- Quando tiver de ser. Há que se fazer preparativos. Passará uma
quinzena antes de estarmos prontos para partir. Prefiro deixar Jon
usufruir destes últimos dias, O fim do verão já está próximo, e o da
infância também. Quando o momento certo chegar, comunicarei a
ele eu próprio.
Arya
Os pontos de Arya estavam de novo tortos.
Franziu a sobrancelha, desapontada, e olhou de relance para onde a
irmã Sansa estava entre as outras moças. Os bordados de Sansa eram
magníficos. Todos assim diziam. "O trabalho de Sansa é tão belo
como ela" dissera uma vez Septã Mordane à senhora sua mãe. "Ela
tem mãos tão bonitas e delicadas." Quando a Senhora Catelyn lhe
perguntara por Arya, a septã fungara: "Arya tem as mãos de um
ferreiro".
Arya atravessou a sala com um olhar furtivo, com receio de que
Septã Mordane pudesse ter lido seus pensamentos, mas hoje a septã
não lhe prestava atenção. Estava sentada junto da Princesa Myrcella,
toda sorrisos e admiração. Não era frequente que a septã fosse
privilegiada com a instrução de uma princesa real nas artes
femininas, como ela própria afirmara quando a rainha trouxera
Myrcella, A Arya pareceu que os pontos de Myrcella também
estavam um pouco tortos, mas ninguém o adivinharia pelo modo
como a Septã Mordane tanto elogiava.
Voltou a estudar o trabalho, procurando alguma maneira de salvá-lo,
mas então suspirou e pousou a agulha. Olhou, carrancuda, para a
irmã. Sansa tagarelava enquanto trabalhava, feliz. Beth Cassei, a filha
mais nova de Sor Rodrik, estava sentada a seus pés, escutando cada
palavra que ela dizia, e Jeyne Poole inclinava-se para lhe segredar
qualquer coisa ao ouvido.
- De que vocês falam? - perguntou Arya de súbito.
Jeyne olhou-a com ar sobressaltado, e depois soltou um risinho.
Sansa pareceu atrapalhada. Beth corou. Ninguém respondeu.
- Digam-me - disse Arya.
Jeyne olhou de relance para a Septã Mordane, a fim de se assegurar
de que não a ouviria. Myrcella disse então qualquer coisa, e a septã
riu como o resto das damas.
- Estávamos falando do príncipe - disse Sansa, com a voz suave como
um beijo.
Arya sabia a que príncipe se referia: Joffrey, claro. O alto e bonito.
Sansa pudera sentar-se a seu lado no banquete. Arya tivera que se
sentar ao lado do pequeno e gordo. Naturalmente.
-Joffrey gosta da sua irmã - segredou Jeyne, tão orgulhosa como se
tivesse alguma coisa a ver com o assunto. Era filha do intendente de
Winterfell e a melhor amiga de Sansa. - Disse-lhe que é muito bonita.
- Vai casar com ela - disse a pequena Beth em tom sonhador,
abraçando-se ao ar. - Depois Sansa será rainha de todo o reino.
Sansa teve a delicadeza de corar, E corava lindamente. Fazia tudo
lindamente, pensou Arya com um ressentimento surdo.
- Beth, não devia inventar histórias - Sansa a censurou, afagando-lhe
suavemente os cabelos para retirar a rispidez das palavras. Olhou
para Arya: - Que pensa do Príncipe Joff, irmã? E muito galante, não
acha?
- Jon diz que parece uma moça - Arya respondeu. Sansa suspirou
enquanto dava um pesponto.
- Pobre Jon. Ele tem ciúmes porque é um bastardo.
- Ele é nosso irmão - disse Arya, alto demais. Sua voz cortou o
sossego da tarde na sala da torre.
Septã Mordane ergueu os olhos. Tinha o rosto ossudo, olhos
aguçados e uma fina boca sem lábios, feita para ser franzida. E agora
assim estava.
- Do que estão falando, crianças?
- De nosso meio-irmão - respondeu Sansa, suave e precisa. Sorriu
para a septã. - Arya e eu estávamos observando como é agradável
termos a princesa hoje conosco - disse.
Septã Mordane acenou com a cabeça,
- De fato. Uma grande honra para todas nós - a Princesa Myrcella
recebeu o cumprimento com um sorriso pouco firme. - Arya, por
que você não está trabalhando? - perguntou a septã. Pôs-se de pé,
fazendo restolhar as saias engomadas ao atravessar a sala. - Deixe-me
ver os seus pontos.
Arya quis gritar. Era mesmo do feitio de Sansa atrair a atenção da
septã.
- Aqui está - disse, entregando o trabalho. A septã examinou o
tecido.
- Arya, Arya, Arya - disse. - Isto não serve. Isto não serve de modo
nenhum.
Todas estavam a olhá-la. Era demais. Sansa era demasiado bem-
educada para sorrir da desgraça da irmã, mas havia o sorriso afetado
de Jeyne no seu lugar. Até a Princesa Myrcella parecia ter pena dela,
Arya sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas. Saltou da cadeira
e correu para a porta.
Septã Mordane a chamou.
- Arya, volte aqui! Nem mais um passo! A senhora vossa mãe saberá
disto. E na frente da nossa princesa real! Envergonha-nos a todos!
Arya parou à porta e voltou-se, mordendo o lábio. As lágrimas
corriam-lhe agora pelo rosto. Conseguiu fazer uma pequena
reverência rígida a Myrcella.
- Com a vossa licença, minha senhora.
Myrcella pestanejou e olhou para suas damas em busca de
orientação. Mas onde faltava segurança à princesa, não faltava à
Septã Mordane.
- Exatamente aonde pensa que vai, Arya? - quis saber a septã. Arya
lançou-lhe um olhar furioso.
- Tenho de ir ferrar um cavalo - disse com doçura, obtendo uma
breve satisfação da expressão chocada no rosto da septã. Então
rodopiou e saiu, correndo pelos degraus abaixo tão depressa quanto
os pés a conseguiam levar.
Não era justo. Sansa tinha tudo. Sansa era dois anos mais velha;
talvez, quando Arya nasceu, já nada restava. Era frequente sentir-se
assim. Sansa era capaz de costurar, dançar e cantar. Escrevia poesia.
Sabia como vestir-se. Tocava harpa e sinos. Pior: era bela. Sansa
recebera as belas maçãs do rosto altas da mãe e os espessos cabelos
arruivados dos Tully. Arya saía ao senhor seu pai. Os cabelos eram
de um castanho sem lustro, e o rosto, longo e solene. Jeyne
costumava chamá-la Arya Cara de Cavalo, e relinchava sempre que
ela se aproximava. A única coisa que Arya fazia melhor que a irmã
era andar a cavalo, e isso doía. Bem, andar a cavalo e gerir uma casa.
Sansa nunca tivera grande cabeça para números. Se se casasse com o
Príncipe Joff, Arya esperava, para o bem dele, que o príncipe tivesse
um bom intendente.
Nymeria estava à sua espera na casa da guarda que se erguia na base
da escadaria, e pôs-se em pé de um salto assim que a viu. Arya
sorriu. A cria de lobo a amava, mesmo se ninguém mais o fizesse.
Iam juntas para todo o lado, e Nymeria dormia no seu quarto, aos
pés da cama. Se a Mãe não o tivesse proibido, Arya teria levado de
bom grado a loba para a sala de costura. Gostaria de ver então Septã
Mordane queixar-se de seus pontos.
Nymeria mordiscou-lhe a mão, ansiosa, enquanto Arya a desatava. O
animal possuía olhos amarelos. Quando capturavam a luz do sol,
cintilavam como duas moedas de ouro. Arya dera-lhe o nome da
rainha guerreira dos roinares, que levara seu povo para atravessar o
mar estreito. Também isso fora um grande escândalo. Sansa,
naturalmente, chamara à sua cria "Lady". Arya fez uma careta e