boca calada - quando ela começou a responder, ele a sacudiu
outra vez, ainda com mais força. - Eu disse calada.
A praça começava a esvaziar-se. A multidão dissolveu-se em
volta deles à medida que as pessoas iam regressando às suas
vidas. Mas a vida de Arya tinha desaparecido. Entorpecida,
arrastou--se ao lado de... Yoren, sim, o nome dele é Yoren.
Não se deu conta de ele ter encontrado a Agulha até lhe
entregar a espada.
- Espero que saiba usar isso, rapaz.
- Eu não sou... - começou ela.
Ele a enfiou na reentrância de uma porta, enterrou-lhe dedos
sujos nos cabelos e os torceu, puxando-lhe a cabeça para trás.
- ... não é um rapaz esperto, é isso o que quer dizer?
Tinha uma faca na outra mão.
Quando a lâmina relampejou na direção de seu rosto, Arya
atirou-se para trás, escoiceando desesperadamente, sacudindo a
cabeça de um lado para o outro, mas ele a tinha presa pelos
cabelos, com tanta força que sentia o couro cabeludo rasgar-
se, e nos lábios o sabor salgado das lágrimas.
Bran
Os mais velhos eram homens-feitos, com dezessete ou dezoito
anos vividos desde o dia em que receberam os nomes. Um
tinha mais de vinte anos. A maior parte era mais nova, com
dezesseis anos ou menos.
Bran observava-os da varanda da torre de Meistre Luwin,
ouvindo-os grunhir, esforçar-se e praguejar enquanto brandiam
os bastões e as espadas de madeira. O pátio ganhava vida com
os clacs de madeira batendo em madeira, interrompidos com
bastante frequência por fuacs e uivos de dor quando um golpe
atingia couro ou carne. Sor Rodrik caminhava a passos largos
entre os rapazes, com o rosto corando sob as suíças brancas,
resmungando para todos. Bran nunca vira o velho cavaleiro
com um ar tão feroz.
- Não - não parava de dizer, - Não. Não. Não.
- Eles não lutam lá muito bem - disse Bran em tom de dúvida.
Deu uma coçadela à toa atrás das orelhas de Verão enquanto o
lobo gigante rasgava um pedaço de carne. Ossos esmagavam -se
entre os dentes do animal.
- Com certeza - concordou Meistre Luwin com um profundo
suspiro. O meistre espiava através de sua grande luneta
miriana, medindo sombras e anotando a posição do cometa que
pairava, baixo, no céu da manhã. - Mas se lhes dermos tempo...
Sor Rodrik tem razão, precisamos de homens para patrulhar as
muralhas. O senhor seu pai levou a nata da sua guarda para
Porto Real, e seu irmão levou o resto, junto com todos os
rapazes capazes de léguas ao redor. Muitos não regressarão, e
temos de arranjar homens que os substituam.
Bran olhou com ressentimento para os rapazes suados.
- Se ainda tivesse as minhas pernas, poderia derrotá-los todos -
recordou a última vez que tivera uma espada na mão, quando
o rei viera a Winterfell. Fora apenas uma espada de madeira,
mas derrubara o Príncipe Tommen meia centena de vezes. -
Sor Rodrik devia ensinar-me a usar uma acha-de-armas. Se a
tivesse com um cabo suficientemente comprido, Hodor poderia
ser as minhas pernas. Juntos, podíamos ser um cavaleiro.
- Acho isso... improvável - disse Meistre Luwin. - Bran, quando
um homem luta, seus braços, pernas e pensamentos devem ser
um só.
Embaixo, no pátio, Sor Rodrik gritava.
- Você luta como um ganso. Ele te dá bicadas e você dá bicadas
mais fortes nele. Para! Bloqueia o golpe. Luta de gansos não
será suficiente. Se essas espadas fossem verdadeiras, a primeira
bicada arrancava-lhe o braço! - um dos outros rapazes soltou
uma gargalhada, e o velho cavaleiro virou--se para ele. - Você
ri. Logo você. É preciso descaramento. Você luta como um
porco-espinho...
- Havia um cavaleiro que não enxergava - disse teimosamente
Bran, enquanto Sor Rodrik continuava a ofender os rapazes lá
embaixo. - A Velha Ama contou-me. Tinha uma haste longa
com lâminas nas duas extremidades que podia fazer rodopiar
com as mãos e cortar dois homens ao mesmo tempo.
- Symeon Olhos-de-Estrela - disse Luwin enquanto anotava
números num livro. - Quando perdeu os olhos, pôs safiras em
forma de estrelas nas órbitas vazias, ou pelo menos é o que
afirmam os cantores. Bran, isso é só uma história, como os
contos de Florian, o Tolo. Uma fábula da Era dos Heróis - o
meistre soltou um estalido com a língua. - É preciso que ponha
esses sonhos de lado, só vão lhe partir o coração.
A menção a sonhos despertou-lhe a memória.
- Sonhei outra vez com o corvo na noite passada. Aquele com
três olhos. Voou até o meu quarto e me disse para ir com ele,
e foi o que fiz. Descemos às criptas. Meu pai estava lá, e
conversamos. Ele estava triste.
- E por quê? - Luwin espreitou pela sua luneta.
- Tinha qualquer coisa a ver com Jon, parece-me - o sonho fora
profundamente perturbador, mais que qualquer outro dos
sonhos com o corvo. - Hodor não quer descer às criptas.
O meistre estivera desatento, Bran percebeu. Tirou o olho da
luneta, pestanejando.
- Hodor não quer...
- Descer às criptas. Quando acordei, disse-lhe para me levar até
lá embaixo, para ver se meu pai estava mesmo lá. A princí pio,
não entendia o que eu dizia, mas levei-o até os degraus
dizendo--lhe para ir por ali e depois acolá, só que, lá chegando,
não quis descer. Limitou-se a ficar no degrau superior e a
dizer "Hodor", como se estivesse com medo do escuro, mas eu
tinha um archote. Deixou-me tão furioso que quase lhe dei
uma pancada na cabeça, como a Velha Ama faz sempre -
viu o modo como o meistre franzia as sobrancelhas e
acrescentou depressa: - Mas não dei.
- Ótimo. Hodor é um homem, não uma mula que se possa
espancar.
- No sonho, voei até lá embaixo com o corvo, mas não posso
fazer isso quando estou acordado - Bran explicou.
- Por que quer descer às criptas?
- Já disse. Para ir atrás do meu pai.
O meistre puxou a corrente que lhe envolvia o pescoço, como
fazia muitas vezes quando se sentia desconfortável.
- Bran, querida criança, um dia, Lorde Eddard se sentará lá
embaixo, na pedra, ao lado de seu pai e do pai de seu pai e de
todos os Stark até os velhos Reis do Norte... mas, se os deuses
forem bondosos, isso não acontecerá senão daqui a muitos
anos. Seu pai é prisioneiro da rainha em Porto Real. Não está
nas criptas.
- Ele estava lá ontem à noite. Conversei com ele.
- Rapaz teimoso - suspirou o meistre, pondo o livro de lado. -
Quer ir ver?
- Não posso, Hodor não quer ir, e os degraus são estreitos e
tortuosos demais para a Dançarina.
- Acho que posso resolver esse problema.
Em vez de Hodor, chamaram a selvagem Osha. Era alta, dura e
não se queixava, indo de bom grado onde quer que a
mandassem.
- Vivi a minha vida para lá da Muralha, um buraco no chão não
há de me aborrecer, senhores - ela disse.
- Verão, anda - chamou Bran quando ela o ergueu em braços
fortes como metal. O lobo gigante largou o osso e seguiu Osha,