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- Eu não suportaria - disse Catelyn, tremendo.

- Tem de suportar - disse ele. - Sansa deverá desposar Joffrey, isto é

agora claro; não devemos lhes dar bases para suspeitar da nossa

devoção. E já é mais que tempo de Arya aprender os costumes de

uma corte do Sul. Dentro de poucos anos também ela estará em

idade de casar.

Sansa brilharia no Sul, pensou Catelyn para si própria, e os deuses

bem sabiam como Arya precisava de requinte. Relutantemente, abriu

mão delas no coração. Mas Bran não. Bran nunca.

- Sim - disse -, mas, por favor, Ned, pelo amor que me tem, deixe

que Bran fique aqui em Winterfell. Ele só tem sete anos.

- Eu tinha oito quando meu pai me enviou para ser criado no Ninho

da Águia - ele respondeu. - Sor Rodrik me disse que existem maus

sentimentos entre Robb e o Príncipe Joffrey. Isto não é saudável.

Bran pode construir uma ponte sobre essa distância. É um rapaz

amável, rápido para rir, fácil de amar. Deixe que cresça com os

jovens príncipes, deixe que se torne seu amigo como Robert se

tornou meu. Nossa Casa ficará mais segura assim.

Ele tinha razão, e Catelyn sabia. Mas isto não tornava a dor mais fácil

de suportar. Então perderia todos os quatro: Ned e ambas as

meninas, e o seu doce, amoroso Bran. Só lhe restariam Robb e o

pequeno Rickon. Já se sentia só. Winterfell era um lugar tão vasto.

- Então mantenha-o longe das muralhas - ela disse com bravura. -

Você sabe como Bran gosta de escalar.

Ned secou-lhe as lágrimas nos olhos com beijos, não lhes dando

tempo de cair.

- Obrigado, senhora minha - murmurou. - Isto é duro, bem sei.

- E quanto ajon Snow, senhor? - perguntou Meistre Luwin.

Catelyn retesou-se ao ouvir a menção ao nome. Ned sentiu a ira nela

e afastou-se.

Muitos homens eram pais de bastardos. Catelyn crescera com esse

conhecimento. Não tinha sido surpresa para ela, no primeiro ano do

casamento, saber que Ned fora pai de uma criança nascida de uma

mulher qualquer, encontrada por acaso em campanha. Afinal de

contas, tinha as necessidades de um homem, e os dois tinham

passado aquele ano afastados, com Ned no Sul, na guerra, enquanto

ela permanecia em segurança no castelo do pai, em Correrrio. Seus

pensamentos iam mais para Robb, o bebê que amamentava, do que

para o marido, que pouco conhecia. Qualquer consolo que ele

encontrasse entre batalhas era-lhe indiferente, e se algum bebê vin-

gasse, ela esperava que Ned assegurasse as necessidades da criança.

Ele fez mais do que isso. Os Stark não eram como os outros homens.

Ned trouxe o bastardo para casa consigo e chamou-o de "filho" para

que todo o Norte ouvisse. Quando as guerras enfim terminaram e

Catelyn viajou para Winterfell, Jon e sua ama de leite já tinham

estabelecido residência.

O golpe foi profundo. Ned não falava da mãe, nem uma palavra, mas

um castelo não tem segredos, e Catelyn escutou suas aias repetirem

histórias que tinham ouvido dos maridos soldados. Segredavam sobre

Sor Arthur Dayne, a Espada da Manhã, o mais mortífero dos sete

cavaleiros da Guarda Real de Aerys, e sobre o modo como seu jovem

senhor o tinha matado em combate singular. E contavam como Ned

levara depois a espada de Sor Arthur à bela jovem irmã que o

esperava num castelo chamado Tombastela, na costa do Mar do

Verão. A Senhora Ashara Dayne, alta e de pele clara, com

assombrosos olhos cor de violeta. Levara uma quinzena para reunir

coragem, mas, por fim, uma noite na cama, Catelyn perguntara ao

marido se aquilo era verdade, confrontando-o com a história.

Fora a única vez em todos os anos passados juntos em que Ned a

assustara.

- Nunca me pergunte sobre Jon - ele dissera, frio como gelo. - É do

meu sangue, e é tudo o que precisa saber. E agora vou saber onde

ouviu esse nome, minha senhora - ela tinha jurado obedecer.

Cumprira a promessa. E a partir daquele dia os segredos pararam, e

o nome de Ashara Dayne nunca mais voltou a ser ouvido em

Winterfell.

Quem quer que tivesse sido a mãe de Jon, Ned devia tê-la amado

ferozmente, pois nada do que Catelyn dizia era capaz de convencê-lo

a mandar o rapaz embora. Era a única coisa que nunca lhe perdoaria.

Tinha acabado por amar o marido de todo o coração, mas nunca

encontrara em si lugar para amar Jon. Por Ned, poderia ter ignorado

uma dúzia de bastardos, desde que fossem mantidos longe de sua

vista. Jon nunca estava longe da vista, e à medida que crescia ficava

mais parecido com o pai do que qualquer um dos filhos legítimos

que lhe dera. De algum modo isso tornava as coisas piores.

- Jon tem de ir - ela dizia agora.

- Ele e Robb são próximos - disse Ned. - Tive esperança...

- Ele não pode ficar aqui - disse Catelyn, interrompendo-o. - É seu

filho, não meu. Não o quero aqui - ela sabia que era duro, mas não

menos verdade por isso. Ned não faria bem algum ao rapaz

deixando-o em Winterfell.

O olhar que Ned lhe deitou foi de angústia.

- Sabe que não posso levá-lo para o Sul. Não haverá lugar para ele na

corte. Um rapaz com nome de bastardo.. Sabe o que dirão dele. Será

posto de lado.

Catelyn fortificou o coração contra o apelo mudo nos olhos do

marido.

- Diz-se que seu amigo Robert foi pai de uma dúzia de bastardos.

- E nenhum deles foi algum dia visto na corte! - exclamou Ned. - A

Lannister assegurou-se disso. Como pode ser tão cruel, Catelyn? Ele

não passa de um rapaz. Ele...

Ele tinha a fúria no corpo. Poderia ter dito mais, e pior, mas Meistre

Luwin intrometeu-se:

- Outra solução se apresenta - disse, com voz calma. - O vosso irmão

Benjen veio há alguns dias falar-me de Jon. Parece que o rapaz aspira

a vestir negro.

Ned pareceu chocado.

- Ele pediu para se juntar à Patrulha da Noite?

Catelyn nada disse. Que Ned trabalhe sozinho a ideia em sua mente;

sua voz não seria agora bem-vinda. Mas de bom grado teria beijado

o meistre naquele momento. Aquela era a solução perfeita. Benjen

Stark era um Irmão Juramentado. Jon seria para ele um filho, o filho

que nunca teria. E a seu tempo, o rapaz faria também o juramento.

Não seria pai de filhos que poderiam um dia competir com os netos

de Catelyn pela posse de Winterfell.

Meistre Luwin disse:

- Existe grande honra no serviço na Muralha, senhor.

- E mesmo um bastardo pode erguer-se a grande altura na Patrulha

da Noite - refletiu Ned. Apesar disso, sua voz estava perturbada. - Jon

é tão novo. Se o tivesse pedido depois de ter se tornado homem

feito, seria uma coisa, mas um rapaz de catorze anos...

- É um sacrifício duro - concordou Meistre Luwin. - Mas estes são

tempos duros, senhor. O caminho dele não é mais cruel que o vosso

ou o da vossa senhora.

Catelyn pensou nos três filhos que teria de perder. Não foi fácil se

manter em silêncio. Ned virou-lhes as costas para olhar pela janela,

com o longo rosto silencioso e pensativo. Por fim, suspirou e voltou a

virar-se.

- Muito bem - disse a Meistre Luwin. - Suponho que é o melhor.

Falarei com Ben.

- Quando devemos dizê-lo ajon? - perguntou o meistre.