Muralha. Mas talvez pretenda fugir de novo amanhã, ou daqui
a uma quinzena. E isso? É essa a sua esperança, rapaz?
Jon manteve-se em silêncio.
- Era o que eu pensava - Mormont tirou a casca de um ovo
cozido. - Seu pai está morto, rapaz. Julga que pode trazê -lo de
volta?
- Não - respondeu, carrancudo.
- Ótimo - disse Mormont. - Vimos os mortos regressar, você e
eu, e não é algo que eu queira ver de novo - comeu o ovo em
duas dentadas e arrancou um pedaço de casca do meio dos
dentes. - Seu irmão está no terreno com todo o poder do Norte
com ele. Qualquer um dos senhores seus vassalos comanda
mais espadas do que poderá encontrar em toda a Patrulha da
Noite. Por que imaginará você que precisam da sua ajuda? É
um guerreiro assim tão poderoso, ou tem um gramequim no
bolso para te dar magia à espada?
Jon não tinha resposta para lhe dar. O corvo bicava um ovo,
quebrando a casca. Enfiando o bico através do buraco, puxou
bocados de clara e de gema. O Velho Urso suspirou.
- Não é o único atingido por esta guerra. Quer eu goste quer
não, minha irmã marcha na tropa do seu irmão, ela e aquelas
suas filhas, vestidas com cotas de malha de homem. Maege é
uma velha snark grisalha, teimosa, com mau gênio e
voluntariosa. A bem da verdade, quase não consigo estar perto
da maldita mulher, mas isso não quer dizer que meu amor por
ela seja menor que o amor que sente pelas suas meias -irmãs -
franzindo as sobrancelhas, Mormont pegou o último ovo e o
esmagou no punho até que a casca estalou. - Ou talvez queira.
Mas, seja como for, me desgostaria da mesma forma se ela
fosse morta, e você não me vê fugir. Eu disse as palavras, tal
como você. Meu lugar é aqui... Onde é o seu, rapaz?
Não tenho lugar nenhum, Jon quis dizer. Sou um bastardo,
não tenho direitos, nem nome, nem mãe, e agora nem
sequer um pai. Mas as palavras não vinham.
- Não sei.
- Eu sei - disse o Senhor Comandante Mormont. - Os ventos
frios se levantam, Snow. Para lá da Muralha, as sombras
alongam-se. Cotter Pyke escreve sobre vastas manadas de alces
correndo ao sul e a leste na direção do mar, e também de
mamutes. Diz que um de seus homens descobriu enormes
pegadas deformadas a menos de três léguas de Atalaialeste.
Patrulheiros da Torre Sombria encontraram aldeias inteiras
abandonadas, e de noite Sor Denys diz que veem fogueiras nas
montanhas, enormes clarões que ardem do pôr do sol até a
alvorada. Quorin Halfhand trouxe um cativo das profundezas
da Garganta, e o homem jura que Mance Rayder está reunindo
toda a sua gente num novo forte secreto que acreditam ter
encontrado, para que fim só os deuses sabem. Julga que seu tio
Benjen foi o único patrulheiro que perdemos neste último ano?
"Ben Jen", crocitou o corvo, inclinando a cabeça., com
pedacinhos de ovo caindo do bico. "Ben Jen. Ben Jen"
- Não - disse Jon. Tinha havido outros. Muitos.
- Julga que a guerra do seu irmão é mais importante que a
nossa? - ladrou o velho.
Jon mordeu o lábio. O corvo bateu as asas na sua direção.
"Guerra, guerra, guerra, guerra", cantou.
- Não é - disse-lhe Mormont. - Os deuses nos salvem, rapaz,
você não é cego e não é estúpido. Quando os mortos andam à
caça na noite, julga que importa quem se senta no Trono de
Ferro?
- Não - Jon não pensara no assunto daquela maneira.
- O senhor seu pai o enviou até nós, Jon. Por que,
quem poderá dizê-lo? "Por quê? Por quê? Por
quê?", gritou o corvo.
- Tudo o que sei é que o sangue dos Primeiros Homens corre
nas veias dos Stark. Os Primeiros Homens construíram a
Muralha, e diz-se que se lembram de coisas que os outros
esqueceram. E aquele seu animal... foi ele que nos levou às
criaturas, que o preveniu do morto nas escadas. Sor Jaremy
chamaria sem dúvida a isso um acaso, mas ele está morto, e eu
não - Lorde Mormont espetou a ponta do punhal num pedaço
de presunto. - Acho que era o seu destino estar aqui, e quero
você e seu lobo conosco quando avançarmos para lá da
Muralha.
As palavras fizeram com que as costas de Jon se arrepias sem
de excitação.
- Para lá da Muralha?
- Você ouviu o que eu disse. Pretendo encontrar Ben Stark,
vivo ou morto - mastigou e engoliu. - Não vou ficar aqui
docilmente sentado à espera das neves e dos ventos gelados.
Temos de saber o que está acontecendo. Desta vez, a Patrulha
da Noite avançará em força, contra o Rei-para-lá-da-Muralha,
os Outros, ou seja o que for que se encontre por lá. Pretendo
ser eu próprio a comandá-los - apontou o punhal para o peito
de Jon. - Segundo o costume, o intendente do Senhor
Comandante é também o seu escudeiro... mas não pretendo
acordar todas as manhãs perguntando a mim mesmo se terá
fugido de novo. Por isso quero uma resposta de você, Lorde
Snow, e quero-a já. É um irmão da Patrulha da Noite... ou só
um rapazinho bastardo que quer brincar de guerra?
Jon Snow endireitou-se e inspirou profunda e longamente.
Perdoem-me, pai, Robb, Arya, Bran. .. perdoem-me não
posso ajudá-los. Ele tem razão. É este o meu lugar.
- Eu sou... seu, senhor. Seu homem.Juro. Não voltarei a fugir.
O Velho Urso resfolegou.
- Ótimo. Agora vá buscar sua espada.
Catelyn
Parecia terem se passado mil anos desde que Catelyn Stark
levara o filho bebê de Correrrio, atravessando o Pedregoso
num pequeno barco para dar início à viagem para o norte até
Winterfell. E era pelo Pedregoso que regressavam agora para
casa, embora o rapaz vestisse armadura e cota de malha em
vez de cueiros.
Robb estava sentado à proa com Vento Cinzento, descansando
a mão na cabeça do lobo gigante enquanto os remadores
puxavam os remos. Theon Greyjoy encontrava-se com ele. O tio
Brynden vinha depois no segundo barco, com Grande -Jon e
Lorde Karstark.
Catelyn ocupou um lugar perto da popa. Correram pelo
Pedregoso, deixando a forte corrente empurrá-los para lá da
Torre da Roda, O trovejar da grande roda de água que havia lá
dentro era um som de infância que trouxe um sorriso triste ao
rosto de Catelyn. Das muralhas de arenito do castelo, soldados
e criados gritavam o nome dela, e o de Robb, e "Winterfell!".
Em todos os baluartes esvoaçava o estandarte da Casa Tully:
uma truta saltante, de prata, em fundo ondulado de azul e
vermelho. Era uma visão estimulante; no entanto, não lhe
alegrava o coração. Gostaria de saber se o coração voltaria a
alegrar-se algum dia. Ah, Ned...
Abaixo da Torre da Roda descreveram uma curva larga e
cortaram as águas agitadas. Os homens puseram os ombros no
esforço. O arco largo do Portão da Água surgiu à vista, e
Catelyn ouviu o tinir de pesadas correntes quando a grande
porta levadiça de ferro foi içada. Ergueu-se lentamente