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agora compreendera para onde se dirigiam.

- Não - disse, com a voz transformada num arquejo assustado.

- Por favor, não, não me obrigue, suplico-lhe...

Joffrey apertou os lábios.

- Quero lhe mostrar o que acontece aos traidores.

Sansa sacudiu violentamente a cabeça.

- Não vou. Não vou.

- Posso dizer a Sor Meryn que a arraste até lá em cima - disse.

- Não gostaria disso. É melhor que faça o que eu digo - Joffrey

estendeu o braço para ela, e Sansa esquivou-se, recuando até

esbarrar em Cão de Caça.

- Obedece, menina - disse-lhe Sandor Clegane, voltando a

empurrá-la para o rei. Sua boca torceu-se no lado queimado do

rosto, e Sansa quase foi capaz de ouvir o resto. Ele conseguirá

que suba, aconteça o que acontecer; portanto, dê -lhe o

que quer.

Forçou-se a tomar a mão do Rei Joffrey, A subida era algo

saído de um pesadelo; cada degrau era uma luta, como se

puxasse os pés de dentro da lama que lhe chegava aos

tornozelos, e havia mais degraus do que teria acreditado, um

milhar de milhares de degraus, e o horror que a esperava nas

muralhas.

Visto das altas ameias da guarita, o mundo inteiro estendia -se

abaixo deles. Sansa via o Grande Septo de Baelor, na colina de

Visenya, onde o pai morrera. Na outra extremidade da Rua das

Irmãs erguiam-se as ruínas enegrecidas pelo fogo do Poço dos

Dragões. A oeste, o sol, vermelho e inchado, estava meio

escondido por trás do Portão dos Deuses. Tinha o mar salgado

nas costas, e ao sul via-se o mercado dos peixes, as docas e a

corrente cheia de remoinhos da Torrente da Água Negra. E ao

norte...

Virou-se para esse lado, e viu apenas a cidade, ruas, vielas,

colinas e vales, e mais ruas e mais vielas, e a pedra de

muralhas distantes. Mas sabia que para lá delas havia campo

aberto, fazendas, prados e florestas, e para lá de tudo isso, ao

norte, ao norte e depois ainda mais para o norte, fi cava

Winterfell.

- Está olhando para onde? - Joffrey perguntou. - O que queria

que visse é isto, aqui mesmo.

Um espesso parapeito de pedra protegia o limite exterior da

muralha, erguendo-se até o queixo de Sansa, com fendas

abertas a cada metro e meio para os arqueiros. As cabeças

estavam encravadas entre as fendas, ao longo do topo da

muralha, empaladas em hastes de ferro para ficarem viradas

para a cidade. Sansa as vira no momento em que pusera os pés

ali, mas o rio, as ruas agitadas e o sol poente eram muito mais

bonitos. Ele pode me obrigar a olhar para as cabeças, disse

consigo mesma, mas não pode me obrigar a vê -las,

- Este é seu pai - disse. - Este aqui. Cão, vire-o para que ela

consiga vedo.

Sandor Clegane pegou na cabeça pelos cabelos e a virou. A

cabeça cortada fora mergulhada em alcatrão para se manter

preservada durante mais tempo. Sansa olhou-a calmamente,

sem veda totalmente. Não se assemelhava mesmo a Lorde

Eddard, pensou; nem sequer parecia real.

- Tenho de olhar durante quanto tempo?

Joffrey pareceu desapontado.

- Quer ver os outros? - havia uma longa fileira.

- Se der prazer a Vossa Graça...

Joffrey marchou com ela ao longo do muro, passando por mais

uma dúzia de cabeças e duas hastes vazias.

- Estou reservando aquelas para meus tios Stannis e Renly -

explicou. As outras cabeças estavam mortas e encravadas na

muralha havia muito mais tempo que a do seu pai. Apesar do

alcatrão, a maioria estava irreconhecível. O rei apontou para

uma e disse: - Ali está sua septã - mas Sansa nem se teria

apercebido de que se tratava de uma mulher. O maxilar

apodrecera e caíra, e as aves tinham comido uma orelha e a

maior parte de uma bochecha.

Sansa se perguntara o que teria acontecido a Septã Mordane,

embora agora lhe parecesse que sempre o soubera.

- Por que foi morta? - perguntou. - Jurara perante os deuses...

- Era uma traidora - Joffrey parecia mal-humorado. De algum

modo, Sansa o estava aborrecendo. - Não disse o que pretende

me dar pelo dia do meu nome. Em vez disso, talvez deva ser eu

a lhe dar algo, gostaria?

- Se lhe agradar, senhor - disse Sansa,

Quando ele sorriu, Sansa compreendeu que caçoava dela.

- Seu irmão também é um traidor, compreende? - voltou a

virar a cabeça de Septã Mordane ao contrário. - Lembro-me do

seu irmão de Winterfell. Meu cão o chamou de senhor da

espada de madeira. Não é verdade, cão?

- Chamei? - respondeu Cão de Caça. - Não me lembro.

Joffrey deu petulantemente de ombros.

- Seu irmão derrotou meu tio Jaime. Minha mãe diz que foi por

traição e engano. Chorou quando ouviu a notícia. As mulheres

são todas fracas, até ela, embora finja que não é. Diz que

temos de ficar em Porto Real para o caso de meus outros tios

atacarem, mas eu não me importo. Depois do banquete do dia

do meu nome, vou reunir uma tropa e matarei eu mesmo seu

irmão. Será isso que lhe darei, Senhora Sansa. A cabeça de seu

irmão.

Uma espécie de loucura tomou conta de Sansa naquele

instante, e ouviu-se a dizer:

- Talvez meu irmão me dê a vossa cabeça..

Joffrey fez uma carranca.

- Nunca deve zombar de mim dessa maneira. Uma esposa fiel

não zomba de seu senhor. Sor Meryn, ensine-lhe.

Daquela vez, o cavaleiro a agarrou pelo queixo e manteve sua

cabeça imóvel enquanto lhe batia. Bateu-lhe duas vezes, da

esquerda para a direita e, com mais força, da direita para a

esquerda. O lábio de Sansa abriu-se e correu-lhe sangue pelo

queixo, misturando-se com o sal de suas lágrimas.

- Não devia passar o tempo todo chorando - disse-lhe Joffrey. -

É mais bela ao sorrir.

Sansa obrigou-se a sorrir, com medo de que ele pudesse dizer

a Sor Meryn para que batesse de novo se não o fizesse, mas

não bastou, o rei ainda balançou a cabeça.

- Limpe o sangue, está toda descomposta.

O parapeito exterior chegava-lhe ao peito, mas ao longo da

borda interna do caminho não havia nada, nada, a não ser um

longo mergulho até o chão, vinte ou vinte e cinco metros mais

abaixo. Bastaria um empurrão, disse a si mesma. Ele estava

mesmo ali, bem ali, sorrindo-lhe afetadamente com aqueles

lábios que eram como vermes gordos. Podia fazê-lo. Podia.

Faça-o agora mesmo, Nem importaria se caísse com ele. Não

importaria nem um bocadinho.

- Vem cá, menina - Sandor Clegane ajoelhou à sua frente, entre

ela e Joffrey. Com uma delicadeza surpreendente para um

homem tão grande, limpou o sangue que lhe escorria do lábio

aberto.

O momento passara. Sansa baixou os olhos.

- Obrigada - disse quando ele acabou. Era uma boa menina, e

lembrava-se sempre da boa educação.

Daenerys

Asas ensombraram seus sonhos febris.

- Você não quer acordar o dragão, não é?

Caminhava por um longo corredor sob grandes arcos de pedra.

Não devia olhar para trás, não podia olhar para trás. A frente

havia uma porta, minúscula na distância, mas mesmo de longe