da vista dos convidados, com os dedos enterrados em sua pele. -
Como havemos de ir para casa? - repetiu, referindo-se a Porto Real, à
Pedra do Dragão e a todo o território que tinham perdido.
Dany se referira apenas aos seus quartos na propriedade de Illyrio,
que certamente não seria uma casa verdadeira, mas era tudo o que
possuíam; no entanto, seu irmão não quis ouvir assim, Ali não havia
para ele uma casa. Mesmo a casa grande com a porta vermelha não
tinha sido uma casa para ele. Seus dedos enterravam-se com força no
braço dela, exigindo uma resposta.
- Não sei.. - Dany disse por fim, com a voz perdendo a firmeza.
Lágrimas jorraram-lhe dos olhos.
- Mas eu sei - disse ele com voz cortante, - Vamos para casa com um
exército, minha doce irmã. Com o exército de Khal Drogo, eis como
vamos para casa. E se para isso tiver de se casar com ele e com ele
dormir, é isto o que fará. - sorriu-lhe. - Deixaria que todo o seu
khalasar a fodesse se fosse preciso, minha doce irmã, todos os
quarenta mil homens e também os seus cavalos, se isto fosse
necessário para obter o meu exército. Fique grata que seja só o
Drogo. Com o tempo, pode até aprender a gostar dele. Agora seque
os olhos. Illyrio o está trazendo para cá, e ele não vai vê-la chorar.
Dany virou-se e viu que era verdade. Magíster Illyrio, todo sorrisos e
reverências, escoltava Khal Drogo em direção ao lugar onde se
encontravam. Afastou com as costas da mão as lágrimas que não
tinham saído dos seus olhos.
- Sorria - murmurou Viserys nervosamente, com a mão caindo sobre
o punho da espada. - E fique ereta. Deixe que ele veja que você tem
seios. Bem sabem os deuses que os tem bem pequenos.
Daenerys sorriu e se aprumou.
Eddard
Os visitantes entraram pelos portões do castelo como um rio de ouro
e prata e aço polido, trezentos homens, um esplendor de vassalos e
cavaleiros, soldados juramentados e cavaleiros livres. Sobre suas
cabeças, uma dúzia de estandartes dourados abanavam de um lado
para outro ao sabor do vento do Norte, adornados com o veado
coroado de Baratheon.
Ned conhecia muitos dos cavaleiros. Ali vinha Sor Jaime Lannister
com os cabelos tão brilhantes como ouro batido, e ali estava Sandor
Clegane com a face terrivelmente queimada. O rapaz alto ao seu lado
só podia ser o príncipe herdeiro, e aquele homenzinho atrofiado ao
lado era certamente o Duende, Tyrion Lannister.
Mas o homem enorme que vinha à cabeça da coluna, flanqueado por
dois cavaleiros que usavam os mantos brancos como a neve da
Guarda Real, pareceu a Ned quase um estranho... Até saltar de cima
de seu cavalo de guerra com um rugido familiar e o esmagar num
abraço de partir ossos.
- Ned! Ah, como é bom ver essa sua cara congelada - o rei o
observou de cima a baixo e soltou uma gargalhada. - Não mudou
nem um bocadinho.
Ned gostaria de poder dizer o mesmo. Quinze anos antes, quando
tinham cavalgado juntos para conquistar um trono, o Senhor de
Ponta Tempestade era um homem sem barba, de olhos claros e
musculoso como um sonho de donzela. Quase com dois metros de
altura, erguia-se acima dos outros homens e, quando punha a
armadura e o grande capacete provido de chifres de sua Casa,
transformava-se num autêntico gigante. Também tinha a força de
um gigante, e sua arma predileta era um martelo de batalha com
ponta aguçada que Ned quase não conseguia erguer do chão. Nesses
tempos, o cheiro do couro e do sangue aderia à sua pele como
perfume.
Agora era perfume mesmo que aderia à sua pele, e ele tinha uma
largura que se equiparava a altura. Ned tinha visto o rei pela última
vez nove anos antes, durante a rebelião de Balon Greyjoy, quando o
veado e o lobo gigante tinham se juntado para acabar com as
pretensões do auto-proclamado Rei das Ilhas de Ferro. Desde a noite
em que estiveram lado a lado no quartel-general caído de Greyjoy,
quando Robert aceitara a rendição do senhor rebelde e Ned tomara
seu filho Theon como refém e protegido, o rei ganhara pelo menos
cinquenta quilos. Uma barba tão grosseira e negra como fio de ferro
cobria-lhe a face, escondendo o duplo queixo e o descaimento das
reais bochechas, mas nada conseguia esconder seu estômago ou os
círculos escuros sob os olhos.
Mas Robert era agora o rei de Ned, e não apenas um amigo;
portanto, limitou-se a dizer:
- Vossa Graça. Winterfell é vossa.
Por essa altura já os outros estavam também a desmontar, e
avançavam moços de estrebaria para lhes recolher as montadas. A
rainha de Robert, Cersei Lannister, entrou a pé com seus filhos mais
novos. A caravana em que tinham vindo, uma enorme carruagem de
dois pisos feita de carvalho untado e metal dourado, puxada por
quarenta cavalos de tração pesada, era larga demais para passar pelo
portão do castelo. Ned ajoelhou-se na neve a fim de beijar o anel da
rainha, enquanto Robert abraçou Catelyn como a uma irmã há muito
perdida. Depois as crianças foram trazidas, apresentadas e aprovadas
por ambas as partes.
Assim que aquelas formalidades de saudação se completaram, o rei
disse ao anfitrião:
- Leve-me à sua cripta, Eddard. Quero apresentar os meus respeitos.
Ned o adorou por isso, por se lembrar ainda dela, depois de tantos
anos. Gritou por uma lanterna. Não foram necessárias mais palavras.
A rainha começara a protestar. Que tinham viajado desde a
madrugada, que estavam todos cansados e com frio, que decerto
deveriam descansar primeiro. Que os mortos podiam esperar. Não
disse mais que isso; Robert olhou-a, o irmão gêmeo Jaime pegou-lhe
calmamente no braço e ela não disse mais nada.
Desceram juntos para a cripta, Ned e seu rei, que quase não
reconhecia. Os degraus de pedra em espiral eram estreitos. Ned
seguiu à frente com a lanterna.
- Já começava a pensar que nunca mais chegaríamos a Winterfell -
queixou-se Robert enquanto desciam. - No Sul, do modo como falam
dos meus Sete Reinos, um homem se esquece de que a sua parte é
tão grande quanto as outras seis juntas.
- Espero que tenha apreciado a viagem, Vossa Graça. Robert
resfolegou.
- Lodaçais, florestas e campos, e quase sem uma estalagem decente a
norte do Gargalo. Nunca vi um vazio tão vasto. Onde estão todas as
suas gentes?
- Provavelmente estavam muito acanhadas para sair - brincou Ned.
Sentia o frio que subia as escadas, a respiração gelada vinda das
profundezas da terra. - Os reis são uma visão rara no Norte.
Robert resfolegou.
- O mais certo é que estivessem escondidas debaixo da neve. Neve,
Ned! - o rei pôs a mão na parede para se manter firme enquanto
descia.
- As neves do fim do verão são bastante comuns - disse Ned. -
Espero que não lhe tenham causado problemas. São geralmente
suaves.
- Que os Outros carreguem as suas neves suaves - praguejou Robert.
- Como será este lugar no inverno? Estremeço só de pensar.
- Os invernos são duros - admitiu Ned. - Mas os Stark os suportarão.
Sempre os suportamos.
- Tem de vir até o Sul - disse Robert. - Precisa experimentar o verão