que a língua original desse excerto é, com toda a probabilidade, o português."

Tomás balançou afirmativamente a cabeça, os olhos perdidos num ponto infinito.

"Ah", murmurou. "Daí que você tenha vindo falar comigo..."

"Sim."

Ariana abriu os braços, como quem expõe uma evidência. "Se o texto cifrado se encontra originalmente redigido em português, é óbvio que precisamos de um criptanalista português, não é?"

O historiador voltou a pegar na fotocópia da primeira página do manuscrito e examinou-a com atenção. Percorreu o título em maiúsculas, DIE GOTTESFORMEL, e analisou o poema datilografado por baixo. Pôs o dedo sobre os versos e olhou para Ariana.

“O que é isto?"

"É um poema qualquer." A iraniana ergueu uma sobrancelha. "Trata-se da única coisa escrita em inglês, para além de uma estranha referência antes da linha cifrada.

Todo o resto está em alemão. O senhor não sabe alemão, pois não?"

Tomás riu-se.

“Minha cara, sei português, espanhol, inglês, francês, latim, grego e copta. Estou já avançado na aprendizagem do hebraico e do aramaico, mas, infelizmente, não domino ainda o alemão de forma adequada. Tenho umas luzes, apenas isso."

"Pois", disse ela. "Foi o que eu li quando o andei a investigar."

"Investigou-me muito, é?"

"Digamos que me informei sobre a pessoa que precisava de contratar."

O português passou uma derradeira vez os olhos pela fotocópia, a atenção regressando ao título.

"Die Gottesformel", leu. "O que é isto?"

"É o nome do manuscrito."

Tomás riu-se.

"Obrigado", exclamou, com uma expressão sarcástica nos olhos. "Até aí já eu cheguei. Mas não conheço esta expressão em alemão. O que quer isto dizer?"

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"Die Gottesformel?"

"Sim."

Ariana pegou no copo, saboreou um trago de karkade e sentiu o gosto das folhas de hibisco adoçarem-lhe a língua. Pousou a infusão escura na mesa e fitou Tomás.

"A fórmula de Deus.“