- Porto Real. Vou mandá-lo para a corte.
Era a última coisa em que Tyrion Lannister teria pensado.
Estendeu a mão para o vinho e pensou no assunto por um
momento, enquanto bebia,
- E que devo eu fazer lá?
- Governar - seu pai disse concisamente.
Tyrion estremeceu de riso.
- Minha querida irmã pode ter uma coisa ou duas a dizer a
respeito disso.
- Deixe-a dizer o que quiser. O filho dela tem de ser controlado
antes que nos arruíne a todos. Culpo esses patetas do
conselho... o nosso amigo Petyr, o venerável Grande Meistre e
aquela maravilha castrada, Lorde Varys. Que tipo de conselhos
eles estão dando a Joffrey enquanto ele salta de loucura em
loucura? De quem foi a ideia de fazer senhor aquele Janos
Slynt? O pai do homem era um açougueiro, e dão a ele
Harrenhal. Harrenhal, que foi a sede de reis! Não que ele
algum dia ponha os pés no castelo enquanto eu tiver algo a
dizer sobre o assunto. Dizem--me que escolheu para símbolo
uma lança ensanguentada. Minha escolha teria sido um cutelo
ensanguentado - o pai não levantara a voz, mas Tyrion
conseguia ver a ira no ouro de seus olhos. - E demitir Selmy,
qual é o sentido disso? Sim, o homem está velho, mas o nome
de Barristan, o Ousado, ainda tem peso no reino. Emprestava
honra a qualquer homem que servisse. Poderá alguém dizer o
mesmo de Cão de Caça? Alimenta-se o cão com ossos por
baixo da mesa, não se dá a ele um lugar ao lado do trono -
brandiu o dedo na cara de Tyrion. - Se Cersei não conseguir
domar o rapaz, você tem de fazê-lo. E se esses conselheiros
estiverem fazendo jogo duplo...
Tyrion sabia.
- Hastes - suspirou. - Cabeças. Muralhas.
- Vejo que aprendeu algumas lições comigo.
- Mais do que pensa, pai - respondeu Tyrion em voz baixa.
Terminou o vinho e pôs a taça de lado, pensativo, Uma parte
de si estava mais satisfeita do que queria admitir. A outra
recordava a batalha a montante do rio, e perguntava a si
mesmo se estava sendo de novo enviado para defender o flanco
esquerdo. - Por que eu? - perguntou, inclinando a cabeça para
o lado. - Por que não meu tio? Por que não Sor Addam, Sor
Flement ou Lorde Serrett? Por que não um homem... maior?
Lorde Tywin pôs-se abruptamente em pé.
- É meu filho.
Foi então que compreendeu. Desistiu dele, pensou. Seu
maldito canalha, julga que Jaime é um homem morto, e
portanto eu sou tudo o que lhe resta, Tyrion quis
esbofeteado, cuspir-lhe na cara, puxar o punhal, arrancar-lhe o
coração e ver se era feito de ouro velho e duro como diziam os
plebeus. Mas ficou ali sentado, em silêncio e imóvel.
Os cacos da taça partida rangeram sob os saltos do pai quando
Lorde Tywin atravessou a sala.
- Uma última coisa - disse ele da porta. - Não levará a
prostituta para a corte.
Tyrion ficou sozinho na sala comum durante um longo tempo
depois de o pai ir embora. Por fim, subiu os degraus até suas
acolhedoras águas-furtadas sob a torre sineira. O teto era
baixo, mas isso para um anão não chegava a ser um problema.
Da janela via o cadafalso que o pai erigira no pátio. O cadáver
da estalajadeira girava lentamente na ponta de uma corda
sempre que o vento noturno soprava. Sua carne tornara-se tão
escassa e esfarrapada como as esperanças dos Lannister.
Shae soltou um murmúrio sonolento e rolou para ele quando
se sentou na borda da cama de penas. Enfiou a mão sob a
manta e envolveu com ela um seio suave, e os olhos dela se
abriram.
- Senhor - disse, com um sorriso sonolento.
Quando sentiu o mamilo enrijecer, Tyrion beijou-a.
- Tenho em mente levá-la para Porto Real, querida - sussurrou.
Jon
A égua relinchou baixinho quando Jon apertou a cilha.
- Calma, querida senhora - disse ele em voz suave, acalmando-a
com um afago. O vento sussurrava no estábulo, uma fria
respiração de morte no seu rosto, mas Jon não lhe prestou
atenção. Atou o rolo à sela, sentindo os dedos cheios de
cicatrizes rígidos e desastrados. - Fantasma - chamou, em voz
baixa -, aqui - e o lobo ali estava, com olhos que eram como
brasas. -Jon, por favor. Não pode fazer isto.
Ele montou, com as rédeas na mão, e fez o cavalo girar para a
noite. Samwell Tarly estava à porta do estábulo, com a lua
cheia espreitando-lhe sobre o ombro. Gerava uma sombra de
gigante, imensa e negra.
- Sai da minha frente, Sam.
-Jon, não pode - disse Sam. - Não vou deixar que faça isso.
- Eu preferia não machucá-lo - disse-lhe Jon. - Afaste-se, Sam,
ou o atropelo.
- Não fará. Precisa me ouvir. Por favor...
Jon enterrou as esporas na carne da égua, que saltou para a
porta. Por um instante Sam manteve-se imóvel, com o rosto
tão redondo e pálido como a lua que tinha atrás, a boca trans -
formada num O de surpresa que se alargava. No último
momento, quando já estavam quase sobre ele, saltou para o
lado como Jon soubera que faria, tropeçou e caiu. A égua
saltou sobre ele, penetrando na noite.
Jon subiu o capuz de seu pesado manto e deixou as rédeas
soltas. Castelo Negro encontrava-se silencioso e imóvel quando
cavalgou para o exterior, com Fantasma correndo a seu lado.
Sabia que havia homens observando na muralha atrás de si,
mas os olhos deles estavam virados para o norte, não para o
sul. Ninguém o veria partir, ninguém além de Sam Tarly, que
lutava para se pôr de pé na poeira dos velhos estábulos.
Esperava que Sam não tivesse se machucado ao cair daquela
maneira. Era tão pesado e desajeitado que seria mesmo coisa
de Sam quebrar o pulso ou torcer o tornozelo ao sair do
caminho.
- Eu o preveni - disse Jon em voz alta. - De qualquer forma,
isto não tinha nada a ver com ele - flexionou a mão queimada
enquanto cavalgava, abrindo e fechando os dedos cheios de
cicatrizes. Ainda lhe doíam, mas era bom não ter as ataduras.
O luar prateava os montes enquanto ele seguia a fita retorcida
da estrada real. Precisava se afastar o máximo possível da
Muralha antes que percebessem que desaparecera. De manhã
deixaria a estrada e avançaria por campos, florestas e córregos
a fim de despistar os perseguidores, mas no momento a
velocidade era mais importante que a dissimulação. Afinal, não
era como se eles não adivinhassem para onde se dirigia.
O Velho Urso estava habituado a se levantar à primeira luz da
aurora, portanto, Jon tinha até essa hora para pôr tantas léguas
quantas pudesse entre si e a Muralha,., se Sam Tarly não o
traísse. O gordo rapaz era obediente e fácil de assustar, mas
amava Jon como a um irmão. Se fosse interrogado, não havia
dúvida de que Sam lhes diria a verdade, mas Jon não o
imaginava desafiando os guardas à porta da Torre do Rei para
acordar Mormont,
Quando Jon não aparecesse na cozinha para ir buscar o café da
manhã do Velho Urso, procurariam na sua cela e encontrariam