que atravessou o pátio com Bran e desceu os degraus em
espiral até a fria abóbada subterrânea. Meistre Luwin seguia à
frente com um archote. Bran nem se importou - muito - que
ela o transportasse nos braços, e não às costas. Sor Rodrik
ordenara que tirassem as correntes de Osha, pois a mulher
servira bem e fielmente desde que estava em Winterfell. Ainda
usava as pesadas grilhetas de ferro em torno dos tornozelos -
um sinal de que ainda não confiavam inteiramente nela -mas
não prejudicavam seus passos seguros nos degraus.
Bran não recordava a última vez em que estivera nas criptas.
Fora antes, com certeza. Quando era pequeno, costumava
brincar ali com Robb, Jon e as irmãs.
Desejou que estivessem ali agora; a cripta talvez não parecesse
tão escura e assustadora. Verão avançou pelas sombras cheias
de ecos, e então parou, ergueu a cabeça e farejou o ar gelado e
morto. Mostrou os dentes e rastejou para trás, com os olhos
brilhando, dourados à luz do archote do meistre. Até Osha,
dura como ferro velho, parecia desconfortável.
- Gente sombria - disse ao observar a longa fila Stark em
granito, nos seus tronos de pedra.
- Eram os Reis do Inverno - sussurrou Bran. Por algum motivo,
parecia errado falar alto naquele lugar.
Osha sorriu.
- O inverno não tem rei. Se o tivesse visto, saberia, rapaz de
verão.
- Eles foram os Reis do Norte durante milhares de anos - disse
Meistre Luwin, erguendo o archote bem alto para que a luz
brilhasse nos rostos de pedra. Alguns eram homens cabeludos
e barbudos, desgrenhados como os lobos que se agachavam a
seus pés. Outros se apresentavam escanhoados, com traços
magros e aguçados como as espadas longas que tinham sobre
as pernas. Homens duros para tempos duros. Venham -
caminhou vivamente pela cripta, passando pela procissão de
pilares de pedra e pelas infinitas figuras esculpidas. Uma língua
de chamas projetava-se do archote erguido enquanto ele
prosseguia.
A abóbada era cavernosa, mais longa que o próprio Winterfell,
e Jon dissera-lhe uma vez que havia outros níveis abaixo,
criptas ainda mais profundas e mais escuras onde estavam
enterrados os outros reis. Não seria bom perder a luz. Verão
recusou-se a se afastar dos degraus, mesmo quando Osha
seguiu o archote com Bran nos braços.
- Lembra de suas histórias, Bran? - perguntou o meistre
enquanto caminhavam. - Conta a Osha quem eles eram e o que
fizeram, se puder.
Bran olhou para os rostos que passavam e as histórias vieram -
lhe à memória. O meistre contara-as, e a Velha Ama dera-lhes
vida.
- Aquele é Jon Stark. Quando os atacantes vindos do mar
desembarcaram no leste, expulsou--os e construiu o castelo em
Porto Branco. O filho foi Rickard Stark, não o pai do meu pai,
mas outro Rickard, que conquistou o Gargalo do Rei do
Pântano e casou-se com sua filha. Theon Stark é aquele muito
magro de cabelos compridos e barba estreita. Chamavam -no
"Lobo Faminto", porque estava sempre em guerra. Aquele é um
Brandon, o alto com ar sonhador, era Brandon, o Construtor
Naval, porque adorava o mar. Sua tumba está vazia. Tentou
navegar para oeste, através do Mar do Poente, e nunca mais foi
visto. O filho era Brandon, o Incendiário, porque passou o
archote em todos os navios do pai por desgosto. Ali está
Rodrik Stark, que conquistou a Ilha dos Ursos num combate de
luta livre e a deu aos Mormont. E aquele é Torrhen Stark, o
Rei Que Ajoelhou. Foi o último Rei do Norte e o primeiro
Senhor de Winterfell, depois de se render a Aegon, o
Conquistador. Ah, ali, aquele é Cregan Stark. Lutou uma vez
contra o Príncipe Aemon, e o Cavaleiro do Dragão disse que
nunca tinha defrontado melhor espadachim - estavam agora
quase no fim, e Bran sentiu-se submergir em tristeza. - E ali
está o meu avô, Lorde Rickard, que foi decapitado pelo Rei
Louco Aerys. A filha Lyanna e o filho Brandon estão nas
sepulturas ao seu lado. Eu, não, outro Brandon, irmão do meu
pai. Não era previsto que tivessem estátuas, que i sto é só para
os senhores e reis, mas meu pai os amava tanto que as mandou
fazer.
- A donzela é bonita - disse Osha.
- Estava prometida a Robert, mas o Príncipe Rhaegar a raptou
e violentou - explicou Bran.
- Robert lutou uma guerra para reconquistá-la. Matou Rhaegar
no Tridente com o seu martelo, mas Lyanna morreu e ele
nunca a teve de volta.
- Uma história triste - disse Osha -, mas aqueles buracos vazios
são mais tristes.
- A tumba de Lorde Eddard, para quando seu dia chegar - disse
Meistre Luwin. - Foi aqui que viu seu pai no sonho, Bran?
- Sim
-
a
memória
o
fez
estremecer,
Olhou
desconfortavelmente em volta, com os pelos da nuca eriçados.
Ouvira um ruído? Estaria alguém ali?
Meistre Luwin aproximou-se do sepulcro aberto, com o archote
na mão.
- Como pode ver, ele não está aqui. Nem estará, durante muitos
anos. Os sonhos são apenas sonhos, menino - enfiou o braço
na escuridão do interior da tumba, como se fosse a boca de um
grande animal qualquer. - Vê? Está bem vaz...
A escuridão saltou sobre ele, rosnando.
Bran viu olhos que eram como fogo verde, uma cintilação de
dentes, pelo tão negro como o breu que os rodeava. O archote
saltou dos dedos do meistre, rolou pelo rosto de pedra de
Brandon Stark e caiu aos pés da estátua, com as chamas
lambendo-lhe as pernas. A luz ébria e irregular do archote,
viram Luwin lutar com o lobo gigante, batendo-lhe no focinho
com a mão enquanto os maxilares se fechavam sobre a outra.
- Verão! - Bran gritou.
E Verão veio, precipitando-se das trevas atrás deles, uma
sombra em salto. Esbarrou em Cão Felpudo e atirou-o para
trás, e os dois lobos gigantes rolaram e voltaram a rolar num
emaranhado de pelo cinzento e negro, mordendo-se um ao
outro, enquanto Meistre Luwin se punha em pé com
dificuldade, com o braço rasgado e ensanguentado. Osha
apoiou Bran no lobo de pedra de Lorde Rickard e correu para
prestar assistência ao meistre, A luz do archote que se
extinguia, lobos de sombra com seis metros de altura lutavam
na parede e no teto.
- Felpudo - chamou uma voz sumida. Quando Bran ergueu os
olhos, o irmão mais novo estava em pé na abertura da
sepultura do pai. Dando uma última dentada no focinho de
Verão, Cão Felpudo afastou-se e pôs-se ao lado de Rickon. -
Deixe meu pai em paz - avisou Rickon a Luwin. - Deixe-o em
paz.
- Rickon - disse Bran suavemente. - O pai não está aqui,
- Está, sim, Eu o vi - lágrimas brilhavam no rosto de Rickon. -
Eu o vi ontem à noite.
- No seu sonho?...
Rickon confirmou com a cabeça.
- Deixe-o. Deixe-o em paz. Ele agora vem para casa, como
prometeu. Vem para casa.
Bran nunca antes vira Meistre Luwin com uma expressão tão