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momento, até dizer aquelas palavras, e as pernas do pai... era

isso que recordava, as pernas, a maneira como elas se tinham

sacudido quando Sor Ilyn... quando a espada...

Se calhar, também vou morrer, disse a si mesma, e a ideia

não lhe pareceu assim tão terrível. Se se atirasse da janela,

poderia pôr fim ao sofrimento, e nos anos vindouros os

cantores escreveriam canções sobre o seu pesar. Seu corpo

jazeria sobre as pedras, lá embaixo, quebrado e inocente,

envergonhando todos aqueles que a tinham traído. Sansa

chegara a atravessar o quarto e a abrir as venezianas... mas

então a coragem a deixara, e correra de volta à cama, aos

soluços.

As criadas tentavam conversar com ela quando lhe traziam as

refeições, mas nunca lhes deu resposta. Uma vez, o Grande

Meistre Pycelle veio ao quarto com uma caixa cheia de frascos

e garrafas, para perguntar se estava doente. Pôs a mão em sua

testa, obrigou-a a despir-se e tocou-a por todo o lado enquanto

a criada a segurava. Quando saiu, deu-lhe uma poção de

aguamel e ervas e disse-lhe para beber um gole todas as noites.

Ela a bebeu toda de uma vez e voltou a adormecer.

Sonhou com passos na escada da torre, um agourento raspar

de couro em pedra feito por um homem que subia lentamente

até seu quarto, degrau por degrau. Tudo o que podia fazer era

comprimir-se contra a porta e escutar, tremendo, enquanto ele

se aproximava cada vez mais. Sabia que era Sor Ilyn Payne

vindo buscá-la, com Gelo na mão, para cortar-lhe a cabeça. Não

havia para onde fugir, não havia esconderijo nenhum, nenhuma

maneira de trancar a porta. Por fim, os passos pararam e ela

soube que ele estava mesmo do outro lado, ali, em pé,

silencioso, com seus olhos mortos e a longa cara marcada. Foi

então que se percebeu nua. Agachou-se, tentando cobrir-se

com as mãos, ao mesmo tempo em que a porta começava a se

abrir, rangendo, com a ponta da espada espreitando...

Acordou murmurando:

- Por favor, por favor, serei boa, serei boa, por favor, não -

mas não havia ninguém para ouvi-la.

Quando por fim vieram realmente buscá-la, Sansa não chegou

a ouvir os passos. Foi Joffrey quem abriu a porta, não Sor Ilyn,

e sim o rapaz que fora o seu príncipe. Estava na cama,

enrolada sobre si mesma, com as cortinas cerradas, e não

soube dizer se era meio-dia ou meia-noite. A primeira coisa

que ouviu foi a porta batendo. Depois, as colchas da cama

foram puxadas para trás, e ela ergueu a mão contra a sú bita

luz e os viu em pé a seu lado.

- Esta tarde a apresentarei na audiência - disse Joffrey. - Trate

de se banhar e vestir algo próprio para minha prometida -

Sandor Clegane estava ao lado dele com um gibão simples

marrom e uma capa verde, com o rosto queimado hediondo à

luz da manhã. Atrás deles encontravam-se dois cavaleiros da

Guarda Real trajando longos mantos de cetim branco.

Sansa puxou a manta até o queixo para se cobrir.

- Não - choramingou -, por favor... deixe-me em paz.

- Se recusar a se levantar e se vestir, meu Cão de Caça fará

isso por você - disse Joffrey.

- Suplico-lhe, meu príncipe...

- Eu agora sou rei. Cão, tire-a da cama.

Sandor Clegane agarrou-a pela cintura e a ergueu da cama de

penas enquanto ela se debatia numa luta frágil. O cobertor

caiu ao chão. Por baixo, tinha apenas uma fina camisa de

dormir cobrindo-lhe a nudez.

- Faz o que lhe pedem, criança - disse Clegane. - Vista-se -

empurrou-a até o roupeiro, quase com gentileza.

Sansa afastou-se deles.

- Eu fiz o que a rainha pediu, escrevi as cartas, escrevi o que

ela me disse para escrever. Vossa Graça prometeu que seria

misericordioso. Por favor, deixe-me ir para casa. Não cometerei

traições, serei boa, juro, não tenho sangue de traidor, não

tenho. Só quero ir para casa - recordando-se da boa educação,

baixou a cabeça. - Se for sua vontade - terminou em voz fraca.

- Não é - disse Joffrey. - A mãe diz que eu ainda devo me casar

com você, portanto, ficará aqui e obedecerá.

- Eu não quero me casar com você - choramingou Sansa. -

Cortou a cabeça do meu pai!

- Ele era um traidor. Nunca prometi poupá-lo, só ser

misericordioso, e isso fui. Se ele não fosse seu pai, teria

mandado dilacerá-lo ou flagelá-lo, mas lhe ofereci uma morte

limpa.

Sansa fixou os olhos nele, vendo-o pela primeira vez. Vestia um

gibão carmesim almofadado com um padrão de leões e uma

capa de pano de ouro com um colarinho elevado que lhe en -

quadrava o rosto. Perguntou-se como podia alguma vez tê-lo

achado bonito. Tinha uns lábios tão moles e vermelhos como

os vermes que se encontravam depois das chuvas, e os olhos

eram vaidosos e cruéis.

- Odeio-o - sussurrou.

O rosto do Rei Joffrey endureceu.

- Minha mãe me disse que não é próprio que um rei bata na

esposa. Sor Meryn.

O cavaleiro estava em cima dela antes sequer de ter tempo de

pensar, puxando-lhe a mão para trás quando tentou proteger o

rosto e dando-lhe um murro na orelha com as costas de um

punho enluvado. Sansa não se lembrava de ter caído, mas,

quando deu por si, estava estatelada nas estei ras. A cabeça

ressoava. Sor Meryn Trant pairava sobre ela, com sangue nos

nós dos dedos de sua luva de seda branca.

- Irá me obedecer agora, ou terei de mandá-lo castigá-la de

novo?

Sansa sentia a orelha dormente. Tocou-a, e as pontas dos

dedos vieram úmidas e vermelhas,

- Eu... como... às suas ordens, senhor.

- Vossa Graça — corrigiu Joffrey. - Procurarei por você na

audiência - virou-se e saiu.

Sor Meryn e Sor Arys seguiram-no, mas Sandor Clegane ficou

por tempo suficiente para a colocá-la em pé.

- Poupe-se de alguma dor, menina, e dê-lhe o que ele quer.

- O que... o que ele quer? Diga-me, por favor.

- Quer vê-la sorrindo, perfumada, e sendo a senhora sua amada

- rouquejou Cão de Caça. - Quer ouvi-la recitar todas as

palavrinhas bonitas da maneira que a septã lhe ensinou. Quer

que o ame... e que o tema.

Depois de ele sair, Sansa voltou a estender-se nas esteiras,

olhando fixamente para a parede, até que duas criadas de

quarto deslizaram timidamente para dentro do aposento.

- Vou precisar de água quente para o meu banho, por favor -

disse-lhes -, e de perfume, e algum pó para esconder este roxo

- o lado direito do rosto estava inchado e começava a doer,

mas sabia que Joffrey queria vê-la bela.

A água quente a fez pensar em Winterfell, e retirou forças daí.

Não se lavara desde o dia em que o pai morrera, e f icou

sobressaltada ao ver como a água ficara suja. As criadas

limparam o sangue do rosto, rasparam a sujeira das costas,

lavaram os cabelos e os escovaram até saltarem em espessos

caracóis ruivos. Sansa não falou nada, exceto para lhes dar

ordens; eram criadas Lannis-ter, não suas, e não confiava nelas.

Quando chegou a hora de se vestir, escolheu o vestido de seda