Dany.
A
jovem
dothraki
confirmou com um gesto. - Quanto tempo? - o pano era cal-
mante, mas Irri parecia tão triste que a assustou.
- Muito - sussurrou a jovem. Quando Jhiqui regressou com
mais água, Mirri Maz Duur veio com ela, com olhos pesados de
sono.
- Beba - disse a maegi, voltando a levantar a cabeça de Dany
até a taça, mas desta vez era só vinho. Doce, doce vinho. Dany
bebeu e voltou a deitar-se, ouvindo o som suave da própria
respiração. Sentiu o peso nos membros quando o sono deslizou
para voltar a tomá-la.
- Traga-me... - murmurou, com a voz embaraçada e sonolenta. -
Traga... quero segurar...
- Sim? - perguntou a maegi - Que deseja, khaleesi!
- Traga-me... ovo... ovo de dragão... por favor... - as pestanas
transformaram-se em chumbo, e ficou cansada demais para
segurá-las.
Quando acordou pela terceira vez, um dardo de luz d ourada do
sol jorrava pelo buraco de fumaça da tenda, e tinha os braços
enrolados em volta de um ovo de dragão, Era o mais claro,
com escamas da cor de creme de manteiga, com veios em
volutas de ouro e bronze, e Dany conseguia sentir seu calor.
Sob as sedas de dormir, uma fina película de transpiração
cobria-lhe a pele nua. Orvalho de dragão, pensou. Passou
levemente os dedos sobre a superfície da casca, seguindo as
volutas de ouro, e na profundidade da rocha sentiu que algo se
torcia e esticava em resposta. Não se assustou. Todo seu medo
tinha desaparecido, ardera.
Dany tocou a testa. Sob a película de suor a pele estava fria ao
toque, a febre desaparecera. Esforçou-se para sentar. Houve um
momento de tontura, e uma dor profunda entre as coxas. Mas
sentia-se forte. As aias se precipitaram ao som de sua voz.
- Água - disse-lhes -, um jarro de água, a mais fria que
consigam encontrar. E fruta, acho eu. Tâmaras.
- Às suas ordens, khaleesi.
- Quero ver Sor Jorah - disse, pondo-se em pé. Jhiqui trouxe-
lhe um roupão de sedareia e envolveu-lhe os ombros com ele. -
E também quero um banho quente, e Mirri Maz Duur, e... -
as recordações chegaram-lhe todas ao mesmo tempo, e ela
vacilou. - Khal Drogo - forçou-se a dizer, observando o rosto
delas com terror. – Ele...?
- O khal vive - respondeu Irri em voz baixa... Mas Dany viu-
lhe uma escuridão nos olhos quando disse as palavras, e assim
que acabou de falar, a jovem fugiu para ir buscar água.
Dany virou-se para Doreah.
- Conte-me.
- Eu... eu vou buscar Sor Jorah - disse ajovem lysena, inclinando
a cabeça e fugindo da tenda. Jhiqui teria fugido também, mas
Dany a segurou pelo pulso e a manteve presa.
- O que está acontecendo? Tenho de saber. Drogo... e meu filho
- por que não teria se lembrado da criança até agora? - O meu
filho... Rhaego... onde está ele? Quero vê-lo.
A aia baixou os olhos.
- O menino... não sobreviveu, khaleesi - a voz dela era um
murmúrio assustado.
Dany soltou-lhe o pulso. Meu filho está morto, pensou,
enquanto Jhiqui saía da tenda. De algum modo já o sabia.
Soubera desde que acordara pela primeira vez com as lágrimas
de Jhiqui. Não, soubera-o antes de acordar. O sonho regressou-
lhe, súbito e vívido, e lembrou-se do homem alto com a pele
acobreada e a longa cabeleira de prata dourada, rebentando em
chamas.
Sabia que devia chorar, mas tinha os olhos secos como cinza.
Chorara no sonho, e as lágrimas tinham se transformado em
vapor no rosto. Todo o pesar foi queimado em mim, disse a
si mesma. Sentia-se triste, e no entanto... conseguia sentir
Rhaego afastando-se dela, como se nunca tivesse existido.
Sor Jorah e Mirri Maz Duur entraram alguns momentos mais
tarde, e deram com Dany em pé junto aos outros ovos de
dragão, os que ainda estavam dentro do cofre. Pareciam -lhe tão
quentes como aquele com o qual dormira, o que era muito
estranho.
- Sor Jorah, venha cá - disse. Tomou-lhe a mão e pousou-a no
ovo negro com as volutas escarlates. - O que sente?
- Casca, dura como pedra - o cavaleiro estava cauteloso. -
Escamas.
- Calor?
- Não. Pedra fria - afastou a mão. - Princesa, está bem? Devia
estar de pé, assim tão fraca?
- Fraca? Sinto-me forte, Jorah - para agradá-lo, reclinou-se
numa pilha de almofadas. -Conte-me como meu filho morreu.
- Não chegou a viver, minha princesa. As mulheres dizem... -
vacilou, e Dany reparou como a carne pendia solta no seu
corpo, e como coxeava quando se movia.
- Conte-me. Conte-me o que as mulheres dizem.
Ele virou o rosto. Tinha os olhos assombrados.
- Elas dizem que a criança era...
Dany esperou, mas Sor Jorah não foi capaz de dizer. Seu rosto
escureceu de vergonha. Ele próprio parecia quase um cadáver.
- Monstruosa - terminou Mirri Maz Duur por ele. O cavaleiro
era um homem poderoso, mas Dany compreendeu naquele
momento que a maegi era mais forte, e mais cruel, e infinita-
mente mais perigosa. - Deformada, Fui eu quem a puxou.
Tinha escamas como um lagarto, era cega, trazia um vestígio
de cauda e pequenas asas de couro como as de um morcego.
Quando o toquei, a carne desprendeu-se do osso, e por dentro
estava cheia de vermes e fedia a decomposi ção. Estava morta
havia anos.
Escuridão, pensou Dany. A terrível escuridão que vinha por
trás para devorá-la. Se olhasse para trás, estaria perdida.
- Meu filho estava vivo e forte quando Sor Jorah me trouxe
para esta tenda - disse. - Sentia-o dar pontapés e lutar para
nascer.
- Pode ser que sim, pode ser que não - respondeu Mirri Maz
Duur -, mas a criatura que saiu de seu ventre era como eu
disse. Havia morte naquela tenda, khaleesi.
- Só sombras - desvendou Sor Jorah, mas Dany conseguia sentir
a dúvida em sua voz. - Eu vi, maegi. Vi-a, sozinha, dançando
com as sombras.
- A sepultura produz longas sombras, Senhor de Ferro - disse
Mirri. - Longas e escuras, e no fim nenhuma luz consegue
resistir a elas.
Dany sabia que Sor Jorah matara seu filho. Fizera aquilo por
amor e lealdade, mas a transportara para um lugar onde
nenhum homem vivo devia ir e entregara seu filho às trevas.
Ele também o sabia; o rosto cinzento, os olhos vazios, o coxear.
- As sombras também o tocaram, Sor Jorah - disse-lhe Dany. O
cavaleiro não deu resposta. Ela se virou para a esposa de deus.
- Preveniu-me de que só a morte podia pagar pela vida. Pen sei
que se referisse ao cavalo.
- Não - disse Mirri Maz Duur. - Era nisso que queria acreditar.
Conhecia o preço. Conhecia? Conhecia? Se olhar para trás,
estou perdida.
- O preço foi pago - disse Dany. - O cavalo, meu filho, Quaro e
Qotho, Haggo e Cohollo. O preço foi pago, pago e pago -
ergueu-se das almofadas. - Onde está Khal Drogo? Mostre-me,
esposa de deus, maegi, maga de sangue, o que quer que seja.
Mostre-me Khal Drogo. Mostre-me o que comprei com a vida
de meu filho.
- Às suas ordens, khaleesi - disse a velha. - Venha, a levarei