viu que estava pintada de vermelho. Caminhou mais depressa,
e seus pés nus deixaram pegadas sangrentas na pedra.
- Você não quer acordar o dragão, quer?
Viu a luz do sol no mar dothraki, na planície viva, rica com os
odores da terra e da morte. O vento agitava o capim, que
ondulava como água. Drogo a envolvia em braços fortes, e a
mão dele afagou-lhe o sexo e o abriu, e acordou aquela doce
umidade que era só dele, e as estrelas lhes sorriram, estrelas
num céu diurno. "Casa", ela sussurrou quando ele a penetrou e
a encheu com o seu sêmen, mas de súbito as estrelas
desapareceram, e as grandes asas varreram o céu azul e o
mundo pegou fogo.
- ... não quer acordar o dragão, quer?
O rosto de Sor Jorah estava contraído e desgostoso. "Rhaegar
foi o último dragão", disse-lhe. Aquecia suas mãos translúcidas
num braseiro brilhante onde ovos de pedra cintilavam, verme-
lhos como carvões. Num momento estava ali, e no seguinte
desvanecia-se, sem cor na pele, menos sólido que o vento. "O
último dragão", sussurrou, em um frágil fio de voz, e
desapareceu. Dany sentiu a escuridão atrás de si, e a porta
vermelha parecia mais longínqua que nunca.
- ... não quer acordar o dragão, quer?
Viserys estava à sua frente, gritando. "O dragão não pede,
puta. Você não dá ordens ao dragão. Eu sou o dragão e serei
coroado." O ouro derretido escorria-lhe pelo rosto como cera,
abrindo profundos canais em sua carne."Eu sou o dragão e
serei coroado!" guinchou, e seus dedos saltaram como
serpentes, apertando-lhe os mamilos, beliscando, torcendo,
mesmo depois de os olhos estourarem e escorrerem como
gelatina por bochechas secas e enegrecidas.
- ... não quer acordar o dragão...
A porta vermelha estava tão longe à sua frente, e Dany sentia a
respiração gelada atrás de si, aproximando-se pesadamente, Se
a apanhasse, teria uma morte que seria mais que morte,
uivando para sempre sozinha na escuridão. Pôs-se a correr.
não quer acordar o dragão...
Conseguia sentir o calor dentro de si, um terrível ardor no
ventre. O filho era alto e orgulhoso, com a pele acobreada de
Drogo e os cabelos louros prateados dela, com olhos violeta em
forma de amêndoas. E sorriu-lhe, e começou a erguer a mão na
direção da dela, mas quando abriu a boca, o fogo jorrou. Viu o
coração arder-lhe no peito, e num instante ele desaparecera,
consumido como uma traça por uma vela, transformado em
cinzas. Chorou pelo filho, pela promessa de uma boca querida
no seu seio, mas as lágrimas transformaram-se em vapor
quando lhe tocaram a pele.
- ... quer acordar o dragão...
Fantasmas alinhavam-se ao longo do corredor, vestidos com as
vestes desbotadas de reis. Nas mãos traziam espadas de fogo
pálido. Tinham cabelos de prata, cabelos de ouro e cabelos
brancos de platina, e seus olhos eram de opala e ametista, de
turmalina e jade. "Mais depressa", gritaram, "mais depressa,
mais depressa". Ela correu, com os pés derretendo a pedra
onde a tocavam. "Mais depressa!", gritavam os fantasmas
como se fossem um só, e ela gritou e atirou-se em frente. Uma
grande faca de dor rasgou-lhe as costas, e sentiu a pele abrir-
se, cheirou o fedor de sangue ardendo e viu a sombra de asas.
E Daenerys Targaryen levantou voo.
- ... acordar o dragão...
A porta erguia-se na sua frente, a porta vermelha, tão próxima,
tão próxima, o corredor era um borrão à sua volta, o frio
ficava para trás. E agora já não havia pedra, e ela voava pelo
mar dothraki, cada vez mais alto, com o verde ondulando por
baixo, e tudo o que vivia e respirava fugia aterrorizado da
sombra de suas asas. Conseguia sentir o cheiro de casa,
conseguia vê-la, ali, por trás daquela porta, campos verdejantes
e grandes casas de pedra e braços que a mantivessem quente,
ali. Escancarou a porta.
-... o dragão...
E viu o irmão Rhaegar, montado num garanhão tão negro
como a sua armadura. Fogo cintilava, vermelho, através da
fenda estreita da viseira de seu elmo. "O último dragão",
sussurrou, tênue, a voz de Sor Jorah."O último, o último." Dany
ergueu o polido visor negro do irmão. O rosto que estava lá
dentro era o dela.
Depois daquilo, durante muito tempo, só houve dor, o fogo em
seu interior e os sussurros das estrelas.
Acordou sentindo o sabor das cinzas.
- Não - gemeu -, por favor, não.
- Khaleesi? - Jhiqui pairou sobre ela, como uma corça
assustada.
A tenda estava mergulhada em sombras, silenciosa e fechada.
Flocos de cinzas saltavam de um braseiro, e Dany seguiu-os
com os olhos enquanto atravessavam o buraco da fumaça, no
topo da tenda. Voar, pensou. Tinha asas, estava voando. Mas
fora apenas um sonho.
- Ajude-me - sussurrou, lutando por se erguer. - Traga-me... -
tinha a voz em sangue como uma ferida, e não conseguia
pensar no que queria. Por que doía tanto? Era como se seu
corpo tivesse sido rasgado em fatias e reconstruído. - Quero...
- Sim, khaleesi - e nesse mesmo instante Jhiqui partira,
saltando da tenda, aos gritos.
Dany precisava... de alguma coisa... de alguém... de quê? Sabia
que era importante. Era a única coisa do mundo que
importava. Rolou de lado, apoiando-se sobre um cotovelo,
lutando contra a manta que se emaranhava nas pernas. Mexer-
se era tão difícil. O mundo nadou, entontecido. Tenho de...
Encontraram-na caída sobre o tapete, rastejando na direção de
seus ovos de dragão. Sor Jo-rah Mormont ergueu-a nos braços
e a levou de volta às sedas de dormir, enquanto ela lutava
debilmente contra ele. Por cima do ombro do cavaleiro, viu as
três aias, Jhogo, com sua pequena sombra de bigode, e a cara
larga e achatada de Mirri Maz Duur.
- Tenho - tentou dizer-lhes -, preciso...
- ... dormir, princesa - disse Sor Jorah.
- Não - disse Dany. - Por favor. Por favor.
- Sim - cobriu-a com seda, apesar de ela estar ardendo. -
Durma e ficará de novo forte, khaleesi. Volte para nós - e
então Mirri Maz Duur estava ali, a maegi, inclinando uma taça
contra seus lábios. Sentiu o sabor de leite azedo e mais alguma
outra coisa, algo espesso e amargo. Líquido quente escorreu-
lhe pelo queixo. Sem saber bem como, engoliu. A tenda ficou
mais sombria, e o sono tomou-a de novo. Desta vez não
sonhou. Flutuou, serena e em paz, num mar negro que não
conhecia litorais.
Depois de algum tempo, uma noite, um dia, um ano, não
saberia dizer, voltou a acordar. A tenda estava escura, com as
paredes de seda batendo como asas quando as rajadas de vento
sopravam lá fora. Dessa vez Dany não tentou se levantar.
- Irri - chamou -, Jhiqui, Doreah - chegaram imediatamente. -
Tenho a garganta seca, tão seca - e trouxeram-lhe água. Estava
morna e sem sabor, mas Dany bebeu sofregamente e mandou
Jhiqui buscar mais. Irri umedeceu um pano suave e afagou -lhe
a testa. - Estive doente - disse