Já que comecei a evitar você, ele pensou, e Perrin começou a evitar todo mundo, e Mat, a passar o tempo todo jogando e aprontando por aí.
— Eu não deveria ter ficado tão distante — murmurou, então soltou um suspiro. — Bem, se Moiraine acha que é seguro o bastante para você, suponho que seja seguro o bastante para mim. Mas você não precisa se meter nessa história.
Egwene se levantou e se concentrou em limpar o vestido, evitando o olhar dele.
— Moiraine disse que é seguro, não disse? Egwene?
— Moiraine Sedai nunca disse que eu não podia visitar Mestre Fain — respondeu ela, com muito cuidado.
Ele a encarou por um momento, então explodiu:
— Você nunca pediu permissão. Ela não sabe. Egwene, isso é burrice! Padan Fain é um Amigo das Trevas, e é tão perigoso quanto qualquer Amigo das Trevas.
— Ele está trancado em uma cela — respondeu, muito séria — e eu não preciso pedir a permissão de Moiraine para tudo o que faço. É um pouco tarde para você começar a se preocupar em fazer o que uma Aes Sedai pensa, não é? Afinal, você vem ou não?
— Eu posso encontrar o calabouço sem você. Eles estão procurando por mim, ou vão procurar por mim, e não vai ser bom para você se for encontrada comigo.
— Sem mim — retrucou, seca —, você provavelmente vai tropeçar nos próprios pés e cair no colo do Trono de Amyrlin, para então acabar confessando tudo enquanto tenta se safar.
— Sangue e cinzas, você devia entrar no Círculo das Mulheres, lá em casa. Se os homens fossem todos tão desajeitados e indefesos como você pensa, nós nunca…
— Vai ficar aí falando até encontrarem você? Pegue suas coisas, Rand, e venha comigo.
Sem esperar resposta, ela deu meia-volta e começou a andar pelo corredor. Resmungando baixinho, ele obedeceu, relutante.
Havia poucas pessoas — a maioria serviçais — nos corredores isolados que eles percorreram, mas Rand tinha a sensação de que todas prestavam atenção especial nele. Não a atenção que prestariam em um homem preparado para uma jornada, mas nele, Rand al’Thor, em particular. Sabia que era sua imaginação, torcia para que fosse, mas, mesmo assim, não sentiu alívio algum quando pararam em um corredor no subsolo da fortaleza, diante de uma porta alta com uma pequena grade de ferro embutida, tão fortemente envolta com correias de ferro quanto qualquer uma da muralha externa. Uma aldrava pendia abaixo da grade.
Do outro lado da grade, Rand podia ver paredes nuas e dois soldados com rabo de cavalo sentados, sem elmo, a uma mesa com um lampião. Um dos homens afiava uma adaga, passando-a de forma lenta e demorada em uma pedra de amolar. Não parou de afiá-la nem quando Egwene bateu à porta com a aldrava, produzindo um pesado som metálico. O outro homem, com uma expressão entediada e mal-humorada, olhou para a porta como se considerasse se deveria ou não lhe dar atenção, até que finalmente se levantou e foi até ela. Ele era baixo e atarracado; quase não era alto o suficiente para espiar por entre as barras cruzadas da grade.
— O que vocês querem? Ah, é você de novo, garota! Veio ver seu Amigo das Trevas? Quem é esse aí?
Ele não fez menção de abrir a porta.
— É um amigo meu, Changu. Ele também quer ver Mestre Fain.
O homem analisou Rand com o lábio superior contraído, mostrando os dentes. O rapaz não achou que aquele gesto fosse um sorriso.
— Ora — respondeu Changu, por fim. — Ora. Você é alto, não é? Alto. E está bem-vestido, para alguém da sua laia. Alguém o encontrou nas Marcas Orientais quando era pequeno e o domesticou? — Ele destrancou a porta e a escancarou. — Ora, se querem entrar, então entrem. — E completou, em um tom de deboche: — Cuidado para não bater a cabeça, milorde.
Não havia risco de isso acontecer, pois a porta era alta até para Loial. Rand seguiu Egwene, franzindo a testa e se perguntando se aquele tal Changu pretendia causar problemas. Ele era o primeiro shienarano rude que Rand conhecia; até mesmo Masema era apenas frio, não chegava a ser rude. Mas aquele sujeito simplesmente bateu a porta e enfiou as trancas de volta, depois foi até algumas prateleiras atrás da mesa e pegou um dos lampiões que estavam ali. O outro homem não parou de amolar a adaga nem por um segundo, sequer levantou os olhos dela. A sala não tinha mobília, a não ser pela mesa, alguns bancos e prateleiras. Havia um pouco de palha no chão e outra porta trancada com uma barra de ferro.
— Vocês vão querer um pouco de luz, não vão? — perguntou Changu. — Lá dentro, nas trevas, com seu amigo Amigo das Trevas. — Ele riu, uma risada rouca e sem humor, e acendeu o lampião. — Ele está esperando vocês. — Enfiou o lampião nas mãos de Egwene e abriu a porta interna, quase ansioso. — Esperando vocês. Lá dentro, nas trevas.
Rand parou, hesitante, diante da escuridão, e Changu sorriu atrás dele, mas Egwene o agarrou pela manga e o puxou para dentro. A porta bateu, quase pegando em seu calcanhar, e a tranca se fechou com estrépito. Só havia a luz do lampião, formando um pequeno círculo ao redor deles, nas trevas.
— Tem certeza de que ele vai nos deixar sair? — perguntou. O homem sequer olhou para sua espada ou seu arco, Rand percebeu, nem perguntou o que havia em seus alforjes. — Eles não são guardas muito bons. Poderíamos estar aqui para libertar Padan Fain e ele nem saberia.
— Ele sabe que eu não faria isso — respondeu, mas sua voz soou perturbada, e ela acrescentou: — Eles estão piores a cada vez que venho aqui. Todos os guardas estão assim, cada vez mais desagradáveis e mal-humorados. Changu me contou piadas da primeira vez que vim, e Nidao nem fala mais. Mas suponho que trabalhar em um lugar como este não deixe um homem com o coração leve. Talvez seja só eu: este lugar também não faz bem ao meu coração.
Apesar de suas palavras, Egwene o puxou para o escuro, con fiante. Ele manteve a mão livre na espada.
A luz fraca do lampião revelou um largo corredor com celas de ambos os lados, construídas com grades de ferro achatadas e paredes de pedra. Apenas duas das celas pelas quais passaram tinham prisioneiros. Os ocupantes, sentados em seus catres estreitos, protegeram os olhos com as mãos quando a luz os iluminou, fuzilando-os por entre seus dedos. Mesmo com os rostos escondidos, Rand tinha certeza de que lançavam olhares furiosos: seus olhos reluziam à luz do lampião.
— Aquele ali briga quando bebe — murmurou Egwene, indicando um sujeito robusto com as mãos machucadas. — Desta vez, ele destruiu sozinho o salão de uma estalagem na cidade e deixou alguns homens bem machucados. — O outro prisioneiro vestia um casaco bordado a ouro com mangas largas e botas de cano curto impecáveis. — Este tentou deixar a cidade sem pagar a conta da estalagem. — Ela fungou com desprezo ao dizer aquilo. Seu pai, além de prefeito de Campo de Emond, também era estalajadeiro, além de não pagar meia dúzia de comerciantes e donos de loja a quem devia.
Os homens grunhiram para eles, soltando impropérios guturais tão feios quanto os que Rand ouvira de guardas de mercadores.
— Eles também estão piorando a cada dia que passa — continuou ela, com a voz tensa, e apressou o passo.
Ela estava tão à frente, quando chegaram à cela de Padan Fain, no final do corredor, que Rand já estava completamente fora da luz. Ele parou ali, nas sombras atrás do lampião.