Выбрать главу

Arme-se com esta lembrança, e ela nunca poderá ser usada para

magoá-lo.

Jon não estava com disposição de ouvir conselhos de ninguém.

- Que sabe você de ser um bastardo?

- Todos os anões são bastardos aos olhos dos pais.

- Você é filho legítimo de Lannister.

- Ah, sou? - respondeu o anão, sarcástico. - Vá dizer isso ao senhor

meu pai. Minha mãe morreu ao dar-me à luz, e ele nunca teve

certeza.

- Nem sequer sei quem foi minha mãe - disse Jon.

- Uma mulher qualquer, sem dúvida. A maior parte delas é isso -

dirigiu a Jon um sorriso tristonho. - Lembre-se disto, rapaz. Todos os

anões serão bastardos, mas nem todos os bastardos precisam ser

anões - e, com aquelas palavras, virou as costas e regressou

vagarosamente ao banquete, assobiando uma canção. Quando abriu a

porta, a luz vinda de dentro atirou sua sombra bem definida pelo

pátio afora e, só por um momento, Tyrion Lannister ergueu-se alto

como um rei.

Catelyn

Entre todos os quartos da Torre Grande de Winterfell, os aposentos

de Catelyn eram os mais freqüentes. Ela raramente tinha de acender

uma fogueira. O castelo tinha sido construído sobre nascentes

naturais de água quente, e as águas escaldantes corriam pelas suas

paredes e quartos como sangue pelo corpo de um homem, afastando

o frio dos salões de pedra, enchendo os jardins de vidro com um

calor úmido, impedindo o congelamento da terra. Lagoas ao ar livre

fumegavam noite e dia numa dúzia de pequenos pátios. Isso, no

verão, era coisa pouca; no inverno, era a diferença entre a vida e a

morte.

O banho de Catelyn era sempre quente e cheio de vapor, e suas

paredes, mornas ao toque. O calor lembrava-lhe Correrrio, dias ao

sol com Lysa e Edmure, mas Ned nunca conseguira se habituar. Os

Stark eram feitos para o frio, dizia-lhe, e ela ria e respondia que

neste caso tinham certamente construído seu castelo no lugar errado.

Por isso, quando terminaram, Ned rolou e saltou para fora da cama,

como já fizera mil vezes antes. Atravessou o quarto, afastou as

pesadas tapeçarias e abriu as altas e estreitas janelas uma a uma,

deixando entrar o ar da noite.

O vento rodopiou à sua volta quando parou para olhar a escuridão,

nu e de mãos vazias. Catelyn puxou as peles até o queixo e o

observou. Parecia de certo modo menor e mais vulnerável, como o

jovem com quem se casara no septo de Correrrio havia quinze

longos anos. Seus rins ainda doíam da urgência do amor. Era uma

dor boa. Conseguia sentir a semente dele dentro de si. Rezou para

que pudesse aí brotar. Tinham-se passado três anos desde Rickon.

Ela não era velha demais. Podia lhe dar outro filho.

- Vou dizer-lhe que não - disse Ned quando se voltou de novo para

ela. Tinha os olhos assombrados por fantasmas e a voz espessa de

dúvidas.

Catelyn sentou-se na cama.

- Não pode. Não deve.

- Meus deveres estão aqui no Norte. Não tenho nenhum desejo de

ser a Mão de Robert.

- Ele não o compreenderá. E agora um rei, e os reis não são como os

outros homens. Se se recusar a servi-lo, ele quererá saber por que, e

mais cedo ou mais tarde começará a suspeitar de que se opõe a ele.

Não vê o perigo em que nos colocaria?

Ned abanou a cabeça, recusando-se a acreditar.

- Robert nunca me faria mal, nem a nenhum dos meus. Éramos mais

próximos que irmãos. Ele me adora. Se lhe disser que não, ele rugirá,

praguejará e estrondeará, e uma semana mais tarde estaremos juntos

a rir do assunto. Conheço o homem!

- Conhece o homem - disse ela. - O rei é um estranho para você -

Catelyn recordava o lobo gigante morto na neve, com o chifre

quebrado profundamente alojado na garganta. Tinha de fazê-lo

compreender. - O orgulho é tudo para um rei, meu senhor. Robert

percorreu toda esta distância para vê-lo, para lhe trazer estas

grandes honrarias, não pode atirá-las à cara.

- Honrarias? - Ned soltou uma gargalhada amarga.

- Aos seus olhos, sim - disse ela.

- E aos seus?

- Aos meus também - exclamou ela, agora zangada. Por que ele não

compreendia? - Oferece o próprio filho em casamento à nossa filha,

que outro nome daria a isso? Sansa pode vir um dia a ser rainha. Os

filhos deles poderão governar da Muralha até as montanhas de

Dorne. O que tem isso de errado?

- Deuses, Catelyn, Sansa tem só onze anos - Ned respondeu. - E

Joffrey.. Joffrey é... Ela acabou a frase por ele.

- ... príncipe da coroa e herdeiro do Trono de Ferro. E eu só tinha

doze anos quando meu pai me prometeu ao seu irmão Brandon.

Aquilo trouxe um trejeito amargo aos lábios de Ned.

- Brandon. Sim. Brandon saberia o que fazer. Sabia sempre. Tudo

estava destinado a Brandon. Você, Winterfell, tudo. Ele nasceu para

ser Mão do Rei e pai de rainhas. Eu nunca pedi para que este cálice

me fosse transmitido.

- Talvez não - disse Catelyn -, mas Brandon está morto, o cálice foi

transmitido, e agora você deve beber dele, goste ou não.

Ned virou-lhe as costas, devolvendo o olhar à noite. E ficou

observando talvez a lua e as estrelas, talvez as sentinelas na muralha.

Então Catelyn enterneceu-se ao ver sua dor. Eddard Stark casara

com ela ocupando o lugar de Brandon, como mandava o costume,

mas a sombra do irmão morto ainda pairava entre eles tal como a

outra, a sombra da mulher que dera à luz seu filho bastardo.

Preparava-se para se aproximar dele quando alguém bateu à porta,

sonora e inesperadamente. Ned virou-se, franzindo o olho.

- Que é?

A voz de Desmond soou através da porta.

- Senhor, Meistre Luwin está lá fora e suplica uma audiência urgente.

- Disse-lhe que deixei ordens para não ser incomodado?

- Sim, senhor. Ele insiste.

- Muito bem. Mande-o entrar,

Ned atravessou o quarto na direção de um roupeiro e enfiou-se num

roupão pesado. Catelyn subitamente percebeu como tinha ficado frio.

Sentou-se na cama e puxou as peles até o queixo.

- Talvez devêssemos fechar as janelas - sugeriu.

Ned anuiu de forma ausente. Meistre Luwin foi introduzido no

aposento.

O meistre era um pequeno homem cinzento, como seus olhos,

rápidos, que viam muito. Os cabelos, o pouco que os anos lhe tinham

deixado, eram cinzentos. Sua toga era de lã cinza ornamentada com

pelo branco, as cores dos Stark. As grandes mangas pendentes

tinham bolsos escondidos no interior. Luwin passava a vida a enfiar

coisas nessas mangas e a delas extrair outras mais: livros, mensagens,

estranhos artefatos, brinquedos para as crianças. Com tudo o que

mantinha escondido nas mangas, Catelyn surpreendia-se de o Meistre

Luwin ser capaz de erguer os braços.

O meistre esperou até que a porta fosse fechada atrás de si antes de

falar.

- Meu senhor - disse a Ned -, perdoe-me por perturbar seu descanso.

Foi-me deixada uma mensagem.

Ned parecia irritado.

- Foi-lhe deixada? Por quem? Chegou um cavaleiro? Não fui

informado.

- Não houve nenhum cavaleiro, senhor. Apenas uma caixa de madeira

esculpida, deixada sobre a mesa do meu observatório enquanto eu