antes que ele fuja. Em Jardim de Cima há campos de rosas douradas
que se estendem até perder de vista. Os frutos estão tão maduros
que explodem na boca: melões, pêssegos, ameixas-de-fogo, nunca
saboreou tamanha doçura. Verá, eu trouxe algumas. Mesmo em
Ponta Tempestade, com aquele bom vento da baía, os dias são tão
quentes que quase não conseguimos nos mexer. E precisa ver as
vilas, Ned! Flores por toda parte, os mercados a rebentar de comida,
os vinhos estivais tão bons e baratos que podemos nos embebedar só
de respirar o ar. Toda a gente é gorda, bêbada e rica - soltou uma
gargalhada e deu uma palmada no amplo estômago. - E as moças,
Ned! - exclamou com os olhos faiscando. - Juro, as mulheres perdem
toda a modéstia ao calor. Nadam nuas no rio, mesmo por baixo do
castelo. Até nas ruas está calor demais para lã ou peles, e elas andam
por aí com aqueles vestidos curtos de seda, se tiverem prata, ou
algodão, se não tiverem, mas é tudo igual quando começam a suar e
o tecido lhes adere à pele, é como se andassem nuas - o rei riu, feliz.
Robert Baratheon sempre fora um homem de enormes apetites, um
homem que sabia como conquistar seus prazeres. Essa não era uma
acusação que alguém pudesse deixar à porta de Eddard Stark. No
entanto, Ned não podia deixar de notar que esses prazeres estavam
cobrando seu preço do rei. Robert respirava pesadamente quando
chegaram ao fundo das escadas, e com a cara vermelha à luz da
lanterna quando penetraram na escuridão da cripta.
- Vossa Graça - disse Ned respeitosamente. Moveu a lanterna num
largo semicírculo. As sombras moveram-se e balançaram. A vacilante
luz tocou as pedras do chão e roçou numa longa procissão de pilares
de granito que marchavam em frente a eles, dois a dois, na direção
das trevas. Entre os pilares sentavam-se os mortos nos seus tronos
de pedra apoiados nas paredes, de costas voltadas para os sepulcros
que continham seus restos mortais. - Ela está lá ao fundo, com o Pai
e Brandon.
Indicou o caminho por entre os pilares e Robert seguiu-o sem uma
palavra, estremecendo com o frio subterrâneo. Ali fazia sempre frio.
Seus passos soavam nas pedras e ecoavam na abóbada que se erguia
sobre suas cabeças enquanto caminhavam por entre os mortos da
Casa Stark. Os Senhores de Winterfell viam-nos passar. Suas imagens
tinham sido esculpidas nas pedras que selavam as tumbas. Sentavam-
se em longas filas, olhos cegos virados para a escuridão eterna,
enquanto grandes lobos gigantes de pedra se aninhavam junto aos
seus pés. As sombras móveis faziam com que as figuras de pedra
parecessem mover-se quando os vivos passavam por elas.
Seguindo um costume antigo, uma espada de ferro tinha sido
colocada sobre o colo de todos os que tinham sido Senhores de
Winterfell, a fim de manter os espíritos vingativos em suas criptas. A
mais antiga já há muito enferrujara até a inexistência, deixando
apenas algumas manchas vermelhas onde o metal tocara na pedra.
Ned perguntou a si próprio se isso significava que aqueles espíritos
estavam agora livres para passear pelo castelo. Esperava que não. Os
primeiros Senhores de Winterfell tinham sido homens tão duros
como a terra que governavam. Nos séculos anteriores à vinda dos
Senhores do Dragão do outro lado do mar, não tinham jurado
fidelidade a ninguém, fazendo tratar-se por Reis do Norte.
Ned parou, finalmente, e ergueu a lanterna de óleo, A cripta
continuava à sua frente, mergulhando na escuridão, mas para lá
daquele ponto as tumbas estavam vazias e por selar; buracos negros
à espera de seus mortos, à espera dele e de seus filhos. Ned não
gostava de pensar naquilo.
- Aqui - disse ele ao seu rei.
Robert acenou em silêncio, ajoelhou-se e inclinou a cabeça.
Havia três tumbas, dispostas lado a lado. Lorde Rickard Stark, o pai
de Ned, tinha um rosto longo e austero. O esculpidor conhecera-o
bem. Estava sentado com uma calma dignidade, com os dedos de
pedra agarrados com força à espada que tinha no colo, mas em vida
todas as espadas lhe tinham falhado. Em dois sepulcros menores, de
ambos os lados, estavam seus filhos.
Brandon morrera com vinte anos, estrangulado por ordem do Rei
Louco Aerys Targaryen, poucos dias apenas antes de se casar com
Catelyn Tully de Correrrio. O pai fora obrigado a vê-lo morrer. Era
ele o verdadeiro herdeiro, o mais velho, nascido para governar.
Lyanna tinha apenas dezesseis anos, uma menina-mulher de
inigualável encanto. Ned amara-a de todo o coração. Robert amara-a
ainda mais. Ela estava destinada a ser sua noiva.
- Era mais bela que isto - disse o rei após um silêncio. Seus olhos
demoravam-se no rosto de Lyanna, como se pudesse trazê-la de volta
à vida por um esforço de vontade. Por fim, ergueu-se, com o peso a
torná-lo desajeitado. - Ah, maldição, Ned, tinha de enterrá-la num
lugar como este? - sua voz estava enrouquecida com a lembrança do
desgosto. - Ela merecia mais que trevas..
- Ela era uma Stark de Winterfell - disse Ned calmamente. - Este é
seu lugar.
- Podia estar em algum lugar numa colina, sob uma árvore de fruto,
com o sol e nuvens acima dela e a chuva para lavá-la.
- Eu estava com ela quando morreu - lembrou Ned ao rei. - Queria
regressar à nossa casa para descansar ao lado de Brandon e do Pai -
por vezes ainda conseguia ouvi-la. Promete-me, suplicara, num
quarto que cheirava a sangue e a rosas. Promete-me, Ned. A febre
levara-lhe as forças e a voz era tênue como um suspiro, mas quando
ele lhe dera sua palavra, o medo saíra dos olhos da irmã. Ned
recordava o modo como então sorrira, a força com que seus dedos
agarraram os dele quando ela desistira de se agarrar à vida, as
pétalas de rosa que se derramaram de sua mão, mortas e negras.
Depois daquilo, não se lembrava de mais nada. Tinham-no
encontrado ainda abraçado ao seu corpo, silenciado pela dor. O
pequeno cranogmano, Howland Reed, retirara a mão dela da dele.
Ned nada recordava.
- Trago-lhe flores sempre que posso - disse. - Lyanna era.. amiga das
flores.
O rei tocou o rosto da estátua, roçando os dedos na pedra áspera tão
suavemente como se fosse carne viva.
- Jurei matar Rhaegar pelo que lhe fez.
- E foi o que Vossa Graça fez - lembrou-lhe Ned.
- Só uma vez - disse Robert amargamente.
Tinham chegado juntos ao baixio do Tridente enquanto a batalha
rugia em seu redor, Robert com seu martelo de batalha e seu grande
elmo dos chifres de veado, e o príncipe Targaryen revestido de
armadura negra. No peitoral trazia o dragão de três cabeças de sua
Casa, todo trabalhado com rubis que relampejavam como fogo à luz
do sol. As águas do Tridente corriam vermelhas sob os cascos de
seus cavalos de batalha, enquanto eles andavam em círculos e
entrechocavam as armas, uma e outra vez, até que, por fim, um
tremendo golpe do martelo de Robert abriu um rombo no dragão e
no peito que estava por baixo. Quando Ned finalmente chegou ao
local, Rhaegar jazia morto na corrente, enquanto homens de ambos