— Eu não mereço essa honra, Moiraine Sedai.
Moiraine sorriu.
— Há quanto tempo nos conhecemos, Amalisa? Preciso chamá-la de Lady Amalisa, como se nunca tivéssemos nos sentado para tomar chá?
— É claro que não! — Amalisa retribuiu o sorriso. Seu rosto tinha a mesma força do de seu irmão, em nada diminuída pelas feições mais delicadas. Alguns diziam que, por mais que fosse um lutador forte e renomado, Agelmar estava apenas à altura da irmã. — Mas, com o Trono de Amyrlin aqui… Quando o Rei Easar visita Fal Dara, eu o chamo de Magami, Tiozinho, em particular, como fazia quando era criança e ele me carregava em seus ombros. Mas em público deve ser diferente.
Anaiya soltou um muxoxo.
— Às vezes a formalidade é indispensável, mas os homens costumam levá-la mais a sério do que o necessário. Me chame de Anaiya, por favor, e eu a chamarei de Amalisa, se me permitir.
Pelo canto do olho, Moiraine viu Egwene desaparecer, apressada, em uma esquina, do outro lado do corredor lateral. Uma figura encurvada, trajando um colete de couro, de cabeça baixa e com os braços cheios de sacolas a seguia, desajeitada. Moiraine se permitiu um leve sorriso, que disfarçou depressa. Se essa garota demonstrar a mesma iniciativa em Tar Valon, pensou, com ironia, um dia vai acabar se sentando no Trono de Amyrlin. Se conseguir aprender a controlar essa iniciativa. E se ainda houver um Trono de Amyrlin no qual se sentar.
Quando ela voltou a atenção para as outras, Liandrin estava falando.
— … E eu agradeço a oportunidade de conhecer mais esta terra — disse, com um sorriso franco e quase infantil, e seu tom de voz parecia amigável.
Moiraine se esforçou para manter uma expressão impassível enquanto Amalisa as convidava para se juntarem a ela e a outras damas em um jardim particular, e Liandrin aceitou o convite calorosamente. Liandrin tinha poucas amigas, e nenhuma delas era de fora da Ajah Vermelha. Com certeza nenhuma seria de fora das Aes Sedai. Ela preferiria fazer amizade com um homem ou com um Trolloc. Moiraine não sabia se Liandrin via muita diferença entre homens e Trollocs, não sabia se qualquer uma das Vermelhas via muita diferença entre eles.
Anaiya explicou que elas haviam sido convocadas pelo Trono de Amyrlin e, naquele instante, precisavam vê-lo.
— É claro — disse Amalisa. — Que a Luz a ilumine e o Criador a abrigue! Nos encontramos mais tarde, então.
Ela se manteve ereta e curvou a cabeça quando as Aes Sedai seguiram seu caminho.
Moiraine analisou Liandrin enquanto caminhavam, sem nunca olhá-la diretamente. A Aes Sedai com cabelos cor de mel olhava sempre para a frente, seus lábios vermelhos como botões de rosa estavam contraídos como se estivesse concentrada em algo. Ela parecia ter se esquecido da presença de Moiraine e de Anaiya. O que está tramando?
Anaiya parecia não ter notado nada fora do normal, mas ela sempre aceitava as pessoas como eram e como queriam ser. Moiraine achava impressionante o modo como Anaiya lidava tão bem com as pessoas na Torre Branca, mas as mal-intencionadas pareciam encarar sua franqueza e sua aceitação de todos como arti ícios dissimulados. As pessoas sempre eram pegas de surpresa quando descobriam que Anaiya realmente acreditava no que dizia e dizia o que acreditava. Além disso, ela sempre conseguia perceber a essência de tudo e aceitar o que via. Ela continuou a contar as notícias para Moiraine de forma displicente.
— As notícias de Andor são ao mesmo tempo boas e ruins. Os levantes nas ruas de Caemlyn cessaram com a chegada da primavera, mas muitos culpam a rainha e Tar Valon pelo longo inverno. Morgase está tendo mais dificuldade para se manter no trono do que no ano passado, mas ainda continua nele, onde ficará enquanto Gareth Bryne for Capitão-general da Guarda da Rainha. E Lady Elayne, a Filha-herdeira, e seu irmão, Lorde Gawyn, chegaram em segurança a Tar Valon, para o treinamento. A Torre Branca receava que o costume fosse quebrado.
— Não enquanto Morgase tiver um sopro de vida em seu corpo — comentou Moiraine.
Liandrin se sobressaltou de leve, como se tivesse acabado de acordar.
— Reze para que ela continue a ter esse sopro de vida. O destacamento da Filha-herdeira foi seguido pelos Filhos da Luz até o Rio Erinin, até as pontes de Tar Valon. E mais Filhos ainda estão acampados nos arredores de Caemlyn, aguardando uma chance. E há quem os ouça dentro de Caemlyn.
— Talvez seja hora de Morgase aprender a ter um pouco de cautela — comentou Anaiya, suspirando. — O mundo está cada dia mais perigoso, mesmo para uma rainha. Talvez especialmente para uma rainha. E ela sempre foi teimosa. Lembro-me dela criança, quando chegou a Tar Valon. Não tinha habilidade para se tornar uma irmã completa, o que a incomodava. Às vezes acho que ela pressiona a ilha por causa disso, independente do caminho que a menina queira escolher.
Moiraine soltou um muxoxo de desdém.
— Elayne nasceu com a fagulha; não era uma questão de escolha. Morgase não se arriscaria a deixar a garota morrer por falta de treinamento nem que todos os Mantos-brancos de Amadicia cercassem Caemlyn. Ela ordenaria que Gareth Bryne e a Guarda da Rainha abrissem caminho à força até Tar Valon. E Gareth Bryne abriria, mesmo que tivesse de fazê-lo sozinho. — Mas ela ainda precisa manter o potencial da garota em segredo. Será que o povo de Andor aceitaria que Elayne sucedesse Morgase no Trono do Leão, se soubesse? Será que aceitariam não uma rainha treinada em Tar Valon, conforme o costume, mas uma Aes Sedai completa? Em toda a história, só havia registro de algumas rainhas que poderiam ser chamadas de Aes Sedai, e as poucas que revelaram essa informação acabaram se arrependendo. Ela sentiu uma pontada de tristeza, mas havia muito em jogo para que se desse ao luxo de ajudar ou mesmo de se preocupar com uma só terra e um só trono. — O que mais, Anaiya?
— Você deve saber que a Grande Caçada à Trombeta foi convocada em Illian pela primeira vez em quatrocentos anos. Os illianenses dizem que a Última Batalha se aproxima. — Anaiya estremeceu de leve, como seria de se esperar, mas não hesitou. — E que a Trombeta de Valere precisa ser encontrada antes da batalha final contra a Sombra. Homens de todos os lugares estão se reunindo, ansiosos por fazer parte da lenda, ansiosos para encontrar a Trombeta. Murandy e Altara estão desconfiadas, é claro, pensando que isso é tudo um engodo para uma investida contra uma delas. É provável que tenha sido por isso que os murandianos capturaram seu falso Dragão tão depressa. De qualquer modo, os bardos e os menestréis terão uma nova série de histórias para acrescentar ao ciclo. Que a Luz permita que sejam apenas novas histórias!
— Talvez não sejam as histórias que eles esperam — comentou Moiraine.
Liandrin lhe lançou um olhar severo, mas ela manteve o rosto impassível.
— Suponho que não — respondeu Anaiya, muito calma. — As histórias que eles menos esperam serão justamente as que acrescentarão ao ciclo. Mas, além disso, só ouvi rumores. O Povo do Mar está agitado, seus navios disparam de um porto a outro, quase sem parar. As Irmãs nas ilhas explicaram que o Coramoor, seu Escolhido, está chegando, mas não disseram mais que isso. Você sabe como os Atha’an Miere são com estrangeiros em relação ao Coramoor, e nossas irmãs parecem pensar mais como o Povo do Mar do que como Aes Sedai a esse respeito. Os Aiel também parecem estar inquietos, mas ninguém sabe por quê. Nunca se sabe, com os Aiel. Pelo menos não há provas de que eles queiram atravessar a Espinha do Mundo outra vez, graças à Luz. — Ela suspirou e sacudiu a cabeça. — O que eu não daria para ter uma Irmã vinda dos Aiel? Só uma. Sabemos tão pouco sobre eles!
Moiraine riu.
— Às vezes penso que você pertence à Ajah Marrom, Anaiya.