verde que usara no torneio. Lembrou-se de como Joff fora
galante naquela noite no banquete. Talvez o vestido o fizesse
recordar também e talvez a tratasse com mais gentileza.
Bebeu um copo de soro de leite coalhado e beliscou alguns
biscoitos doces enquanto esperava, para acalmar o estômago.
Era meio-dia quando Sor Meryn regressou. Tinha envergado a
armadura branca; um camisão de escamas esmaltada s com
relevos em ouro, um elmo alto com um esplendor dourado
como timbre, grevas, gorjal, manoplas e botas de metal
reluzente, um pesado manto de lã preso com um leão dourado.
O visor fora removido do elmo para exibir seu rosto severo;
bolsas sob os olhos, uma boca larga e amarga, cabelos cor de
ferrugem pintalgados de cinza.
- Minha senhora - disse, fazendo uma reverência, como se não
a tivesse espancado havia menos de três horas. - Sua Graça
ordenou-me que a escoltasse até a sala do trono.
- Ordenou também que me batesse se me recusasse a ir?
- Está se recusando a vir, senhora? - o olhar não tinha
expressão alguma. Nem sequer olhou de relance a marca que
lhe deixara.
Sansa compreendeu que o homem não a odiava; nem a amava.
Não sentia absolutamente nada por ela. Para ele, era apenas
uma... uma coisa.
- Não - respondeu, pondo-se em pé. Quis exaltar-se, magoá-lo
como ele a magoara, prevenido de que, quando fosse rainha, o
mandaria para o exílio se alguma vez se atrevesse a lhe bater
de novo... mas lembrou-se do que Cão de Caça lhe dissera, e
tudo o que disse foi: - Farei o que quer que Sua Graça ordene.
- Tal como eu - ele respondeu.
- Sim... mas o senhor não é um verdadeiro cavaleiro, Sor
Meryn.
Sansa sabia que Sandor Clegane teria rido se tivesse ouvido
aquilo. Outros homens a teriam amaldiçoado, avisado para que
se calasse, até suplicado perdão. Sor Meryn Trant não fez nada
disso. Ele simplesmente não se importou.
Além de Sansa, o balcão estava deserto. Ficou em pé, de cabeça
baixa, lutando por reter as lágrimas, enquanto lá embaixo
Joffrey se sentava no seu Trono de Ferro e distribuía o que lhe
aprazia chamar justiça. Nove casos em dez pareciam aborrecê-
lo; esses, permitia que o conselho deles tratasse, contorcendo -
se continuamente enquanto Lorde Baelish, o Grande Meistre
Pycelle ou a Rainha Cersei resolviam o assunto. Mas quando
escolhia decidir, nem mesmo a rainha sua mãe era capaz de
influenciado.
Um ladrão foi trazido à sua presença e ele mandou Sor Ilyn
cortar-lhe a mão, ali mesmo, na sala de audiências. Dois
cavaleiros vieram apresentar-lhe uma disputa sobre umas
terras, e ele decretou que deveriam decidida em duelo na
manhã seguinte.
- Até a morte - acrescentou. Uma mulher caiu de joelhos para
pedir a cabeça de um homem executado por traição. Que o
amava, disse ela, e que o queria ver decentemente enterrado. -
Se amou um traidor, deve ser também traidora - disse Joffrey.
Dois homens de mantos dourados arrastaram-na para as
masmorras.
Lorde Slynt, o da cara de sapo, sentava-se ao fundo da mesa do
conselho, usando um gibão de veludo negro e uma reluzente
capa de pano de ouro, acenando com aprovação cada vez que o
rei pronunciava uma sentença. Sansa fitou duramente aquele
rosto feio, lembrando-se de como o homem atirara o pai ao
chão para que Sor Ilyn o decapitasse, desejando poder feri-lo,
desejando que algum herói lhe atirasse ao chão e lhe cortasse
a cabeça. Mas uma voz em seu interior sussurrou: Não há
heróis, e ela se lembrou do que Lorde Petyr lhe dissera, ali
naquela mesma sala: "A vida não é uma canção, querida.
Poderá aprender isso um dia, para sua mágoa". Na vida, os
monstros vencem, disse a si mesma, e agora era a voz de Cão
de Caça que ouvia, um raspar frio, de metal em pedra. "Poupe -
se de alguma dor, menina, e dê-lhe o que ele quer."
O último caso foi o de um roliço cantor de taberna, acusado de
fazer uma canção que ridicularizava o falecido Rei Robert. Joff
ordenou-lhe que fosse buscar sua harpa e o obrigou a cantar a
canção perante a corte. O cantor chorou e jurou que nunca
mais voltaria a cantá-la, mas o rei insistiu. Era uma canção
mais ou menos engraçada, toda ela sobre Robert lutando com
um porco. Sansa sabia que o porco era o javali que o matara,
mas em alguns versos quase parecia que o que o homem
cantava era sobre a rainha. Depois de a canção terminar,
Joffrey anunciou que decidira ser misericordioso. O cantor
poderia ficar ou com os dedos ou com a língua. Teria um dia
para escolher. Janos Slynt acenou.
Sansa viu, aliviada, que aquele foi o último caso da tarde, mas
sua provação ainda não tinha terminado. Quando a voz do
arauto pôs fim à audiência, ela fugiu do balcão, mas foi
deparar com Joffrey à sua espera no fundo da escada curva.
Cão de Caça encontrava-se com ele, bem como Sor Meryn. O
jovem rei a examinou com ar crítico dos pés à cabeça.
- Está com aspecto muito melhor do que de manhã.
- Obrigada, Vossa Graça - disse Sansa. Palavras ocas, mas que o
fizeram acenar e sorrir.
- Acompanhe-me - ordenou Joffrey, oferecendo-lhe o braço. Ela
não teve alternativa a não ser aceitar. O toque da mão dele a
teria arrebatado em outros tempos; agora lhe causava arrepios.
- O dia do meu nome chegará em breve - disse Joffrey
enquanto se esgueiravam pelos fundos da sala do trono. -
Haverá um grande banquete e presentes. Que irá me oferecer?
- Eu... eu não pensei nisso, senhor.
- Vossa Graça - disse ele em tom cortante. - É mesmo uma
menina estúpida, não é? É o que a minha mãe diz.
- Diz? - depois de tudo o que aconteceu, aquelas palavras
deviam ter perdido o poder de magoá-la, mas de algum modo
não era assim. A rainha sempre fora tão boa para ela.
- Ah, sim. Preocupa-se com os nossos filhos, com a hipótese de
serem estúpidos como você, mas eu lhe disse que não se
preocupasse - o rei fez um gesto, e Sor Meryn abriu uma porta
para eles passarem.
- Obrigada, Vossa Graça - murmurou Sansa. Cão de Caça
tinha razão, pensou. Sou só um passarinho, repetindo as
palavras que me ensinaram. O sol descera abaixo da muralha
ocidental, e as pedras da Fortaleza Vermelha brilhavam,
escuras como sangue.
- Eu a engravidarei assim que seja capaz de conceber - disse
Joffrey enquanto a levava pelo pátio de treinos. - Se o primeiro
for estúpido, cortarei sua cabeça e arranjarei uma esposa mais
inteligente. Quando será capaz de ter filhos?
Sansa não conseguia olhar para ele, de tanto que se
envergonhava.
- Septã Mordane diz que a maior parte... a maior parte das
moças bem-nascidas tem o desabrochar aos doze ou treze anos.
Joffrey acenou com a cabeça.
- Por aqui - levou-a para dentro da guarita, até a base dos
degraus que levavam às ameias. Sansa sacudiu-o, tremendo. Só