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Fain estava sentado em seu catre, curvando-se para a frente como se os esperasse, bem como Changu dissera. Era um homem ossudo, com olhos atentos, braços compridos e nariz grande, e estava mais magro do que Rand lembrava. Não emagrecera por causa do calabouço, pois a comida ali era a mesma que os serviçais comiam, e nem mesmo o pior prisioneiro passava fome, mas sim pelo que fizera antes de chegar a Fal Dara.

Vê-lo trouxe de volta lembranças que Rand preferia não ter despertado. Fain no banco de seu grande carroção de mascate passando pela Ponte das Carroças, chegando a Campo de Emond no dia da Noite Invernal. E, na Noite Invernal, os Trollocs chegaram, matando, incendiando e caçando. Caçavam três rapazes, dissera Moiraine. Caçariam apenas a mim, se soubessem quem eu era, e usavam Fain como sabujo.

Fain se levantou ao ver Egwene chegar, sem cobrir os olhos ou sequer piscar por causa da luz. Ele sorriu para ela, um sorriso que só passou por seus lábios, então olhou além dela. Fitando diretamente Rand, que estava oculto na escuridão fora do círculo de luz, ele apontou um dedo longo para ele.

— Eu sinto você aí se escondendo, Rand al’Thor — disse, quase em um murmúrio suave. — Não pode se esconder, não de mim. E nem deles. Você achava que tinha acabado, não é? Mas a batalha nunca termina, al’Thor. Eles virão me buscar, e a você também, e a guerra continua. Não importa se vai viver ou morrer, nunca vai acabar para você. Nunca. De repente, ele começou a cantar. “Em breve chegará o dia em que todos serão libertos. Até você e até eu. Em breve chegará o dia em que todos morrerão. Certamente você, mas não eu.”

Deixou o braço cair e levantou a cabeça para olhar fixamente um ponto na escuridão acima. Um sorriso torto repuxou-lhe a boca, e ele riu no fundo da garganta, como se estivesse vendo algo engraçado.

— Mordeth sabe mais que todos vocês. Mordeth sabe.

Egwene recuou até encostar em Rand, até apenas os limites do círculo de luz tocarem as barras da cela de Fain. A escuridão ocultou o mascate, mas eles ainda ouviam suas risadas. Mesmo incapaz de vê-lo, Rand tinha certeza de que Fain ainda olhava para o nada.

Com um calafrio, ele tirou os dedos do cabo da espada.

— Luz! — exclamou, com a voz rouca. — É isso que você chama de “estar como era antes”?

— Às vezes ele está melhor, e às vezes pior. — A voz de Egwene não soava firme. — Isto é pior, muito pior do que de costume.

— O que será que ele está vendo? Está louco, olhando fixamente para um teto de pedra na escuridão. — Se o teto não estivesse ali, ele estaria olhando direto para a ala das mulheres, onde estão Moiraine e o Trono de Amyrlin. Ele teve outro calafrio. — Ele está louco.

— Não foi uma boa ideia, Rand. — Olhando por cima do ombro para a cela, Egwene o conduziu para longe e abaixou a voz, como se tivesse medo de que Fain pudesse ouvi-la. A gargalhada do mascate os acompanhou. — Mesmo que eles não procurem aqui, não consigo ficar com ele assim. E você também não deveria. Há alguma coisa nele hoje que… — Ela respirou fundo, estremecendo. — Existe um esconderijo ainda melhor. Eu não o mencionei antes porque era mais fácil trazê-lo para cá, mas eles nunca vão procurar na ala das mulheres. Nunca.

— A ala…! Egwene, Fain pode estar louco, mas você está ainda mais. Não se pode se esconder de vespas dentro de um vespeiro.

— Que lugar melhor? Qual é a única parte da fortaleza onde nenhum homem pode entrar sem o convite de uma mulher, nem mesmo Lorde Agelmar? Qual é o único lugar em que ninguém jamais sequer pensaria em procurar por um homem?

— Qual é o único lugar da fortaleza que certamente estará cheio de Aes Sedai? É loucura, Egwene.

Cutucando as trouxas dele, ela falou como se a decisão já estivesse tomada.

— Você precisa embrulhar sua espada e seu arco no manto, assim vai parecer que está carregando coisas para mim. Não deve ser muito di ícil encontrar um colete e uma camisa que não sejam tão bonitas, para você usar. Mas vai ter que andar curvado.

— Eu já disse: não vou fazer isso.

— Já que está sendo teimoso como uma mula, deveria servir logo como um animal de carga. A menos que realmente pre ira ficar aqui embaixo com ele.

Os murmúrios da risada de Fain atravessaram as sombras.

— A batalha nunca termina, al’Thor. Mordeth sabe.

— Seria melhor pular da muralha — resmungou Rand. Entretanto, ele tirou as sacolas dos ombros e começou a embrulhar a espada, o arco e a aljava, seguindo as instruções de Egwene.

Na escuridão, Fain riu.

— Nunca termina, al’Thor. Nunca.

4

A Convocação

Sozinha em seu quarto na ala das mulheres, Moiraine ajustou o xale bordado com hera e videiras sobre os ombros e estudou seu re flexo no grande espelho que ficava em um canto. Seus olhos grandes e escuros podiam parecer aguçados como os de um falcão quando ela estava zangada, mas agora pareciam perfurar o espelho de prata. Era obra do acaso ela estar com o xale no alforje quando chegara a Fal Dara. Com a branca e lamejante Chama de Tar Valon no meio das costas e as longas franjas coloridas para mostrar a Ajah a que pertencia — o de Moiraine era azul como o céu da manhã —, os xales raramente eram usados fora de Tar Valon e, mesmo lá, apenas dentro da Torre Branca. Apenas raras ocasiões, como as reuniões no Salão da Torre, requeriam a formalidade dos xales, e além das Muralhas Reluzentes uma visão da Chama faria muita gente sair correndo para se esconder ou, quem sabe, para buscar os Filhos da Luz. A flecha de um Manto-branco era tão fatal para uma Aes Sedai quanto para qualquer outra pessoa, e os Filhos da Luz eram astutos demais para deixar que uma Aes Sedai visse o arqueiro antes que ele atingisse o alvo, enquanto ainda houvesse tempo para se defender. Moiraine nunca imaginou que fosse usar o xale em Fal Dara, mas uma audiência com a Amyrlin exigia algumas formalidades.

Moiraine era magra e estava longe de ser alta. O rosto sem rugas, com a idade indefinida das Aes Sedai, muitas vezes fazia com que parecesse mais nova do que era, mas sua presença tranquila e elegante impunha respeito e dominava qualquer reunião. Seus modos re finados, resultantes da criação no Palácio Real de Cairhien, foram aprimorados, não sufocados, pelos anos como Aes Sedai. Ela sabia que poderia precisar de cada minúscula porção deles, no dia de hoje. Além disso, grande parte da calma que exibia hoje estava na super ície. Deve haver algum problema, ou ela não viria pessoalmente, pensou pelo que julgava ser, no mínimo, a décima vez. Além desse pensamento, havia pelo menos mais mil perguntas: Que problema será, e quem ela escolheu para acompanhá-la? Por que aqui? Por que agora? As coisas não podem dar errado agora.

O anel da Grande Serpente em sua mão direita re fletiu a luz fraca quando ela tocou a delicada corrente de ouro em seus cabelos escuros que caíam, ondulados, até os ombros. Uma pequena pedra azul pendia da corrente, no meio da testa. Muitas na Torre Branca sabiam dos truques que ela podia fazer usando aquela pedra como ponto focal. Era apenas um fragmento polido de cristal azul, o tipo de coisa que uma jovem usa em seu aprendizado inicial, quando não há alguém para orientá-la. Quando jovem, ela se lembrara das histórias sobre os angreal e sobre os ainda mais poderosos sa’angreal, fabulosos remanescentes da Era das Lendas que permitiam que Aes Sedai canalizassem uma quantidade maior do Poder Único do que seria seguro sem ajuda. Ela se lembrara e pensara que um foco desses era sempre necessário para canalizar a energia. Suas irmãs da Torre Branca conheciam alguns de seus truques e suspeitavam de outros, inclusive de alguns que não existiam e que a haviam chocado quando ela descobriu os rumores. As coisas que fazia com a pedra eram pequenas e simples, saídas da imaginação de uma criança, embora úteis de vez em quando. Mas, se as mulheres erradas estivessem acompanhando a Amyrlin, o cristal poderia deixá-las inquietas por causa das histórias.