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Comparado com apanhar gatos, apanhar pombos era fácil.

Um septão que passava a olhava de soslaio,

- Este é o melhor lugar para encontrar pombos - disse-lhe Arya

enquanto batia o pó de si e apanhava a espada de pau. - Vêm à

procura de migalhas - o homem rapidamente se afastou.

Arya atou o pombo ao cinto e começou a descer a rua. Um

homem passou por ela, empurrando um carregamento de

tortas em um carrinho de duas rodas; os cheiros eram de

mirtilos, limões e damascos. Seu estômago soltou um trovejar

oco.

- Dá-me uma? - ouviu-se dizer. - De limão ou... ou qualquer

uma.

O homem do carrinho de mão olhou-a dos pés à cabeça.

Deixou claro que não gostou do que viu.

- Três cobres.

Arya bateu com a espada de madeira contra o lado da bota.

- Troco-a por um pombo gordo - disse.

- Que os Outros levem o seu pombo - disse o homem do

carrinho de mão.

As tortas ainda vinham quentes do forno. Os cheiros enchiam-

lhe a boca de água, mas ela não tinha três cobres... ou um que

fosse. Olhou para o homem do carrinho de mão, lembrando --se

do que lhe dissera Syrio sobre ver. Era um homem baixo, com

uma pequena barriga redonda, e quando se movia parecia

favorecer um pouco a perna esquerda. Estava precisamente

pensando que, se agarrasse uma torta e fugisse, ele nunca

conseguiria apanhá-la, quando o homem disse:

- Tenha tento nessas suas mãozinhas nojentas. Os homens de

manto dourado sabem bem como lidar com ratazanazinhas

gatunas de sarjeta, ah, sabem.

Arya olhou de relance para trás. Dois dos membros da Patrulha

da Cidade estavam parados na esquina de uma viela. Os

mantos chegavam quase ao chão, com a pesada lã tingida de

um tom rico de dourado; as botas, luvas e cotas de malha eram

negras. Um trazia uma espada longa na cintura, o outro, uma

clava de ferro, Com um último relance ávido para as tortas,

Arya afastou-se do carrinho e apressou-se em ir embora. Os

homens de manto dourado não estavam prestando nenhuma

atenção especial nela, mas vê-los deu-lhe nós no estômago.

Arya andara para tão longe do castelo como pudera, mas

mesmo a distância conseguia ver as cabeças que apo dreciam no

topo das grandes muralhas vermelhas. Bandos de corvos

brigavam ruidosamente por cima de cada uma delas, densos

como moscas. Dizia-se na Baixada das Pulgas que os homens de

manto dourado se tinham aliado aos Lannister, que seu

comandante fora feito senhor, com terras no Tridente e lugar

no conselho do rei.

Arya também ouvira outras coisas, coisas assustadoras, que não

faziam sentido para ela. Havia quem dissesse que o pai

assassinara o Rei Robert e que fora morto por Lorde Renly.

Outros insistiam que fora Renly que matara o rei numa briga

de bêbados entre irmãos. Por que outro motivo teria fugido

durante a noite como um ladrão comum? Uma história dizia

que o rei fora morto por um javali enquanto caçava, outra

afirmava que morrera enquanto comia javali, empanturrando-

se tanto que explodira à mesa. Não, o rei morrera à mesa,

diziam outros, mas só porque Varys, a Aranha, o envenenara.

Não, tinha sido a rainha quem o envenenara. Não, morrera de

varíola. Não, sufocara com uma espinha de peixe.

Numa coisa todas as histórias concordavam: o Rei Robert

estava morto. Os sinos nas sete torres do Grande Septo de

Baelor tinham repicado durante um dia e uma noite, fazendo

troar sua dor pela cidade numa maré de bronze. Só faziam

soar os sinos assim quando um rei morria, dissera-lhe um

aprendiz de curtidor.

Tudo o que queria era voltar para casa, mas deixar Porto Real

não era tão fácil como esperara, Todo mundo falava de guerra,

e a densidade dos homens de manto dourado era tão grande

nas muralhas da cidade como a de moscas em... bem, nela, por

exemplo. Vinha passando as noites na Baixada das Pulgas,

sobre telhados e em estábulos, onde quer que conseguisse

encontrar um lugar para se deitar, e não demorara muito

tempo para compreender que o distrito tinha o nome certo.

Todos os dias, desde a fuga da Fortaleza Vermelha, Arya

visitava os sete portões da cidade, um de cada vez. Os Portões

do Dragão, do Leão e o Velho estavam fechados e trancados. O

da Lama e o dos Deuses estavam abertos, mas só para aqueles

que quisessem entrar na cidade; os guardas não deixavam

ninguém sair. Os que estavam autorizados a sair o faziam pelo

Portão do Rei ou pelo Portão de Ferro, mas eram homens de

armas Lannister, de manto carmesim e elmo encimado por um

leão, que lá guarneciam os postos de guarda. Espiando do

telhado de uma estalagem próxima do Portão do Rei, Arya os

viu vasculhar carroças e carruagens, forçar cavaleiros a abrir

seus alforjes e interrogar todos os que tentavam passar a pé.

Por vezes pensava em atravessar o rio a nado, mas a Torrente

da Agua Negra era larga e profunda, e todos concordavam que

suas correntes eram perigosas e traiçoeiras. Não tinha dinheiro

para pagar a um barqueiro ou comprar uma passagem de

navio. O senhor seu pai a ensinara a nunca roubar, mas estava

se tornando cada vez mais difícil lembrar por quê. Se não

saísse dali em breve, teria de arriscar a sorte com os homens

de manto dourado. Não tinha passado muita fome desde que

aprendera a derrubar aves com a espada de pau, mas temia

que tanto pombo a estivesse deixando doente. Comera dois

deles crus antes de encontrar a Baixada das Pulgas.

Na Baixada havia casas de pasto espalhadas pelas vielas, onde

enormes banheiras de guisado ferviam há anos, e podia -se

trocar metade de uma ave por uma fatia de pão do dia anterior

e uma "tigela de castanho", e até torravam a outra metade no

fogo, desde que o cliente depenasse o pombo. Arya teria dado

qualquer coisa por uma xícara de leite e um bolo de limão, mas

o castanho não era de todo mau. Costumava ter cevada e

pedaços de cenoura, cebola e nabo, e às vezes tinha até maçã

com uma película de gordura por cima. Em geral, tentava não

pensar na carne. Uma vez obtivera um pedaço de peixe.

O único problema era que essas casas nunca estavam vazias, e

mesmo enquanto devorava a comida podia senti-los

observando-a. Alguns deles não tiravam os olhos de suas botas

ou de seu manto, e sabia no que estavam pensando, Com

outros, quase conseguia sentir os olhos rastejando sob seus

couros; não sabia em que eles estavam pensando, e isso a

assustava ainda mais. Umas duas vezes fora seguida até as

vielas e perseguida depois, mas até então nenhum tinha sido

capaz de apanhá-la.

A pulseira de prata que esperava vender fora roubada na

primeira noite que passara fora do castelo, junto com a trouxa

de roupa boa, surrupiada enquanto dormia em uma casa

queimada, perto da Viela dos Porcos. Tudo o que lhe tinham

deixado foram o manto em que se enrolara, os couros que

vestia, a espada de treino de madeira... e a Agulha. Dormia em